\ A VOZ PORTALEGRENSE: outubro 2006

terça-feira, outubro 31, 2006

Aniversário de Pai Américo

A 23 de Outubro de 1887 nasceu Pai Américo. Esta data não pode deixar de nos trazer à memória a «epopeia» que foi a sua vida. O que sonhou e realizou, como missão recebida do Alto, no mundo dos homens do seu tempo e que constitui, para nós, uma interpelação permanente.
A missão recebida da boca do seu Bispo, de então: «Mandaram-me tratar dos Pobres... Foi o que eu quis ouvir, era do que eu gostava...» Tornava-se, assim, acerto perfeito entre vocação e missão. Um exercício vivido sempre em perfeita sintonia com a Igreja-Mãe: «Nós somos dos Bispos», expressão sua que configurava esta preocupação de ligação e de afecto sacerdotal e que lhe mereceu admiração e apoio da Hierarquia. Basta recordar o apoio firme de D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, e o carinho do Cardeal Cerejeira que constituíram, nessa altura, um sinal de aprovação eloquente.
Esta preocupação, de não dar um passo sem que sentisse os pés no regaço da Igreja, foi constante. Por isso, a Igreja sempre aceitou, com generosa simpatia e júbilo, o timbre do seu testemunho, descobrindo na acção deste Sacerdote, o reflexo do seu próprio rosto, o rosto da Caridade, expressão do Amor de Deus.
Mas foi principalmente a Igreja do Povo de Deus, que no quotidiano vive e testemunha a sua fé, quem melhor intuiu a acção de Deus na acção sacerdotal de Pai Américo junto dos Pobres, trazendo estes para o Altar e do Altar para a vida. Intuição que perdura, ainda, nos nossos dias em muitos sinais de apoio e fraterna partilha para com a Obra da Rua.
Ser fiel ao testemunho de Pai Américo no seio da Igreja-Mãe e no nosso mundo tão cheio de carências decorrentes de novas pobrezas que se vão aninhando e minam o tecido social; saber olhar o nosso mundo e os Pobres a quem somos enviados, hoje, em contextos tão diferentes do seu tempo, é um desafio grandioso. Basta recordar que muitos rapazes para os quais nos pedem acolhimento, já não trazem consigo qualquer referência parental consistente.
Uma fidelidade criativa, operante, não confinada ao «já adquirido», mas que se abra a novos horizontes e outras aportações de qualidade educativa, sem macular aquilo que é nuclear: a educação em ambiente de família, na qual os Rapazes como tal crescem numa interdependência saudável e construtiva, seguindo a matriz do Fundador: «Obra de Rapazes, para Rapazes, pêlos Rapazes», mas onde o elemento adulto, educador significativo, se possa compaginar com perfeição, não como um concorrente mas um complemento educativo de qualidade. Abertura ao voluntariado de qualidade e inteligência e de coração. Situam-se nesta linha criativa os Conselhos Pedagógicos actuais das Casas do Gaiato.
Fidelidade àquela intuição que encheu de sentido a vida de Pai Américo como educador cristão e nesta frase magistralmente resumiu: «A alma vale mais do que o corpo... por ela sangrem os Padres até ao fim...»
Neste aniversário, meditando na sua vida, agora definitivamente «escondida com Cristo em Deus», olhamos as nossas Casas do Gaiato, por cá e por terras de África, com alguma apreensão, por falta de obreiros. Sacerdotes, Senhoras, Voluntários; gente que entre, «mergulhe» e transforme aquilo que porventura pareça menos próprio. Um movimento transformante a partir da entrega humilde e generosa. Que saibamos aceitar a novidade e a crítica. Também elas são construtivas e fazem andar. Sobretudo, saibamos com sabedoria «pôr Deus no seu lugar», pensamento tão querido de Pai Américo quando fazia entender que aObra não era dele, mas de Deus. Que sejamos apenas executores de um projecto educativo que tem a marca da transcendência; do qual nãosomos donos, mas Deus somente.
Padre João
in, O Gaiato, 28/10/2006

Tarequices

FREEDOMTOCOPY

NEM TODOS TEMOS DISPOSIÇÃO PARA SER ENGANADOS. QUANDO COMPRAMOS UM LIVRO, DEVEMOS EXIGIR QUE ELE SEJA AUTÊNTICO.
QUANDO NÃO É ESTAMOS PERANTE O QUÊ?
AQUI FICA O PROTESTO. POR UMA QUESTÃO DE HIGIENE!

