\ A VOZ PORTALEGRENSE: setembro 2010

quinta-feira, setembro 30, 2010

Mário Silva Freire

CRÓNICAS DE EDUCAÇÃO – XVI

Ritmos escolares e não escolares

Teve lugar na Dinamarca, no passado mês de Junho, a “Conferência nacional sobre ritmos escolares”. A Dinamarca é um país em que o sistema escolar está em plena actividade desde 11 de Agosto.
Na Europa, a Dinamarca, a Alemanha, a Holanda e o Liechtenstein são os países onde as férias de Verão são mais curtas: cerca de seis semanas. Em França, esse número é de nove e em Portugal, neste ano, foi de doze semanas. Estes números referem-se ao 1º ciclo do básico.
Poderão tirar-se ilações destes dados? Eles são demasiado incompletos mas uma conclusão, no entanto, é possível retirar: de entre os cinco países referidos, Portugal é aquele onde as férias escolares são maiores.
Penso que não é benéfico para os alunos um prolongamento exagerado das férias escolares, pelo menos quando elas não têm um significado. Claro que num tempo de férias tem cabimento levantar mais tarde e deitar mais tarde, navegar na internet (com vigilância à distância por um adulto responsável), ver televisão e passear com amigos. Mas reduzir as férias a estas actividades é demasiado empobrecedor para quem está numa fase de desenvolvimento físico, intelectual, emocional e moral.
Ora, o encurtamento das férias não passa necessariamente pelo aumento do tempo de aulas. O que me parece é que, quer o Estado, quer a sociedade civil, deveriam organizar actividades adequadas às diferentes idades, de modo que todas as crianças e jovens pudessem aproveitar devidamente o tempo fora da época escolar, segundo condições a estabelecer. Penso, até, que esse aproveitamento do tempo deveria ter um carácter, se não obrigatório, pelo menos o de poder figurar numa caderneta, de modo a conferir vantagens, a definir, ao seu possuidor. E tantas poderiam ser essas actividades, nos mais diversos domínios do saber, das actividades físicas e artísticas, da solidariedade, da descoberta da Natureza…
Saber aproveitar o tempo deveria ser um lema transversal a todo e qualquer cidadão, ao longo da sua existência. Isso começa-se a aprender na família. Mas a escola, qualquer que seja o seu nível, e a comunidade deveriam ter nessa tarefa papel de relevo. Ora, fazer férias com significado, isto é, aproveitando o tempo, que mais não seja aquele em que está a desfrutar-se do belo e da Natureza, poderia ser um bom ensaio para uma vida que se pretende que seja útil a si aos outros.
Mário Freire

quarta-feira, setembro 29, 2010

Crónica de Nenhures

Venezuela recupera Liberdades

A Oposição venezuelana teve mais votos que Hugo Chávez e seus sequazes nas eleições legislativas de dia 26 de Setembro passado. Em termos de deputados eleitos, Chávez tem a maioria, mas longe da maioria qualificada, necessária para o artífice do Socialismo venezuelano continuar a destruir, principalmente, o tecido económico do país. E acrescente-se que a participação dos eleitores foi de 66,45%, uma das mais altas da história para eleições legislativas.
Este resultado eleitoral mostra que o Povo venezuelano está farto das fanfarronices de um candidato a ditador perpétuo. E se a campanha eleitoral tivesse corrido normalmente, sem a violência ‘clássica’ dos apoiantes de Chávez sobre os adversários políticos, instaurando um clima de medo, de certeza que os resultados seriam ainda mais entusiasmantes para a Oposição. Mas, diga-se, o acto eleitoral do passado domingo decorreu sem incidentes de maior, se bem que o Conselho Nacional Eleitoral tivesse demorado um tempo excessivo a divulgar resultados.
Depois de anos de arbitrariedades, de destruição da economia, de proletarização da classe média, de clima de guerra civil, a Venezuela parece querer virar essa página da sua História recente e voltar a ser um Estado Democrático pleno.
Que se diga que a Venezuela nunca foi uma ditadura durante estes anos de Chávez. Mas que este tem como ícones Ernesto Guevara de la Serna, mais conhecido por Che Guevara ou El Che, e Fidel Castro, o primeiro um assassino ‘especializado’ em fuzilamentos e o segundo um ditador, é a pura verdade.
Hugo Chávez é um antigo golpista que ganhou democrat6icamente as primeiras eleições em que foi eleito. Depois tudo tem feito para se manter no poder, não olhando aos meios para atingir os fins. Agora parece que o seu ocaso político chegou. Será assim?

Em Portugal há um candidato às próximas eleições presidenciais de Janeiro de 2011 que se ‘assemelha’ a Hugo Chávez. O bardo e socialista Manuel Alegre tem ideias no campo económico e no campo social semelhantes às de Hugo Chávez.
Uma ideia de um Portugal terceiro-mundista, a qual não difere muito da de um outro Ernesto, o Ernesto Melo Antunes, ideólogo do Portugal saído do 25 de Novembro de 1975, é muito cara a Manuel Alegre. Se fosse eleito e aplicasse aquela ‘cartilha’, seria o fim histórico de Portugal. É que Portugal não tem petróleo como a Venezuela para ‘experiências’ socialistas do tipo das de Chávez.
Mas não deixaria de ser interessante ver os Portugueses eleger um Presidente da República que no passado desertara da Guerra Colonial, que na Rádio Argel dava informações militares aos guerrilheiros independentistas das Colónias das quais resultavam emboscadas em que morriam soldados Portugueses, e que tem a sensata e peregrina ideia de um Portugal entre as brumas do Socialismo que gerou toda a forma de injustiça e miséria por todo o lugar onde se arvorou em ideologia única.
Todavia, diga-se que em tempo algum votámos no actual Presidente da República, nem nele alguma vez votaremos. Nem o aparecimento do ‘fantasma’ de Marcello Caetano nos ‘obrigaria’ a tal!
Mário Casa Nova Martins

