Jaime Crespo
Rui Cardoso Martins, deixa-me com água na boca para o que escreverá a seguir, pois nestes dois romances sentimos um escritor em crescimento a cada parágrafo. Como o autor é possuidor de uma tremenda fluidez de escrita e de um domínio técnico exuberante faz-nos cair, leitores, no engodo de pensarmos que estamos perante uma obra fácil e linear, coisa que está longe de acontecer ou está presente apenas como aparência, pois por detrás da aparente facilidade encontramos uma obra cheia de complexidades e surpresas, tal como complexas e surpreendentes são as nossas vidas.
Com estas duas obras, Rui Martins constrói um mosaico, tipo tabuleiro de xadrez com quadradinhos a preto e branco, obrigando-nos a descobrir a multiplicidade de possíveis jogadas.
Se no primeiro romance, Ulisses desenvolve e expia a sua existência caminhando do cinzento de Portalegre até se encerrar numa escura cova do cemitério da cidade, no novo romance, Ulisses perante a luminosidade de Lisboa é ironicamente cego e acompanhado por uma infeliz criança vai fazer o seu percurso através do esgoto da cidade até desembocar no lodaçal do Tejo. Diria que estará a expiar a ousadia anterior de ter desafiado o destino ao encerrar-se vivo num local destinado a guardar os mortos. Atenção que estou apenas a tratar de uma observação crítica à obra de Rui Martins, pois os romances são independentes bem como as personagens o são diversas, eu é que estou a coser linhas entre elas.
Tal como no primeiro romance, em que Ulisses se encerra na cova com uma mina na mão, também agora o final é apocalíptico, o Ulisses cego e o menino infeliz vão desembocar no lodo do Tejo mas após um novo terramoto em Lisboa e ali ficam abandonados à espera do tsunami que se adivinha.
Também aqui Rui Martins não concretiza o desfecho final preferindo deixá-lo em aberto à interpretação do leitor, como se todos tenhamos uma desgraça suspensa sobre as nossas cabeças mas esteja nas nossas mãos evitá-la, por isso, apesar de tudo e depois de percorrida a via-sacra o autor ainda nos deixa a réstia de esperança (a réstia de luz que o advogado cego ainda consegue ver?) de que a remição é possível e a salvação (ou ressurreição?) inerente a ela. Apesar de umas vidas desgraçadas, ainda assim, Rui Martins deixa-nos respirar um pouco a utopia esperançosa da salvação. Ou melhor, deixa o destino de cada um nas suas próprias mãos e meus senhores e minhas senhoras façam o favor de se servirem.
Ora cá temos o segundo romance de Rui Cardoso Martins, o qual constitui quer do ponto de vista meramente lúdico do leitor, quer ainda como objecto artístico passível de uma análise crítica mais exaustiva, pois ao adicionar-se ao seu primeiro romance, o gostoso “e se eu gostasse muito de morrer”, fornece-nos já um naipe interessante das linhas de força e dos rumos estéticos que Rui Martins pretende trilhar.Com estas duas obras, Rui Martins constrói um mosaico, tipo tabuleiro de xadrez com quadradinhos a preto e branco, obrigando-nos a descobrir a multiplicidade de possíveis jogadas.
Se no primeiro romance, Ulisses desenvolve e expia a sua existência caminhando do cinzento de Portalegre até se encerrar numa escura cova do cemitério da cidade, no novo romance, Ulisses perante a luminosidade de Lisboa é ironicamente cego e acompanhado por uma infeliz criança vai fazer o seu percurso através do esgoto da cidade até desembocar no lodaçal do Tejo. Diria que estará a expiar a ousadia anterior de ter desafiado o destino ao encerrar-se vivo num local destinado a guardar os mortos. Atenção que estou apenas a tratar de uma observação crítica à obra de Rui Martins, pois os romances são independentes bem como as personagens o são diversas, eu é que estou a coser linhas entre elas.
Tal como no primeiro romance, em que Ulisses se encerra na cova com uma mina na mão, também agora o final é apocalíptico, o Ulisses cego e o menino infeliz vão desembocar no lodo do Tejo mas após um novo terramoto em Lisboa e ali ficam abandonados à espera do tsunami que se adivinha.
Também aqui Rui Martins não concretiza o desfecho final preferindo deixá-lo em aberto à interpretação do leitor, como se todos tenhamos uma desgraça suspensa sobre as nossas cabeças mas esteja nas nossas mãos evitá-la, por isso, apesar de tudo e depois de percorrida a via-sacra o autor ainda nos deixa a réstia de esperança (a réstia de luz que o advogado cego ainda consegue ver?) de que a remição é possível e a salvação (ou ressurreição?) inerente a ela. Apesar de umas vidas desgraçadas, ainda assim, Rui Martins deixa-nos respirar um pouco a utopia esperançosa da salvação. Ou melhor, deixa o destino de cada um nas suas próprias mãos e meus senhores e minhas senhoras façam o favor de se servirem.
Jaime Crespo
Tenho assim matéria quanto baste, para uma análise, ainda que ligeira, sobre os passos formais, ideológicos e fundacionais da estética que nos é servida pelo Rui.
Neste novo livro, Rui Martins volta a brindar-nos com um muito original Ulisses que ao longo do dia vai percorrendo a sua Odisseia através de pequenas peripécias e muito sentido de humor.
Se no primeiro romance, essa Odisseia se vai desenvolvendo sob o pano de fundo que lhe dá o cenário e ambiência, através da cidade e sociedade de Portalegre, uma cidade exótica alto-alentejana, entre serra e planície, brindada por belos dias luminosos intercalados por outros cinzentos e chuvosos. Cidade de grandes contrastes: quentíssima de verão friíssima de inverno. Agora, neste seu “deixem passar o homem invisível”, o cenário é transportado para a luminosa mas telúrica e tempestuosa Lisboa, apesar de tudo, cidade mediterrânica.
Mas se no primeiro romance temos um Ulisses que passeia a sua juventude pelo cinzentismo portalegrense, neste, Ulisses é um cego, apenas vê uma estreita linha de luz, de meia-idade que se move pela luminosidade e espertalhice lisboeta.
Definidas as normas formais, debrucemo-nos um pouco sobre a filiação escritural do autor. Apesar do apadrinhamento (no bom sentido) que foi concedido por Lobo Antunes, é mais com a escrita de Dinis Machado do “molero” e com Mário Zambujal “dos bons malandros” que eu identifico as influências e afinidades literárias da escrita de Rui Martins numa linha de escrita sempre prenhe de ironia e que vem de longa tradição na escrita portuguesa.
Toda esta parafernália de instrumentos formais vão, em minha opinião, permitir a que a criatividade do autor se revele e expanda através do que chamo “estética da expiação”, nestas odisseias protagonizadas pelo Ulisses de Martins, o leitor fica sempre com a inquietação de que o Rui, através da sua escrita anda em busca da expiar algo que é ao fim e ao cabo a pena que qualquer humano paga pela sua existência.
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