Friday, October 20, 2006
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ESTRANHA FORMA DE ESCRITA
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"Luís Bernardo Valença, instalado confortavelmente num assento de uma carruagem de 1ª Classe, recosta-se e observa a paisagem alentejana ao mesmo tempo que vai rememorando as circunstâncias desta sua inesperada viagem. Estava em Lisboa e foi chamado a Vila Viçosa, ao palácio real, onde será convidado a assumir uma função absolutamente inesperada: a de Governador de S. Tomé."
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"Louis Francis Mountbatten, instalado confortavelmente no assento de um automóvel, recosta-se e observa a paisagem londrina ao mesmo tempo que vai rememorando as circunstâncias desta sua inesperada viagem. Estava em Zurique e foi chamado a Downing Street, residência do Primeiro-Ministro, onde será convidado a assumir uma função absolutamente inesperada: a de último Vice-Rei da Índia.
Ambos são jovens bem parecidos com ambições e consideram absurdas as propostas que lhes são apresentadas."
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Assim se iniciam os livros «Equador», de Miguel Sousa Tavares, e «Fredom at Midnight», de Dominique Lapierre e Larry Collins. Sousa Tavares, na bibliografia publicada nas últimas páginas notifica a consulta de Lapierre, Dominique e Collins, Larry – «Cette nuit la liberté», Éditions Robert Laffont, Paris 1975.
As parecenças poderiam ficar por aqui. Mas não ficam. Quem lê a forma como os livros se desenvolvem nota a olho nu variadíssimos pontos comuns. Não só de construção como até de linguagem.
Uma observação mais atenta dá-nos conta de que há parágrafos inteiros que foram pura e simplesmente traduzidos, quase ao pormenor. Outros tiveram uns pequeninos toques: ligeiras alterações de nomes ou de números.
Assim se constituem as fraudes. «Equador» foi um caso raro de marketing e de vendas. O que teriam a dizer sobre isso os pobres Lapierre e Collins.
Considerámos a hipótese de fazer aqui, para os menos entendidos na língua inglesa, a tradução dos parágrafos originais. Seria tempo perdido: a tradução de Sousa Tavares é suficientemente razoável.
Cada um de nós poderá verificar tranquilamente, pelos seus próprios olhos, as indiscutíveis semelhanças entre os dois livros. E ler, no original, o que o autor de «Equador» fez passar por seu, sem pudor.
Imperdoável.Nas páginas de onde saíram estes nacos de prosa, outros há que poderiam merecer aqui menção honrosa. Mas isso seria tirar o prazer de quem pode, a partir de agora, lançar-se na «corrida à cópia», descobrindo a seu bel-prazer mais algumas pérolas da exploração de trabalho alheio.
Na bibliografia adjacente à 1ª Edição de «Equador», Sousa Tavares apresenta 29 livros consultados.
Esfregamos as mãos de contentamento: se em apenas um livro conseguiu retirar tudo o que aqui se publica, imagine-se o que iremos encontrar nos restantes 28... A busca vai começar!
Orgulhosamente, Sousa Tavares disse um dia: «Eu pus o país a ler!» E pôs. Nunca tantos portugueses terão lido os pobres Lapierre e Collins.
BOM APETITE!
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« (...) Sir Buphinder Sing, O Magnífico, sétimo marajá de Patiala, não era o mais rico, mas era seguramente o mais imponente dos príncipes indianos, com o seu metro e noventa de altura e os seus cento e quarenta quilos de peso. Todos os dias, despachava vinte quilos de comida, incluindo três frangos com o chá das cinco, e três mulheres do seu harém, depois do jantar. Para satisfazer as suas duas principais paixões – o pólo e as mulheres – o seu palácio abrigava quinhentos puro-sangues ingleses e trezentas e cinquenta concubinas, servidas por um exército de perfumadores e esteticistas, destinado a mantê-las sempre apetecíveis para o apetite voraz de Sir Buphinder. Tinha também o seu corpo privado (sic) de especialistas em afrodisíacos, de modo a mantê-lo capaz de dar conta de tão ingente tarefa. Com o avançar dos anos, tudo foi sendo experimentado na dieta alimentar do marajá, para melhor estimular o seu apetite sexual: concentrados de ouro, prata e especiarias, miolos de macaco decapitado em vida e até rádio. Finalmente, Sua Exaltada Excelência haveria de morrer, prostrado à mais incurável das doenças: o tédio» (...).
Miguel Sousa Tavares, «Equador», págs. 245 e 246, 1ª Edição, 2003
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« (…) The acknowledged master of his generation in both fields was the Sikh Sir Bhupinder Singh, the Magnificent, the seventh Maharaja of Patiala (...). With his six-foot-four-inch frame, his 300 pounds (…). His appetite was such that he could consume twenty pounds of food in the course of a strenuous day or a couple of chickens as a tea-time snack. (…) To sustain those efforts, his stables harboured 500 of the world’s finest polo ponies. (…) As he came to maturity his devotion to his harem eventually surpassed even his passions for polo and hunting. (…) By the time the institution reached its fullest fruition, it contained 350 ladies. (…) Sir Buphinder opened his harem doors to a parade of perfumers, jewelers, hairdressers, beauticians and dressmakers. (…) Further to stimulate his princely ardours, he converted one wing of the harem into a laboratory whose test tubes and vials produced an exotic blend of scents, cosmetics, lotions and philters. (…) Recourse to aphrodisiacs was inevitable. His Indian doctors worked up a number of savoury concoctions based on gold, pearls, spices, silver, herbs and iron. For a while, their most efficacious potion was based on a mixture of shredded carrots and the crushed brains of a sparrow. When its benefits began to wane, Sir Bhupinder called in a group of French technicians whom he naturally assumed would enjoy special expertise in the matter. Alas, even the effects of their treatment based on radium proved ephemeral (…). His was a malady that plagued not a few of his surfeited fellow rulers. It was boredom. He died of it» (…).
Dominique Lapierre e Larry Collins, «Freedom at Midnight», págs. 175 e 176. 2ª Edição, 2002
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«Quanto ao marajá de Gwalior, esse, imaginou a mais curta e mais extraordinária das linhas férreas de toda a Índia: era um comboio miniatura, também com os carris em prata maciça, que tinha origem na copa do palácio e penetrava na sala de jantar, através da parede. Aí, sentado em frente a um comando cheio de botões, o próprio anfitrião fazia o comboio correr ao longo da extensa mesa, apitando e acendendo luzes e fazendo-o parar diante de cada convidado para que este se servisse do vagão-whisky, do vagão-Porto, do vagão-Madeira ou do vagão-tabaco».
Miguel Sousa Tavares, «Equador», pág. 247, 1ª Edição, 2003
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«The passion of the Maharaja of Gwalior (...) was electric trains. (…) It was laid out over 250 feet of solid silver rails set on a mammoth iron table at the centre of the palace banquet hall. (…) By manipulating his control panel, the prince could pass the vegetables, send the potatoes shuttling through the banquet hall, or order an express to the kitchens for a second helping for a hungry guest».
Dominique Lapierre e Larry Collins, «Freedom at Midnight», pág. 171. 2ª Edição, 2002
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« (...) Também o marajá de Mysore vivia obcecado com as suas capacidades erectivas: a lenda prescrevia que o segredo do seu poder e prestígio entre os súbditos era a qualidade da ercção do seu príncipe, e, assim, uma vez por ano, durante as festas do Principado, o marajá exibia-se ao seu povo, sobre o dorso de um elefante e em pleno estado de erecção. Para isso também ele recorria a todo o tipo de afrodisíacos que os especialistas de ocasião pudessem recomendar. A sua ruína aconteceu quando fez fé num charlatão que lhe garantiu que o melor remédio para uma erecção sempre pronta era pó de diamante: Sua Majestade Elevadíssima arruinou o tesouro real a engolir chás de diamante em benefício do seu ceptro erguido. (...)»
Miguel Sousa Tavares, «Equador», pág. 246, 1ª Edição, 2003
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« (...) Until the turn of the century it had been the custom of the Maharaja of Patiala to appear once a year before his subjects naked except for that diamond breastplate, his organ in full and glorious erection. (…) As at the Maharaja walked about, his subjects gleefully applauded, their cheers acknowledging both the dimensions of the princely organ and the fact that it was supposed to be radiating magic powers… (…).
An early Maharaja of Mysore was informed by a Chinese sage that the most efficacious aphrodisiacs in the world were made of crushed diamonds. That unfortunate discovery led to the rapid impoverishment of the state treasury as hundreds of precious stones were ground to dust in the princely mills. (…)»
Dominique Lapierre e Larry Collins, «Freedom at Midnight», pág. 168. 2ª Edição, 2003
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« (...) O marajá de Gwalior, esse, era antes um obcecado pela caça: matou o seu primeiro tigre aos 8 anos e nunca mais parou – aos 40 tinha morto mil e quatrocentos tigres, cujas peles revestiam por inteiro todas as divisões do seu palácio. (...)»
Miguel Sousa Tavares, «Equador», pág. 246, 1ª Edição, 2003
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« (...) Bharatpur bagged his first tiger at eight. By the time he was 35, the skins of the tigers he’d killed, stitched together, provided the reception rooms of his palace with what amounted to wall to wall carpeting. (…) The Maharaja of Gwalior killed over 1400 tigers in his lifetime… (…)».
Dominique Lapierre e Larry Collins, «Freedom at Midnight», pág. 174. 2ª Edição, 2003
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ESFARRAPADO
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Eis o texto recentemente publicado no Correio da Manhã.