Jorge Luís Lourinho Mangerona

Bem prega Frei Tomás…

Vai por aí um grande escândalo com as medidas do Senhor Sarkozy de repatriamento de indivíduos de etnia cigana. A nossa esquerda gritou contra o ultraje e elegeu o dito Sarkozy como um novo Hitler, responsável por um novo Holocausto. Considero que o Primeiro Ministro francês não é personagem que se recomende e que não será mais que uma nota de rodapé na história da França. Sarkozy e os franceses são actualmente os fidalgos arruinados da Europa: resta-lhes a pose. Perdida a supremacia da língua em favor do Inglês, com uma economia ultrapassada por outras potências, os franceses são um dos povos mais chauvinistas da Europa e não conseguem digerir o facto de terem de deixado ser o centro da Europa (…e do mundo!). Como alguém disse, o melhor de França é Paris, apesar dos Franceses. Começava também a maldizer o marido da Carla Bruni quando, no fim-de-semana passado, num dos cadernos do jornal Público, leio “Foi Portugal que inaugurou a política de retirar a nacionalidade a cidadãos que marcou o século XX”. Não me digam que até neste lamentável episódio retiramos o protagonismo ao gaulês? A situação não é a mesma mas não sei o que é pior: se repatriar, se tirar a nacionalidade a quem nasceu em solo pátrio. Mas vamos à história…Com a entrada de Portugal na Primeira Guerra, em Março de 1916, os jornais começaram a defender a necessidade de aplicar leis restritivas aos cidadãos de origem alemã. Nada de novo não fosse o caricato de algumas situações: alguns dos atingidos tinham nascido em Portugal quase cem anos antes, outros eram cidadãos portugueses que tinham adquirido a nacionalidade alemã por casamento, havia ainda alguns que eram soldados no Exército Português e foi necessário que figuras como Amélia Rey Colaço, Carolina Michaelis, elementos das famílias Sommer, Ulrich ou Burmester fizessem prova de nacionalidade. Numa altura em que se comemora o Primeiro Centenário da República, não deixa de ser irónico constatar esta estranha forma de respeito pelos “direitos do homem”. Registe-se também o responsável por estas tropelias até porque, muitas vezes, é apresentado como o grande “farol” da Primeira República: Afonso Costa. Já agora o que dirá a nossa esquerda e o Dr. Mário Soares, que parece apreciar tanto Afonso Costa, destas decisões? Pois é… bem prega Frei Tomás…
Jorge Luís Lourinho Mangerona

terça-feira, setembro 28, 2010

Jaime Crespo

(ouvindo lightnin' hopkins greatest hits…)

reflexões acima do joelho motivadas pela leitura do livro "e se eu gostasse muito de morrer" de rui cardoso martins

portalegre. cidade que não passou de aldeia grande. terra de lagóias. abençoadas margens de baco.
a jornalista que acompanhou o escritor à cidade chamou-lhe "twin peaks". desta nunca me lembrei eu.
mas há anos, quando ainda por lá escorregava na calçada inclinada da rua do comércio, achei-a parecida à cidadezinha que servia de fundo a um policial francês e que tinha o sugestivo título de "balada da cidade triste", de pierre simiac (les femmes blafardes, no original).
curiosamente foi no cinema que encontrei a denominação perfeita para a minha aldeia natal, tolosa, no distrito de portalegre, nada mais nada menos que "dogville".
pois claro, já estão mesmo a ver os ambientes, twin peaks, cidade triste, dogville… é uma 5ª dimensão escondida ali num cantinho de portugal.

(a música passou para os ladysmith blackmambazo)

apesar de termos pisado as mesmas pedras da calçada e provavelmente petiscado nas mesmas mesas das sedutoras tascas marchão, david, escondidinho ou marmelo; bebido uns canecos no jóia, painel; cafézadas no alentejano, facha, central ou tarro (eu ainda as sorvi no finado plátano, hoje banco ou seguradora ou as duas coisas).
mesmo encontrando velhos conhecidos, tininho, matcha, pelo livro afora, nunca me cruzei com o autor. o pai sim, foi meu professor.
habituei-me a ler e a gostar de ler rui martins nas crónicas "levante-se o réu", primeiro através da internet, quando estava emigrado, depois sentindo bem o cheiro da tinta e o deslizar das páginas, sedosas, sedentas, entre os dedos.
vai ser com tristeza que hoje ao tomar da bica matinal não a acompanharei com o levante-se o réu de um lado e a crónica do pulido valente do outro. o meu pequeno almoço ficará mais só. mas temos que mudar e ir à vida senão paramos e ficamos com vontade de morrer. muita. não é rui?
o livro fala da morte mas é afinal uma autópsia, escrupulosa, muito bem feita, como aquelas que vemos nos filmes tipo csi em que não escapa nada, ao modo de ser portalegrense.
recomendo vivamente a leitura do livro. eu vou reler para ver se na pressa e extasiamento da primeira leitura não deixei escapar mesmo nada.

(muda o disco para carlos paredes – verdes anos)

o que poderei dizer do livro? que gostei, transmite na perfeição as vivências e ambientes da portalegre que conheci e me habituei a gostar (afinal é a minha primeira cidade). vidas e ambientes a adivinhar o drama e ele acaba sempre por chegar, por vezes da maneira mais cruel, inesperada e dolorosa.
por isso no alentejo gostamos muito de morrer.
felizmente muito menos de matar ainda que às vezes…

o livro é uma diversão pegada de leitura. dá prazer ler um livro assim, bem construído e bem escrito. vai de carrinho até ao episódio do bispo, aí embatuca um poucochinho, trava, haverá algumas contas mal ajustadas entre o autor e a igreja ou algum seu representante terreno? não é da minha conta apenas noto alguma quebra na fluidez da história.
ou seria eu que já estava cansado por ler de seguida sem parar pela tarde, noite, madrugada até manhã… entre as gotas grossas de chuva lá fora.
Jaime Crespo