«O anonimato da blogoesfera continua a fazer vítimas e a mais recente é o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares, autor de um fenómeno de vendas que dá pelo nome de ‘Equador’ (ed. Oficina do Livro). E ‘Equador’ é precisamente o livro na origem da acusação de plágio que surgiu esta semana na internet em
Em ‘Estranha Forma de Escrita’, título do texto que não poupa nem o livro nem o seu autor, lê-se em jeito de nota introdutória: “Nem todos temos disposição para ser enganados. Quando compramos um livro, devemos exigir que ele seja autêntico. Quando não é estamos perante o quê? Aqui fica o protesto. Por uma questão de higiene!”
O texto que se segue compara ‘Equador’, de Miguel Sousa Tavares, com ‘Freedom at Midnight’ da dupla Dominique Lapierre e Larry Collins, concluindo que “há parágrafos inteiros que foram pura e simplesmente traduzidos”.
Ao CM Miguel Sousa Tavares disse não ter conhecimento do caso, o que não obsta a que se sinta magoado com as acusações que descarta tranquilo, mas magoado... “Não ia plagiar um livro que é um ‘best-seller’ mundial e é no mínimo estranho que os tradutores não tenham dado pelo plágio. Se fosse para plagiar não escrevia. Há frases que foram escritas mil vezes na história da literatura, mas tenho o meu próprio estilo. Inimitável”, disse.
Sousa Tavares sucede a Prado Coelho acusado de plagiar o escritor João Ubaldo Ribeiro. Por debater fica agora questão maior: a da imunidade virtual.»