segunda-feira, setembro 27, 2010

António Martinó de Azevedo Coutinho

Outra das cenas “polémicas”, e também das mais discutidas e criticadas do álbum é a passada na sala de aulas da missão católica. Talvez seja mesmo, como imagem, a que mais vezes tem sido reproduzida. E a verdade é que apresenta vários motivos de inegável interesse.
Um deles refere-se à mudança temática da própria aula, da versão inicial, de 1930, em que Tintin substitui o padre Sebastião numa lição de Geografia, até à remodelação de 1946, onde o nosso herói ministra uma lição de Cálculo em vez do mesmo polivalente mestre.
Como lógica sequência desta alteração curricular, mudou o discurso pedagógico de Tintin. Assim, o original (1930) : “Meus caros amigos, vou falar hoje da vossa pátria: a Bélgica!...”, passou a (1946): “Vamos começar, se o desejarem, por algumas adições. Quem sabe dizer-me quantos são dois mais dois?... Ninguém?... Vejamos, dois mais dois?... Dois mais dois igual a?...”
Segue-se a cena da insólita intromissão de um leopardo na normalidade escolar. Também aqui se notam diferenças nas duas versões em confronto. Em 1930, Tintin interrompe uma frase didáctica e completa-a de forma simbólica, obtendo um oportuno e metafórico slogan... patriótico: “A Bélgica é aquilo a que eu chamo... ...um leopardo!”. Já na versão de 1946, a sequência tornar-se-á mais vulgar: “Então, quem pode responder-me?... Dois mais dois são?... São?... Um leopardo!!!”
A vinheta seguinte ainda é mais curiosa. A história original integra um significativo discurso moral, um apelo íntimo à heroicidade e uma invocação divina: “Atenção, Tintin, deves salvar os teus alunos. Prepara-te para te sacrificares! Meu Deus, dai-me forças para sustentar este duro combate!”. A remodelação posterior apagou, pura e simplesmente, todo este interessante desabafo, deixando Tintin só e mudo perante a fera...
Após o breve mas movimentado interlúdio que envolveu a inesperada aparição do leopardo e a feliz solução do incidente, Tintin retoma tranquilamente a aula: (1930) “Pronto, já está!... Ora falávamos na Bélgica!... A Bélgica é...”; (1946) “Pronto, já está... Dizíamos... Dois mais dois são?...”.
Nova interrupção, desta feita da responsabilidade de um humano que irrompe pela sala: (um negro, em 1930) “Bandido!... Foste tu que maltrataste o meu leopardo domesticado, um leopardo meigo e inofensivo, que vinha comer à mão. E agora ele chora e geme! Vais pagá-las, a mim, Jimmy Mac Duff, director do Grande Circo Americano!”; (um branco, em 1946) “Ah! Bandido!... Foste tu que maltrataste o meu pobre leopardo domesticado!.. Vais pagá-las, a mim, Jimmy Mac Duff, fornecedor dos maiores zoos da Europa!...”
Finalmente -já não é sem tempo!-, Tintin julga poder retomar a abalada tranquilidade pedagógica. E a aula prossegue, como se nada tivesse acontecido: (1930) “Pela terceira vez, repito-lhes, a Bélgica é...” ou (1946): “Pela terceira vez, pergunto-lhes, dois mais dois são?...”
Aqui, para aumentar a curiosidade, pode introduzir-se uma terceira versão, intermédia, relativa à divulgação de Tintin em Angola, n’O Papagaio. Publicada entre nós em 1941, esta cena dispõe da seguinte fala do improvisado professor: “Repito-lhes, pela terceira vez, que Portugal é o que...”
E eis que surge o superior da missão, ignorante de tudo o que sucedera, agradecendo a disponibilidade do improvisado profesor. Assim terminaram a prometedora carreira pedagógica de Tintin e este agitado episódio.
Creio, uma vez mais, que quase nada aqui escapa à filosofia que norteou, primeiro, a aparição da obra, depois, a sua reformulação. Tanto na linha original que descrevia e louvava a implantação e a obra das misssões católicas no Congo Belga, como no conjunto dos posteriores objectivos de “descongolização” do álbum, tudo parece coerente e lógico.
Assim, a evocação da pátria distante deu lugar a uma banal adição, tal como poderia ser substituída por uma lição sobre o corpo humano, uma revisão de regras gramaticais (bem necessária!!!) ou uma clássica redacção sobre a Primavera. Talvez possamos reprovar, no concreto, a deficiente qualidade das lições do padre Sebastião, pelo menos no que respeita à tabuada ou ao cálculo mental, uma vez que ninguém na turma sabia quantos são 2+2...
Esta adição não é uma operação matemática simbólica; é o seu grau zero de dificuldade. Poderemos concluir, portanto, que os (pequenos) congoleses eram intelectualmente incapazes? Na dúvida, talvez seja conveniente entender o episódio como mais uma subliminar crítica aos malefícios do colonialismo...
Já atrás se deixou uma alusão aos aspectos “místicos” que impregnam a obra, aqui patentes no “dramático” desabafo de Tintin. Pode ocorrer-nos a interpretação da responsabilidade paternalista para com os africanos, atribuída na época aos colonialistas. Ao tempo, a função civilizadora do homem branco era, também, uma missão divina... O oportuno desaparecimento deste balão mostra, pois, uma óbvia mudança de mentalidades nas épocas em confronto.
Resta analisar a radical alteração na personalidade -raça e profissão- de Jimmy Mac Duff. Em diversos álbuns posteriores, foi muito frequente esta mudança -aplicada a personagens pouco simpáticas- de um negro para um branco. Hergé, tal como demonstrou em vários testemunhos pessoais, sentiu-se injustiçado perante sucessivas acusações onde o seu suposto racismo foi tema dominante. É assim natural que algum sentimento de auto-censura o condicionasse, tentando antecipar-se a tais críticas, adivinhando-as, evitando-as ou resolvendo-as...
Aliás, um dos aspectos essenciais e desmistificadores no caso de Jimmy Mac Duff é o facto, provado pelas indiscutíveis ressonâncias da própria onomástica saxónica, de este -negro ou branco- ser mais um estrangeiro e não um congolês. Talvez, quem sabe, alguém do bando de Al Capone...
António Martinó de Azevedo Coutinho

António Ventura

C O N V I T E
A Ésquilo edições e multimédia e a CELIVRARIAS têm o prazer de convidar V. Ex.ª para assistir à conferência-lançamento do livro «Os Homens do 5 de Outubro — Nos Bastidores da Revolução» da autoria de António Ventura, que terá lugar na Livraria CEBUCHHOLZ/LEYA (antiga Livraria Buchholz), Rua Duque Palmela, 4 (ao Marquês de Pombal), Lisboa, quarta-feira, 29 de Setembro, às 19h30.
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A apresentação da obra estará a cargo do Prof. Doutor António Reis. Seguir-se-á uma conferência do autor subordinada ao tema do livro, no âmbito das Comemorações do Centenário da República.
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Muito nos honrará a sua presença no lançamento deste livro de «Entrevistas com a História», que conta com o apoio institucional da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República.
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Os Homens do 5 de Outubro
Nos Bastidores da República
«O presente livro é um livro de entrevistas, mas de entrevistas ocorridas há exactamente 100 anos, com protagonistas há muito desaparecidos do mundo dos vivos. Todas elas estão relacionadas com a proclamação da República e dizem respeito a personalidades muito diversas: dirigentes e membros do Directório do Partido Republicano envolvidos nos preparativos revolucionários, outros destacados militantes com ampla experiência conspirativa mas que não tiveram um papel activo, ou porque estavam no exílio ou porque se encontravam detidos, militares que dirigiriam a revolução e outros que nela tiveram um papel secundário ou mesmo lateral, revolucionários civis, carbonários, membros da Maçonaria, nomeadamente da sua Comissão de Resistência, simples republicanos desconhecidos e meros espectadores. No seu conjunto, estas entrevistas são valiosas e esclarecedoras pelas visões multifacetadas e até pelo pitoresco de algumas delas..»
António Ventura
In Introdução «Entrevistas com a História»
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ANTÓNIO VENTURA
Nasceu em Portalegre em 1953. Professor Catedrático do Departamento de História da Faculdade de Letras de Lisboa. Director do Centro de História da Universidade de Lisboa. Académico de número da Academia Portuguesa da História.
Participou em congressos científicos em Espanha, França, Itália, Suíça, Luxemburgo, Estados Unidos da América, Canadá, Macau, China, Polónia, México e Rússia
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Da sua bibliografia, com cerca de 300 trabalhos publicados, entre os quais mais de 60 livros, destaca-se: O Imaginário Seareiro. Ilustradores e Ilustrações da revista «Seara Nova» (1990); José Régio – Correspondência (1994); António Sérgio e José Régio - um convívio epistolar (1994); Guerra de 1801 (1994); Entre a República e a Acracia. O Pensamento e a Acção de Emílio Costa (1994); O Combate de Flor da Rosa (1996); José Frederico Laranjo (1997); A Carbonária em Portugal (1999); O Marquês de Santa Iria nas Guerras Liberais (2000); Anarquistas, Republicanos e Socialistas: as convergências possíveis (1892-1919) (2000); José Régio e a Política (2000), Memórias da Resistência. Literatura Autobiográfica da Resistência ao Estado Novo (2001); O Cerco de Campo Maior em 1801 (2001); José Régio e a Política (2003); A Carbonária em Portugal 1897 – 1910 (2004); Estudos sobre História e Cultura Contemporâneas de Portugal (2004); A Guerra das Laranjas e a Perda de Olivença 1796 – 1801 (2004, Prémio de História Moderna e Contemporânea, Fundação Calouste Gulbenkian, da Academia Portuguesa da História – 2004); Mousinho da Albuquerque (2005); O Algarve visto pelos Estrangeiros (2205); História da Carris de Ferro de Lisboa (2005); Campanhas Coloniais (2006); A Guerra das Laranjas (2206); George Borrow em Portugal (2006); Planos espanhóis para a Invasão de Portugal 1796 – 1801 (2006); Os Postais da Primeira República (2010).
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Colaboração em numerosas publicações periódicas, com realce para: Diário de Notícias, Jornal de Letras, Seara Nova, Colóquio Letras; Revista de História das Ideias, Revista da Faculdade de Letras, Revista da Biblioteca Nacional, Clio, Revista de Estúdios Extremeños, História, Gil Vicente, Vária Escrita, Macau, O Estudo da História, Boletim do Arquivo Histórico Militar, Boletim do Centro de Estudos Regianos, Boletim do Centro de Estudos José Régio, A Cidade, Olivença Revista de Estudos Históricos, Jurídicos e Diplomáticos, Ave Azul, Fórum, e Lusitânia Sacra.
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Ésquilo
Av. António Augusto de Aguiar, 17, 4º esq.
1050-012 Lisboa
Portugal
Tel. +351 213 502 410
Fax. +351 213 502 419