1. A questão maior não é, apesar da opinião do jornalista, o da imunidade virtual. Essa questão tem barbas e meio país já foi insultado através da blogosfera. Na sua maioria, os bloggers escrevem sob pseudónimo desde sempre. E muitos deles são jornalistas, que escrevem com outros nomes o que não têm coragem para escrever nos jornais nos quais trabalham.

2. Sousa Tavares está «magoado». Com quê? Com quem? Ao contrário do que ele costuma fazer, os autores deste blog não o insultam. Revelam factos. Ele que desminta esses factos. Os livros estão aí, editados, para serem lidos.

3. Os tradutores não deram por ela?!!! Que tradutores? Naturalmente aqueles que traduziram o original inglês ou francês para português...

4. «Inimitável», diz Sousa Tavares do seu estilo de escrita. Tem razão. Ninguém o imita. Ele é que imitou Lapierre e Collins.

posted by lapierre & collins at 10:46 AM

segunda-feira, outubro 30, 2006

She


Caro Mendo
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Todas Elas, que ambos sabemos serem Amigas do Ilustre Paulo Cunha Porto, são Vossas…, excepto Uma!
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Um dia destes, tratarei com o Marinheiro do assunto.

Cordiais Saudações.
Mário

domingo, outubro 29, 2006

"O Mercenário" - Vicente Segrelles

Com atraso, li o post (Friday, October 27, 2006) em que o Ilustre Paulo Cunha Porto convida os seus Amigos, entre os quais temos a Honra de estar, a escolher uma personagem de Banda Desenhada, de qualquer país, de que gostasse de se disfarçar.
Respondendo a tão importante Convite, escolhemos a que editados.
Bem-Haja Paulo, pela Amizade.
Mário

A Amizade

Subject: Fwd: FW: Fernando Pessoa sempre!

>> Fernando Pessoa sempre
>>
>> Um dia...
>>
>> Um dia a maioria de nós irá separar-se.
>> Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas
>> fora,
>> das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
>> dos tantos risos e momentos que partilhamos.
>> Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia,
>> das
>> vésperas dos
>> finais de semana, dos finais de ano, enfim... do
>> companheirismo
>> vivido.
>>
>> Sempre pensei que as amizades continuassem para
>> sempre.
>> Hoje não tenho mais tanta certeza
>> disso.
>> Em breve cada um vai para seu lado, seja
>> pelo destino ou por algum
>> desentendimento, segue a sua vida.
>> Talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nas
>> cartas
>> que trocaremos.
>>
>> Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
>> Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este
>> contacto
>> se tornar cada vez mais raro.
>> Vamo-nos perder no tempo...
>> Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias
>> e
>> perguntarão:
>> "Quem são aquelas pessoas?"
>> Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer
>> tanto!
>> -"Foram meus
>> amigos, foi com eles que vivi tantos bons anos da
>> minha vida!"
>>
>> A saudade vai apertar bem dentro do peito.
>> Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes
>> novamente...
>> Quando o nosso grupo estiver
>> incompleto...
>> reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo.
>>
>> E, entre lágrima abraçar-nos-emos.
>> Então faremos promessas de nos encontrar mais vezes
>> daquele dia em diante.
>> Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar
>> a viver a vida,
>> isolada do passado.
>>
>> E perder-nos-emos no tempo...
>> Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo:
>> não
>> deixes que a vida
>> passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a
>> causa de
>> grandes
>> tempestades...
>>
>> Eu poderia suportar, embora não sem dor, que
>> tivessem
>> morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se
>> morressem
>> todos os
>> meus amigos!"
>>
>> Fernando Pessoa
§
Durante uma década vivemos em Viseu. Lá criámos Amizades, que na despedida nos mostraram que o que nos deixa Saudade é doloroso.
Outra década passou, mas a ligação com aqueles a quem chamávamos Amigos permaneceu. Se o espaço e o tempo da separação será cada vez maior, menor é a aquela sensação de vazio que então se criou em nós.
Prova disso, é a relação que continuamos a manter com todos Eles, do Martim de Gouveia e Sousa ao Georgino Rebello Marques, do António Ayres de Mattos ao José António Fernandes Jorge, por exemplo. E outros que a Memória não esqueceu.
Desta vez é o Georgino que nos envia este mail, entre tantos que com uma frequência fantástica trocamos entre todos.
Fala da Amizade, esse Bem mais precisos que o ouro, pela palavra de um Mestre da nossa Língua.
MM

sábado, outubro 28, 2006

Honra e Glória

OS CAMPEÕES LATINOS DE 1950
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MoreiraFélixFernandesContreira (suplente) – José da CostaJacinto (cap.) – BastosCoronaArsénioJúlioRogérioRosário – No primeiro desafio, jogou Pascoal a extremo esquerdo.
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Fotografia Nacional, LDA. – Lisboa
15.000 Ex. – 1950
Edição de «O MUNDO DE AVENTURAS»
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A poucas horas de um jogo importante, mas de maneira alguma decisivo para a época futebolística que decorre, editamos este Documento, que simbolicamente oferecemos a todos os Benfiquistas!
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VIVA O BENFICA!
MM

Feira de Velharias

Hoje, último sábado do mês, foi um dia em a relação sempre “dramática” preço/qualidade esteve equilibrada…
Encontravam-se coisas interessantes, como será exemplo este opúsculo de sete páginas.
Também estava presente um conjunto de posters, cujo valor dependeria da área de interesse do comprador.
Os de maior significado pessoal, eram dois que têm a ver com a História do meu Querido Grupo Desportivo Portalegrense!
Outro, também de grande valor simbólico, está acima editado. [mj]

Desabafos

A comunicação social fez-se eco da ocupação do Teatro Municipal Rivoli, na cidade do Porto, iniciada a 15 e prolongada até 18 de Outubro passados.
Os okupas encontraram nesta acção insurreccional a maneira de se ouvirem num processo contrário à decisão da Câmara Municipal, que consiste na entrega a uma entidade privada da administração daquele espaço cultural, por concurso público.
Esta modalidade de gestão obrigará o Teatro a ser economicamente rentável, o que lhes desagrada. É que ao longo dos anos têm usufruído da famigerada subsidiodependência.
Autêntico cancro cultural, a subsidiodependência tem privilegiado uma minoria auto-proclamada intelectual, e que com a conivência de uma imprensa politicamente correcta tem chantageado os poderes públicos, a fim de obter subsídios para, a seu belo prazer, gastar em actos ditos culturais que não conseguem captar um número mínimo de público que lhe permita ser auto-suficiente financeiramente. Mas, isso não a preocupa, como é exemplo o fracasso de bilheteira que foi a exibição no Teatro Nacional de S. João, também no Porto, da peça racista “Negros” de Jean Genet.
O atribuição do subsídio a que a Cultura tem indiscutivelmente direito, e que os agentes políticos nacionais ou autárquicos têm a obrigação de contemplar nos seus orçamentos anuais, tem que ter criteriosamente estudado e analisado. Todavia, principalmente nas Autarquias não é assim que acontece, onde critérios de natureza pessoal ou política são dominantes na distribuição do subsídio, e onde no final, os contemplados mal ou nenhuma conta dele dão.
Que alternativa, então, à subsidiodependência?
O Mecenato Cultural.
Mas, o problema é que aí há que mostrar o que se vale.
Pois é!
MCNM
in, Rádio Portalegre, Desabafos, 27/10/06

Henrique Barrilaro Ruas na BN

Ao longo da Semana editámos um conjunto de Textos trazidos de obras de Henrique Barrilaro Ruas.
A escolha desses Textos foi premeditada. Obedeceu a um princípio, que foi recordar a linha mestra que conduziu as mais de oito décadas que viveu Barrilaro Ruas.
A sua Fé Cristã vivida e transmitida à Família, o Amor e Fervor à Monarquia representados no seu Pensamento e Acção, a Paixão por Luís de Camões e a Fé no Beato de Santa Maria, estes dois fervorosamente vividos nos últimos momentos da Sua Vida Terrena, estão imanentes às palavras que trouxemos.
Neste momento, queremos deixar uma Saudação a Manuel Azinhal, Martim de Gouveia e Sousa, Mendo Ramires, Miguel Castelo Branco e Paulo Cunha Porto, que, de formas diferentes, quiseram lembrar Henrique Barrilaro Ruas na semana em que abriu ao Público na Biblioteca Nacional a Mostra Documental que Lhe é dedicada.
MM