domingo, setembro 26, 2010

Willy Vandersteen

cadáveres no armário



"Vae victis!" A expressão que Tito Lívio colou aos lábios do lendário chefe gaulês Breno mantém o seu sentido inalterado apesar da passagem dos séculos. "Ai dos vencidos!" E os artistas que colaboram com as ditaduras arriscam-se a ser apagados para sempre. Ninguém pode elogiar, por exemplo, os pintores nazis Adolf Wissel, Conrad Hommel ou Werner Peiner.

Uma das mais recentes vítimas da sua ideologia foi o desenhador belga Willy Vandersteen (1913-1990), criador de uma vasta obra quase desconhecida em Portugal, mas a quem Hergé chamou o Brueghel da Banda Desenhada. Os filhos descobriram agora que era ele o autor dos desenhos anti-semitas publicados, durante a II Guerra Mundial, sob o pseudónimo de Kaproen. A obra irá ser editada, no próximo ano, pela Standaard Uitgeverij e, graficamente, pelo que se conhece, talvez seja curiosa. Já o teor...
Afinal, este tipo de cadáveres no armário, a expressão oitocentista britânica que designa um passado a camuflar, também manchou as carreiras do secretário-geral da ONU e presidente austríaco Kurt Waldheim, do escritor alemão Günter Grass e do presidente francês François Mitterrand. "Vae victis!"

sábado, setembro 25, 2010

Crónica de Nenhures

Perguntas inquinadas

É verdade que não há uma saída de emergência na Piscina Municipal dos Assentos?
Existindo um acidente, e estando bloqueada a única porta de entrada/saída para a piscina, como se faria a evacuação das pessoas que estejam dentro das instalações da piscina?
Quem é responsável pela segurança das instalações da Piscina Municipal dos Assentos?
Em caso de acidente, o responsável pela segurança na Piscina dos Assentos assumirá o ónus dos danos humanos e outros que venham a resultar de um acidente que naquela piscina aconteça?
Responda quem souber, ou quiser.

Quem é responsável pela inactividade do restaurante instalado na estrutura anexa ao núcleo principal do Castelo da Cidade de Portalegre, de cuja fotografia acima se edita?
O custo de construção do dito edifício/restaurante foi indiscutivelmente ‘faraónico’. Onde está o retorno desse custo/investimento?
Responda quem souber, ou quiser.

Portalegre é hoje uma cidade em que a gestão autárquica ‘navega à bolina’, isto é, a par de um desgoverno económico-financeiro, há uma falta de liderança, quer física quer de poder.
Politicamente, na CMP ninguém ‘manda’ em ninguém, a ninguém são pedidas responsabilidades. O desgoverno é total, o descalabro só não é eminente porque as Oposições, elas próprias, não têm alternativas credíveis.
Enquanto Oposição, o PCP não ‘existe’ na CMP, ao contrário do tempo em que Luís Madeira Pargana era vereador na Oposição. O CDS não quer ‘levantar ondas’, credo ingenuamente que assim nas próximas eleições autárquicas o PSD, pelo ‘bom comportamento’, lhe dá na lista à CMP um lugar de eleição certa/segura. O PS, com três vereadores, não querendo ser ‘o mau da fita’ ou que seja acusado de criticar por criticar, numa postura defensiva vai ‘jogando’ no quanto pior melhor.
E Portalegre defininha!

No passado dia 17 de Setembro os políticos portalegrenses do regime instalado na cidade e no concelho, celebraram o que pomposamente chamaram ‘Dia Robinson’.
Hoje pergunta-se, tal como ‘ontem’, o que é a Fundação Robinson, para que serve a Fundação Robinson, que mais-valia, até à data, para Portalegre representa a existência da Fundação Robinson.
Nos primórdios desta Fundação, que às gentes de Portalegre nada diz por que nada faz!, eram pela comunicação social conhecidas críticas, à Direita e à Esquerda, sobre a Fundação Robinson. Então, apenas o PSD lá tinha gente sua. Hoje também lá há gente do CDS, PS e PCP, desconhecendo nós se também do BE. Mas como na comunicação social apenas se ouve por parte dos políticos do tal sistema loas à Fundação Robinson, é lícito dizer/pensar que CDS, PSD, PS, PCP e BE dela usufruem mordomias. Quais? O tempo o dirá.