sexta-feira, outubro 27, 2006

Henrique Barrilaro Ruas - Antologia


GALAAZ ?
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D. Nuno tem 16 anos. O pai veio à Corte e chamou-o de parte.
- «Nuno, tu, embora sejas moço, parece-me que é bem e serviço de Deus e tua honra que venhas a casar. E como há entre Douro e Minho uma mui nobre dona, nova e de muitas virtudes, é minha vontade, se isso agradar a Deus que cases com ela. E agora quero que me digas o que te parece disto».
D. Nuno apanhou no ar a palavra «dona». Uma dona que vai casar é porque é viúva. Mas isso ao faz impressão ao moço cavaleiro. A sua ideia muito bem assente era não casar, nem com dona nem com donzela. Quanto lhe custava dizer isto ao pai!... Por nada deste mundo queria desgostá-lo. E dizer-lhe assim, redondamente, sem mais rodeios, que não queria, o que ele bem mostrava querer, não era para o feitio de Nuno Álvares.
Respondeu então com grande respeito:
- «Senhor, vós me falaste em casamento, coisa para que eu não estava preparado. E, por isso, peco-vos muito que me deis tempo para nisso cuidar. E então vos poderei responder com segurança o que me parecer deste assunto».
O pai ficou tão espantado que só pôde dizer que achava bem. Mas, mal o filho saiu começou a matutar, intrigado. Por que é que o filho queria tempo para pensar?! Era uma coisa tão simples e tão natural o que ele lhe dissera... Se nunca mostrara intenção de professar na Ordem, é porque queria casar. Mas, se queria casar, como é que hesitava quando o pai lhe encontrava uma noiva ideal?! O velho Prior não percebia nada. Ainda se Nuno fosse caprichoso como tantos rapazes da sua idade... Mas não. De todos os seus filhos era este o mais obediente, desde pequeno o mais ajuizado... Que vinha a ser aquilo?! D. Álvaro não chegava a entender. Foi falar com Iria. A mãe, que nos últimos três anos o acompanhara sempre - e que era mãe! - é que havia de tirar de Nuno o seu estranho segredo...
...Pois não tirou! O filho, mais à vontade com a mãe do que com o pai, logo lhe disse que de modo nenhum se queria casar. Mas não deu a razão.
Que razão havia ele de dar?
Para ser franco diria à mãe e ao pai: não caso porque Galaaz também não casou. Quero ser como ele. Mas, se usasse desta franqueza ingénua, a mãe nem talvez o entendesse, e o pai havia de se rir às gargalhadas...
Galaaz!...
Porque fora sempre virginal, é que o Cavaleiro Incomparável tinha sido incomparável. Nuno Álvares bem sabia que Galaaz era uma figura de romance. Mas, por detrás desse nome havia uma ideia: só o homem perfeitamente puro pode ser invencível. Esta ideia pairava... E, por vezes, aparecia com um ar levemente extravagante e perigoso. Dizia-se que o melhor não era entrar numa Ordem aprovada pela Igreja e aí guardar castidade, segundos os votos. O melhor seria que, cada qual à sua maneira, sem obedecer a uma regra comum, mas conforme a regra do próprio coração, se conservasse virgem no meio do mundo.
D. Nuno estava conquistado por estas ideias, muito belas sem dúvida, mas um nadinha... escorregadias. Por esse caminho não era difícil chegar a dizer que o casamento era obra do Demónio... E havia quem o pensasse!
Quando o pai recebeu a resposta do filho ficou ainda mais admirado do que já estava. E resolveu meter na conspiração dois dos melhores amigos de Nuno: Álvaro Pereira, seu primo, e Álvaro Gil de Carvalho, seu cunhado. Acima de todas as razões havia uma que os dois amigos lhe martelavam: a vontade paterna. Nós já sabemos que D. Nuno sofria muito por contrariar o pai. Mas a sua consciência não se calava com motivos sentimentais. Estava convencido de que o seu dever era seguir os passos de Galaaz.
Então os amigos lembraram-lhe uma palavra que um dia todos três tinham ouvido a um frade muito sabedor da Sagrada Teologia: «melhor coisa é a obediência que o sacrifício». A estas palavras, Nuno Álvares não replicou. Pelo contrário, ficou em longo silêncio, a meditar.
Para alguns rapazes puros e sonhadores daquele tempo Galaaz era tudo.
Para Nuno Álvares, acima de Galaaz estava Jesus Cristo, e só com Jesus Cristo é que Galaaz podia ser o ideal do cavaleiro.
A obediência vale mais que o sacrifício. Se sou eu que escolho o sacrifício e me resolvo a ele, pode ser que me aproxime de Cristo, mas com certeza não me afasto de mim mesmo... Se obedeço, afasto-me de mim e fico a ser totalmente de Cristo. Se faço um sacrifício à minha escolha, só me desprendo dum pedacinho de mim, e é esse pedacinho que ofereço a Deus. Se obedeço, ofereço a Deus tudo quanto sou.
Mas a obediência pode levar ao prazer... Pois pode! E que mal tem isso, desde que o prazer seja permitido ou ordenado por Deus?
Nuno estava decidido. Mandou dizer ao pai que casaria com D. Leonor de Alvim.
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Henrique Barrilaro Ruas
in, Vida do Santo Condestável Dom Nuno Álvares Pereira,
pgs. 55 a 559, Ministério da Educação Nacional, 3.ª edição, 1969