Parece que em Portalegre nada se passa. Mas passa-se muita coisa! Nem sempre é possível na altura prever o desfecho de determinadas coligações contra-natura que circunstancialmente se formam, sempre por força de interesses próprios/pessoais e não da Comunidade.
A CMP está tecnicamente falida. Os anos futuros estão economicamente hipotecados face a uma dívida monstruosa. As dotações do Orçamento do Estado para as Autarquias para o ano de 2011 vão ser reduzidas. Pode a CMP endividar-se junto da banca ainda mais? E se puder, a que preço? Qual o valor dos juros que terá que pagar para obter novos empréstimos? A bancarrota, se possível, é o cenário mais consistente para a CMP, já em 2011!
Enquanto isso, brinca-se à política nas estruturas dos partidos locais. Vai haver brevemente eleições para a concelhia do PSD. Face aos nomes dados como certos nos 'mentideros' da política indígena como lídere,s em duas listas concorrentes, ‘a coisa promete’. E de que maneira!

Já nada pode ‘valer’ a Portalegre?
Mário Casa Nova Martins
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Norman Finkelstein I

Série de conferências sobre a ocupação israelita e a Palestina
por Norman Finkelstein
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Vimos por este meio comunicar que terá lugar em Portugal uma série de conferências pelo Professor Norman Finkelstein, activista e estudioso internacionalmente conhecido do conflito israelo-palestiniano.
Em anexo encontra-se um cartaz anunciando a conferência de Lisboa que pode ser amplamente divulgado.
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O programa de conferências:
Em Lisboa, dia 29 de Setembro às 18h30 no Auditório da Escola Secundário Luís de Camões: uma conferência com o título “The repercussions of Israel’s Cast Lead Operation for the future of its occupation of the Palestinian territories".
No Porto, dia 30 de Setembro às 18h00 na Cooperativa Árvore: uma conferência com o título “The repercussions of Israel’s Cast Lead Operation for the future of its occupation of the Palestinian territories".
No Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, dia 1 de Outubro às 11h00: uma conferência com o título “Myths and Realities of the Israel-Palestinian conflict”.
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Como promotores do conjunto de conferências temos a Comissão Nacional de Apoio ao Tribunal Russell para a Palestina, o Centro de Estudos Sociais, o Grupo de Acção Palestina, o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, o Sindicato dos Professores do Norte e a Fundação Mário Soares e a Cooperativa Árvore.
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Uma nota biográfica sobre Norman Finkelstein:
Internacionalmente conhecido, Norman Finkelsten é um estudioso de temas que dizem respeito ao Sionismo, a Palestina e a ocupação israelita dos territórios palestinianos. É autor de vários artigos e livros com muito interesse nesse campo e é conferencista activo a favor dos direitos políticos e humanos do povo palestiniano e contra a ocupação israelita.
Judeu americano, filho de sobreviventes do Holocausto, Finkelstein aplica um humanismo universalista radical e consistente à sua crítica da ocupação israelita.
A sua crítica implacável da ocupação e dos seus apologistas tem-lhe custado muito, tendo a recusa da DePaul University em conceder-lhe tenure sido o resultado de intervenções sem precedentes e pressões notórias de lobbyistas sionistas (nomeadamente Alan Dershowitz).
A vida e o trabalho do Finkelstein foram objecto de um documentário recente com o título “American Radical”.
O seu livro mais recente, This Time We Went Too Far: Truth and Consequences of the Gaza Invasion (OR Books, New York, 2010 - http://www.orbooks.com/our-books/thistime/) é uma análise crítica do massacre perpetrado por Israel em Gaza de Dezembro 2008-Janeiro 2009 com a Operação Chumbo Fundido. O seu livro The Holocaust Industry (A Indústria do Holocausto, traduzido para o português no Brasil pela editora Record, 2001) analisa criticamente as várias formas de aproveitamento oportunista da realidade do Holocausto pelo Estado de Israel e os seus apologistas para encobrir os crimes cometidos pela ocupação aos palestinianos.
Para mais, podem ver o seu website em
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Bibliografia seleccionada:
* Image and Reality of the Israel-Palestine Conflict, Verso, 1995, 2001, 2003.
* The Rise and Fall of Palestine: A Personal Account of the Intifada Years. Minneapolis: U of Minnesota P, 1996.
* “Whither the `peace process'?”, New Left Review, 218, July-August (1996).
* A Nation on Trial: The Goldhagen Thesis and Historical Truth (com Ruth Bettina Birn) Henry Holt and Co., 1998.
* The Holocaust Industry: Reflections on the Exploitation of Jewish Suffering, Verso, 2000; 2001; 2003.
* Beyond Chutzpah: On the Misuse of Anti-Semitism and the Abuse of History. U of California P, 2005.
* “Disinformation and the Palestine Question: The Not-So-Strange Case of Joan Peter's From Time Immemorial” in Blaming the Victims: Spurious Scholarship and the Palestinian Question. Ed. Edward W. Said e Christopher Hitchens. Verso Press, 1988.
* This Time We Went Too Far: Truth and Consequences of the Gaza Invasion, OR Books, New York, 2010.
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Mário

Norman Finkelstein II

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Tomámos conhecimento do livro de Normana Finkelstein «A indústria do Holocausto», e de imediato o mandámos vir pela Amozon francesa.
A tradução portuguesa surge no mesmo ano da francesa, mas mais tarde. Também a comprámos.
É sem dúvida um Serviço Público a possibilidade criada para a vinda de Norman Finkelstein a Portugal. De certeza que os Portugueses ficarão a conhecer melhor o Conflito Israel-Palestiniano.
A maioria da comunicação social portuguesa ‘afina’ pelo lóbi israelita, e a verdade do que se passa na fronteira entre Israel e a Palestina, tal como o que se passa nos territórios ocupados por Israel, é sempre truncada porque sempre ‘vista’ pelo lado, perspectiva, israelita.
Espera-se que mais tarde fique disponível quer em suporte de escrita, quer em imagem, este documento histórico.
Quanto à leitura desta obra, «A indústria do Holocausto», é por demais obrigatória quanto actual.
Mário Casa Nova Martins
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sexta-feira, setembro 24, 2010

Carlos Manuel Serra

PARA UM AMIGO

Meu velho e conselheiro Pessoa,

Viveste para a tua obra! Fragmentaste-te verdadeiramente, (re)inventaste e sentiste tudo de todas as maneiras. Sentiste a corrente dos ismos que iam saltando da tua caneta e intelectualizaste o sentimento para perceberes a metafísica do ser. E da forma mais difícil, com a palavra escrita.
Ah!, meu genial Fernando, encenaste o teu drama em gente e brincaste a ser muitos... Leio o teu “Marinheiro”, que deliciou os artistas de Orpheu, e lembro-me da desumanização do teatro, proposta por Maetherlink. Ouço a voz das veladoras num além inalcançável como o eco de outros tempos. Neste “Marinheiro” «textualizas» o sonho consciente da vida. Mas nem só de marinheiros vive(u) a tua escrita. Deixaste uma obra incompleta, porque a vida não te permitiu acabá-la. E não deixaste pouco. Legaste-nos uma Literatura, só compreensível por um grupo sintonizado de leitores especializados em várias áreas, nas quais foste um mestre. É obra. Com Campos, o engenheiro naval, Reis, o médico e helénico, e Caeiro, teu mestre, bucólico e apologista da doutrina oriental zen, abraçaste alguns domínios da complexidade humana, que borbulham na tua criação ensaístico-literária. Não são só estes três elementos que te fazem Pessoa. Segundo a tua maior estudiosa, estendeste-te num universo de 72 «pessoas», contando com heterónimos, semi-heterónimos, personalidades literárias. Aos 6 anos já eras o Chevalier de Pas... Com esta brincadeira de seres muitos, libertaste o desassossego que habita em todos nós. E não me refiro só ao Livro do Desassossego de Bernardo Soares. Só este chegava, mas há tantos outros em que levantas reflexões díspares...
Sei que te tornaste um estrangeiro na sociedade que não te percebeu – e não te percebe – porque estavas e estás avançado na arte de fingir e observar o mundo. “Tabacaria”, lembras-te? Li, há alguns anos, um testemunho de uma jornalista francesa, no qual confessava que “Tabacaria” tinha sido o texto mais belo que lera. Não duvido. Toda a tua criação artística reflecte o teu interior em convulsão. O teu interior sente-se na exterioridade da tua escrita.
Leio a tua obra e constato que te inspiraste em ti mesmo. A inesgotabilidade da tua criação nasceu do modo como sentes e finges esse sentimento verdadeiro ou não. Por isso, melhor do que ninguém, transmitiste o estatuto de actor/espectador de ti próprio, aliás, característica de todos nós. Mas a nossa incapacidade de a perceber e de a alimentar limita-nos...
Vou-me calar, já chega. Acrescento só isto. Não conheço a totalidade da tua obra, nem nunca conhecerei, já que muitos textos dormem inéditos nas profundezas da arca em que os guardavas. Mas podes ter a certeza de que regresso sempre à tua escrita, após as leituras de outros autores, visto que o desassossego que desencadeias em nós, pobres leitores, permite a audição de vozes vindas do indizível, esse espaço só percorrido pela tua genialidade...
Ouve só mais isto (vou dizê-lo baixinho): o desassossego das tuas palavras aumenta a minha competência de leitura, ajuda-me, por isso, na compreensão de outros textos.
Obrigado, mestre...

Um abraço,
Carlos Manuel Serra

quinta-feira, setembro 23, 2010

Mário Silva Freire

CRÓNICAS DE EDUCAÇÃO – XV

Objectivo do milénio para a educação

A partir do passado dia 20, e durante três dias, mais de 140 chefes de Estado e de Governo participaram no debate da Assembleia Geral das Nações Unidas, sobre o Objectivo do milénio para o desenvolvimento. Este objectivo tem em vista, até 2015, em primeiro lugar, reduzir a metade a proporção da população que vive na fome e em pobreza extrema (com 1 dólar ou menos por dia) e, em segundo lugar, assegurar a educação primária para todos. Mais outras seis metas foram estabelecidas em 2000, por 189 países signatários, noutros sectores do desenvolvimento.
Tendo em consideração apenas o tema da educação, verifica-se que é na África subsaariana e na Ásia do Sul que se situam a grande maioria das crianças não escolarizadas. Uma nota de esperança é que o número de crianças em idade de escola primária continua a aumentar, mas o número de crianças não escolarizadas está a diminuir, passando de 106 milhões em 1999 a 69 milhões em 2008 (Relatório das Nações Unidas para 2010). Ora, perto de metade destas crianças (31 milhões) vivem na África subsaariana e mais de um quarto (18 milhões) na Ásia do Sul.
Para se alcançar o objectivo estabelecido para a educação, todas as crianças, tendo atingido a idade de serem escolarizadas, deveriam iniciar a sua escolaridade por volta de 2009. Acontece, contudo, que em metade dos países da África subsaariana em que foram disponibilizados dados, em 2008, um quarto das crianças em idade escolar ainda não tinha ido à escola.
Mas não pode haver educação se não houver professores. Acontece, porém, que o número de professores que seria necessário para se atingir o objectivo estabelecido para 2015 teria que ser o dobro daquele que actualmente existe. Apesar deste grande desafio que se coloca nesta região de África, a percentagem de escolarização nos últimos 10 anos subiu em cerca de 18%.
Não basta, contudo, proporcionar uma escolaridade básica às crianças. É preciso, também, que elas não abandonem a escola e o que se verifica é que elas, em cerca de 30%, a abandonam antes de chegarem ao último ano.
Perguntar-se-á: o que deveremos nós, como país desenvolvido, fazer para que o tal objectivo, de assegurar a educação primária às crianças em idade escolar, nestas regiões e, especialmente, nos países de língua oficial portuguesa, possa ser uma realidade?
Penso que há que prosseguir e, se possível incrementar, apesar da crise económica que estamos a viver, uma política de formação de educadores oriundos dessas regiões para que possam, nas suas terras, contribuir para um maior desenvolvimento dos seus países. Trata-se de uma questão de solidariedade e de justiça social a que estamos obrigados.
Mário Freire

Biblioteca Municipal de Portalegre

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quarta-feira, setembro 22, 2010