quinta-feira, outubro 26, 2006

Henrique Barrilaro Ruas - Antologia

CAPÍTULO II

JUVENTUDE
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NA «FONTE DOS AMORES»
Em alegre bando, rapazes e raparigas vão pelos campos à beira do Mondego. Tinham passado a velha ponte de amplos arcos, em estilo românico, e agora visitavam, com o com o coração cheio de mistério, aquela «fresca fonte» em que as «lágrimas são a água e nome amores» (III 135). Fora ali, segundo a lenda antiga, que a «linda Inês» perdera a vida e os sonhos dela. Então, uma das raparigas, vendo uma flor muito bela na sua singeleza, não resistiu à tentação de a colher.
Muito mais tarde, o Poeta choraria a morte de Inês de Castro lembrando este episódio juvenil:

«Assim como a bonina que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lascivas maltratada.
Da menina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada
Tal está, morta, a pálida, donzela
… … … … … … … … … … … …»
(III 134)

Quando os passeios se alongavam, Luís e os amigos encontravam espalhado pêlos prados, o formoso gado (69), guardado por um pastor e uma pastora que docemente cantavam ou conversavam. Muitas vezes se repetiu este encontro, e foi talvez assim, entre flores campestres e águas puras, que Camões descobriu o amor.

O PRIMEIRO AMOR
Sabe-se apenas que era ainda muito novo. Pela vida fora, ele há-de guardar a lembrança do primeiro amor, vivido como um sonho à luz clara do Sol:

«Este amor, que vos tenho, limpo e puro,
De pensamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade começado,
Tê-lo dentro nesta alma só procuro».
(138)

Desde esse dia, todas as coisas começaram a ser para ele um espelho ou um sinal da sua amada. Também ele conheceu o jogo inocente do malmequer:

E vós, douradas flores, por ventura
Se Inês quiser fazer, de meus amores,
Experiências na folha derradeira,
Mostrai-lhe, para ver minha fé pura,
O bem que sempre quis, formosas flores;
Que então não sentirei que mal me queira»
(CC)

Enquanto despertava para o amor, Luís ia percebendo a mudança das coisas, a fragilidade da vida. O que o Inverno trazia, o Estio levava, para que novo Inverno o arrebatasse. E Camões concluía, numa espécie de grito alegre:

«Só para meu amor é sempre Maio».
(138)

Da primeira vez que se afastou da namorada, provavelmente para ir visitar parentes em Lisboa ou Santarém, ela deixou-lhe a fita com que apertava as tranças, e logo o Poeta:

«Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remédio que mereço,
Se só contigo, vendo-te, endoideço,
Que fora com os cabelos que apertaste!
... ... ... ... ... ... ... … … … … … … …»
(18)

A UNIVERSIDADE
Tinha Camões doze ou treze anos quando D. João III resolveu restituir a Coimbra a velha Universidade que lá funcionara desde D. Afonso IV a D. João I. A alegria ruidosa dos estudantes, a ciência de mestres chamados de toda a parte, vieram juntar-se às antigas escolas dos frades crúzios e da Catedral, para fazer de Coimbra um dos centros mais ilustres do Renascimento europeu. Nada se sabe ao certo da passagem de Luís Vaz por essas escolas e pela própria Universidade; mas toda a gente está de acordo, o que é raro quando se trata de Camões, em que ele frequentou a escola de Santa Cruz e nela e na Universidade conseguiu aquela ciência variada e abundante, ao mesmo tempo profunda e pronta, que se vê brotar em cada página da sua obra.
Em lembrança da sua vida universitária, Camões há-de louvar D. Dinis, o grande fundador, por ter criado «o valoroso ofício de Minerva», em que eram coroados «do sempre verde louro» aqueles que consagravam a vida às letras.