Jorge Luís Lourinho Mangerona

A cidade que já foi branca…

Nos últimos anos tenho dedicado alguns dias das minhas férias estivais a visitar alguns países que, até há pouco tempo, estavam interditos à maior parte dos ocidentais. Confesso que a escolha não tem sido inocente porque, para além da perspectiva de encontrar vestígios de um passado que, julgava eu, todos desejariam esquecer, me movia a secreta esperança de encontrar sociedades atrasadas que alimentassem o ego de um português todos os dias “bombardeado” com estatísticas desastrosas. Profundo engano que o regresso ao “cantinho” normalmente agudiza. Aliás este ano saí numa altura em que “vivíamos um dos melhores anos em termos de incêndios florestais” e regressei numa altura em que se registavam “os piores dos últimos cinco”. Esta evolução da realidade, que todos os dias nos surpreende e, o que é mais grave, que parece surpreender os nossos responsáveis políticos, é uma originalidade portuguesa entre muitas outras.
A verdade é que os países que tenho visitado, os tais que saíram da “cortina de ferro”, ou têm níveis de desenvolvimento muito semelhantes ao de Portugal ou, na maior parte dos casos, já nos ultrapassaram. Um factor determinante que justifica tal facto, tem a ver com a educação e o civismo. Não registei, por exemplo, os maus modos que por vezes roçam a falta de educação, como já registei quer em estabelecimentos comerciais, quer em instituições públicas, mesmo em Portalegre. Pelo contrário: para além de utilizarem o inglês, mostram-se solícitos e interessados em ajudar. Pelos vistos aprenderam depressa a máxima que ainda não chegou a todos os estabelecimentos de Portalegre: o cliente em primeiro lugar. Saliente-se ainda a recuperação e o respeito pelo património, facetas de um civismo que ainda não aprendemos (ou que “desaprendemos”?). Passe-se, por exemplo, pelos jardins da Corredoura ou do Tarro e veja-se o que aconteceu ao mobiliário urbano. A propósito conto-vos o que me aconteceu algum tempo após a conclusão das obras do Pólis. Independentemente das críticas que se podem fazer a algumas obras, há outras muito bem conseguidas. Considero que o arranjo que liga a Rua da Figueira à Rua Primeiro de Maio é uma obra emblemática e de muito bom gosto. É…ou era! Tendo recebido um amigo que não conhecia a cidade, propus-me mostrar-lhe alguns recantos e, nesse périplo, achei digna de visita tal obra. Foi a surpresa e uma vergonha. A sujidade, o desleixo e a destruição deixaram-me perplexo e envergonhado. Se é verdade que há aqui algum desleixo por parte dos responsáveis, há um vandalismo e uma falta de civismo totalmente incompreensíveis numa cidade de pequena dimensão. Costumo dizer a alguns amigos, muitos dos quais ficam escandalizados, que não conheço nenhuma cidade da dimensão de Portalegre, incluindo em Portugal, onde se verifique este vandalismo e falta de civismo…Não sei se há alguma explicação freudiana para este desamor, mas há certamente uma grande falta de educação. É claro que a esta razão básica mas fundamental, acrescem a falta de policiamento (dizem-me que há três polícias para toda a cidade durante a noite), a falta de manutenção, o esvaziamento do centro histórico e, já agora, uma grande falta de bairrismo mesmo por parte de alguns responsáveis (claro que “a carapuça só serve a quem a enfiar”).
E “assim vai o mundo” e Portalegre que, da cidade branca que já foi, passou a cinzenta…Veremos que tom ou cor o futuro nos reserva.
Jorge Luís Lourinho Mangerona

terça-feira, setembro 21, 2010

Jaime Crespo


Em re-post pois o prémio foi muito bem entregue. Gosto muito da escrita do Rui Cardoso Martins
Jaime Crespo
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Rui Cardoso Martins – a odisseia da expiação
Prémio romance e novela da Sociedade Portuguesa de Escritores

Ora cá temos o segundo romance de Rui Cardoso Martins, o qual constitui quer do ponto de vista meramente lúdico do leitor, quer ainda como objecto artístico passível de uma análise crítica mais exaustiva, pois ao adicionar-se ao seu primeiro romance, o gostoso "e se eu gostasse muito de morrer", fornece-nos já um naipe interessante das linhas de força e dos rumos estéticos que Rui Martins pretende trilhar.
Tenho assim matéria quanto baste, para uma análise, ainda que ligeira, sobre os passos formais, ideológicos e fundacionais da estética que nos é servida pelo Rui.
Neste novo livro, Rui Martins volta a brindar-nos com um muito original Ulisses que ao longo do dia vai percorrendo a sua Odisseia através de pequenas peripécias e muito sentido de humor.
Se no primeiro romance, essa Odisseia se vai desenvolvendo sob o pano de fundo que lhe dá o cenário e ambiência, através da cidade e sociedade de Portalegre, uma cidade exótica alto-alentejana, entre serra e planície, brindada por belos dias luminosos intercalados por outros cinzentos e chuvosos. Cidade de grandes contrastes: quentíssima de verão friíssima de inverno. Agora, neste seu "deixem passar o homem invisível", o cenário é transportado para a luminosa mas telúrica e tempestuosa Lisboa, apesar de tudo, cidade mediterrânica.
Mas se no primeiro romance temos um Ulisses que passeia a sua juventude pelo cinzentismo portalegrense, neste, Ulisses é um cego, apenas vê uma estreita linha de luz, de meia-idade que se move pela luminosidade e espertalhice lisboeta.
Definidas as normas formais, debrucemo-nos um pouco sobre a filiação escritural do autor. Apesar do apadrinhamento (no bom sentido) que foi concedido por Lobo Antunes, é mais com a escrita de Dinis Machado do "molero" e com Mário Zambujal "dos bons malandros" que eu identifico as influências e afinidades literárias da escrita de Rui Martins numa linha de escrita sempre prenhe de ironia e que vem de longa tradição na escrita portuguesa.
Toda esta parafernália de instrumentos formais vão, em minha opinião, permitir a que a criatividade do autor se revele e expanda através do que chamo "estética da expiação", nestas odisseias protagonizadas pelo Ulisses de Martins, o leitor fica sempre com a inquietação de que o Rui, através da sua escrita anda em busca da expiar algo que é ao fim e ao cabo a pena que qualquer humano paga pela sua existência.
Rui Cardoso Martins, deixa-me com água na boca para o que escreverá a seguir, pois nestes dois romances sentimos um escritor em crescimento a cada parágrafo. Como o autor é possuidor de uma tremenda fluidez de escrita e de um domínio técnico exuberante faz-nos cair, leitores, no engodo de pensarmos que estamos perante uma obra fácil e linear, coisa que está longe de acontecer ou está presente apenas como aparência, pois por detrás da aparente facilidade encontramos uma obra cheia de complexidades e surpresas, tal como complexas e surpreendentes são as nossas vidas.
Com estas duas obras, Rui Martins constrói um mosaico, tipo tabuleiro de xadrez com quadradinhos a preto e branco, obrigando-nos a descobrir a multiplicidade de possíveis jogadas.
Se no primeiro romance, Ulisses desenvolve e expia a sua existência caminhando do cinzento de Portalegre até se encerrar numa escura cova do cemitério da cidade, no novo romance, Ulisses perante a luminosidade de Lisboa é ironicamente cego e acompanhado por uma infeliz criança vai fazer o seu percurso através do esgoto da cidade até desembocar no lodaçal do Tejo. Diria que estará a expiar a ousadia anterior de ter desafiado o destino ao encerrar-se vivo num local destinado a guardar os mortos. Atenção que estou apenas a tratar de uma observação crítica à obra de Rui Martins, pois os romances são independentes bem como as personagens o são diversas, eu é que estou a coser linhas entre elas.
Tal como no primeiro romance, em que Ulisses se encerra na cova com uma mina na mão, também agora o final é apocalíptico, o Ulisses cego e o menino infeliz vão desembocar no lodo do Tejo mas após um novo terramoto em Lisboa e ali ficam abandonados à espera do tsunami que se adivinha.
Também aqui Rui Martins não concretiza o desfecho final preferindo deixá-lo em aberto à interpretação do leitor, como se todos tenhamos uma desgraça suspensa sobre as nossas cabeças mas esteja nas nossas mãos evitá-la, por isso, apesar de tudo e depois de percorrida a via-sacra o autor ainda nos deixa a réstia de esperança (a réstia de luz que o advogado cego ainda consegue ver?) de que a remição é possível e a salvação (ou ressureição?) inerente a ela.
Apesar de umas vidas desgraçadas, ainda assim, Rui Martins deixa-nos respirar um pouco a utopia esperançosa da salvação. Ou melhor, deixa o destino de cada um nas suas próprias mãos e meus senhores e minhas senhoras façam o favor de se servirem.
Jaime Crespo

segunda-feira, setembro 20, 2010

António Martinó de Azevedo Coutinho

Analisemos agora a questão do conteúdo, neste caso o “falar à preto”.
Apetece começar por uma espécie de caricatura, mais uma. Os sociólogos modernos chegaram a uma interessante conclusão, sobre a momentosa e clássica questão do impacto que podem ter as formas de cultura -e os modos de vida associados- sobre os ritmos e os sentidos da evolução biológica. Assim, já não seria a cultura uma função da raça, antes seria a raça uma função da cultura.
Vejamos uma consequência da aceitação desta teoria, quase caricatural em relação àquilo em que a humanidade piamente acreditou durante séculos: a linguagem, facto de cultura, teve um efeito de retrocesso sobre o biológico, na medida em que privilegiou, dentro da espécie humana, os indivíduos mais aptos a utilizá-la, em detrimento dos outros.
O facto de os negros de Tintin no Congo não dominarem as normas cultas da linguagem significou, portanto, um constrangimento que lhes bloqueou o acesso à promoção social. E isto, tal como a fragilidade da via férrea que provocou o tal descarrilamento, representa a falência absoluta das compromissos técnicos e educacionais dos colonizadores belgas.

É também óbvio que, embora só a frequência escolar regular possibilite ao falante o domínio das formas cultas da linguagem, o seu desconhecimento não impede o diálogo, daqui resultando que Tintin e os outros brancos compreenderam sempre as situações de comunicação estabelecidas om os negros, e vice-versa.
Assim, o que sobretudo se revela através da fala de um indivíduo é um índice do seu status social. As variações linguísticas manifestadas num diálogo revelam, normalmente, as relações que unem os interlocutores.
Também este fenómeno foi apreendido e patenteado na obra de Hergé.

Senão, o que explicaria o facto, aparentemente contraditório, de ele, em 1946, ter reduzido qualitativamente os níveis do discurso dos líderes negros (chefes locais, reis, feiticeiros, etc.), que na versão original eram superiores aos da população comum?
Todos os discursos foram depois, na prática, nivelados por baixo...
Com efeito, o diversificado discurso linguístico usado na versão de 1930 produzia uma dupla discriminação, primeiro entre os colonizadores e os colonizados, depois no seio destes próprios.

A aceitação deste fenómeno semiótico ajuda também a entender a razão pela qual os animais falantes -macacos, leopardos e rinoceronte (Milou é um caso à parte!)- usam códigos de fala perfeitos... ou quase, num flagrante e “chocante” contraste com a generalidade dos humanos negros. É que, para com o mundo animal, Hergé empregou um outro sistema na marcação das respectivas hierarquias, o da adjectivação: a aranha é azarenta, o papagaio é estúpido, o leão não é tão terrível como parece, o leopardo é horrível, o búfalo é perigoso, etc.
Ficamos, pois, reduzidos à questão fundamental, isto é, avaliar se “falar à preto” significará uma intencional demonstração da inferioridade racial. Se assim for, Hergé empregou um símbolo racista...
É minha profunda convicção que, para além do que ficou atrás exposto, Hergé procurou assinalar, de forma inequívoca, as naturais -e reais- dificuldades linguísticas dos congoleses, perante o idioma francês dos colonizadores belgas. Aquilo que, de essencial, os especialistas costumam assinalar sobre o dialecto social popular pode notar-se na relativa iletracia dos discursos dos negros: uma economia das marcas gramaticais no género, número e pessoa, uma nítida redução das pessoas verbais assim como dos tempos dessas conjugações, um maior emprego da voz activa sobre a voz passiva e, finalmente, a utilização dos pronomes pessoais como objectos. Exemplos claros de todos estes “atropelos” linguísticos podem ser encontrados nos balões de Tintin no Congo, sem que tal signifique, necessariamente, o uso deliberado de conotações racistas por parte do autor.
Aliás, para reforçar esta lógica, basta analisar as falas de outras personagens, também desprovidas do rigoroso domínio da linguagem francófona, para aí observar um mesmo tratamento. É o que se passa, por exemplo, com figuras simpáticas como o pequeno Zorrino (O Templo do Sol) ou o sherpa Tharkey (Tintin no Tibete), que se exprimem com deficiências. Tal como acontece com o próprio capitão Haddock, quando, no Tibete, tenta falar inglês, idioma que não domina...
O caso mais exemplar da carência de intenções raciais por parte de Hergé pode encontrar-se no álbum Carvão no Porão (Coke en Stock), álbum de 1958, portanto quase trinta anos após o Congo. Os críticos de Hergé, impossibilitados de o acusar, aí, de racismo, preferiram censurá-lo mais uma vez pelo facto de colocar os negros a “falar à preto”, num diálogo com Haddock...

O desenhador, numa revisão da obra datada de 1967, “emendou” essas falas, nitidamente a contra-gosto, pela ausência prévia de qualquer intenção discriminatória. Aliás, deixou este desconfortável sentimento bem patente num ácido remoque do capitão...
Recordemos outro trecho das declarações de Hergé, numa das suas entrevistas a Numa Sadoul: “- Criticaram-me por colocar os meus Negros a “falar à preto”, e o que significava isso? Que eu era obviamente um miserável racista! Na nova versão do álbum (Carvão no Porão), fi-los exprimirem-se como nos romances traduzidos do americano. É mais directo e certamente também mais justo. Eles não dizem mais: “Sinhô, nós estamos”, mas “Senhor, nós somos”... Não é verdade que o estilo “Banania é bom, é” soa bastante a convencional e pode dar a impressão de que os Negros falam como Negros?... Quanto ao resto, os meus Negros não são nem ridicularizados nem violentados ou, se o forem, não o serão mais do que os Brancos, ou os Amarelos, ou os Vermelhos que coloquei em cena. As minhas personagens são caricaturas, não o esqueçamos! Dito isto, os meus Negros são aqui oprimidos e Tintin toma a sua defesa, porque Tintin é, desde sempre, contra a opressão.”
O racismo é odioso e abominável. A luta contra todas as suas formas, em particular contra as mais insidiosas, como as culturais, é uma obrigação de todos os seres humanos bem formados. Porém, ressuscitar a tal propósito alguns obsoletos fantasmas do passado -ou inventá-los!- constitui uma banal e oca manobra de diversão.
É o que se passa com a actual denúncia de Tintin no Congo, pouco inteligente, desprovida de coerência, talvez subordinada -quem o sabe?- a inconfessáveis desígnios.
Humor negro!? Talvez...
António Martinó de Azevedo Coutinho