«ENQUANTO HOUVER NO MUNDO SAUDADE…»
Chegou porém o dia em que foi forçoso deixar os «saudosos campos do Mondego» e a bela cidade debruçada sobre eles. Antes de partir, Luís despediu-se da sua bem amada, como há-de recordar no mais belo de todos os seus sonetos:

«Aquela, triste e leda madrugada,
Cheia toda de magoa e piedade,
Enquanto houver no Mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada
… … … … … … … … … … …»
(46)
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Henrique Barrilaro Ruas
in, Camões, pgs.22 a 26, Ministério da Educação Nacional, 1973

quarta-feira, outubro 25, 2006

Henrique Barrilaro Ruas - Antologia

A LIBERDADE E EL-REI

I
1. A primeira imagem que de El-Rei se pode ter é porventura a faustosa imagem da grandeza. Assim ele anda pintado coloridamente na imaginação infantil e na de todos os Povos. E no entanto, a quem detidamente o encare, El-Rei aparecerá, por baixo da roupagem fulgurante, como homem nu de aparatos, casado com a pobreza, violentamente atirado para longe dos próprios desejos... Se o primeiro momento da imagem nos dava um Senhor poderoso, o primeiro momento da ideia dá-nos um servo. El-Rei é um cativo.
Quem cativou El-Rei? - O Poder o encadeia: o próprio Poder que assume. É ele que o arrasta a uma esfera que não é da sua natureza. Homem, e mais nada senão homem, tudo nele está a clamar exigências e pendores comuns. E, por contraste, tudo nele se passa: não à margem do que é comum – o que seria ainda pouco — mas, dentro do comum, por um modo diferente. A análise da vida de El-Rei manifestaria, uma a uma, mil diferenças. Todas são resultantes de uma só causa: o Poder.
O poder real não pertence a El-Rei: desce sobre ele. Nada na natureza de El-Rei o está prometendo ou anunciando. El-Rei, por natureza, tem poderes próprios de homem: físicos e espirituais, mas só humanos. O poder real é de outra ordem. Não vem da natureza: vem de Deus.
Decerto: nada do que existe tem outra origem que não seja Deus. Criada por Deus a natureza humana, não há poder natural que não venha de Deus; mas por modo indirecto. As causas segundas agem plenamente; e tudo se passa (em certo sentido) como se não existisse Causa Primeira. A esta regra se subtrai o poder político. É a este que com perfeita adequação se aplica a fórmula bíblica: «omnis potestas a Deo». Esta ligação directa com Deus, este ter Deus como fonte imediata, faz com que o poder político pareça aproximar-se de uma esfera que não é política: a esfera religiosa.
Nada mais falso e nada mais grave que esta impressão sedutora! O vínculo político enlaça com Deus o chefe, o Rei (ou, se quiserem, a colectividade, mas como um todo). O vínculo religioso enlaça com Deus todos os homens, um a um. O segundo é, o primeiro não é exigido pela natureza do ser vinculado. Religião e Política são irredutíveis.
A quem subir da ordem natural (em que o homem aspira ao Criador) à ordem sobrenatural (em que, pelo mistério da Redenção, o Pai Se fez presente ao homem e o faz seu filho), pode parecer agora que a Religião se torna mais semelhante à Política, pois o vínculo sobrenatural enlaça com Deus, antes de todos, o Pontífice. Mas esta semelhança formal a nada conduz. O Estado é da linha da Criação. A Igreja é da linha Redenção. Além de que, mais ainda (se é possível) que na Religião natural, aqui o que Deus procura é cada homem de per si, o que na ordem política não tem sentido.
E no entanto, apesar de bem distinta do plano religioso, a esfera política está mais directamente ligada a Deus que a esfera individual ou a familiar (não sobrenatural) ou qualquer esfera simplesmente associativa.
Assim ligado ao Criador por um nexo imediato, o Rei vive uma vida que a sua natureza não continha nem fazia prever. A sua existência não lhe condiz com a essência. Sendo mais nobre que ela, eleva o Rei ao plano do sagrado. O sagrado não pertence apenas à ordem sobrenatural. E que outra coisa é, na ordem natural, senão aquilo cuja existência ultrapassa a própria essência?

2. Embora, no conjunto dos poderes, vindos todos de Deus, o poder real constitua excepção; embora a Causa Primeira aqui nos apareça a actuar directamente, dir-se-ia tão grande a força da lei universal, que, olhado a certa luz, já o próprio poder político nos mostra uma origem puramente natural.
O Poder, por essência, vem de Deus. Na existência, porém, é a História - o Povo na História - que o desenha e suporta.

3. Eis, pois, El-Rei duplamente cativo do Poder. Para longe a roupagem fulgurante! Para longe a própria natureza, exigente, em humana medida, de humanas ambições... Como a água cantante que jaz cativa, porque há-de servir para sinal de Deus; como o cordeiro que Abel sacrificou; como o pão e o vinho de Melquisedec - esse homem foi distinguido dos outros, para ser, fora de si mesmo, numa esfera que não é a sua, o senhor de todos: incluindo em todos aquele que ele próprio é.
Deus o cativou; a História o conserva cativo. Um vínculo, uma servidão originária, que por geração se transmite como o pecado de Adão, faz de El-Rei o homem mais despido de aparatos, companheiro da pobreza, exilado de si mesmo... Para cumprir.
II
El-Rei é um cativo: prisioneiro de Deus e da História.
E, no entanto, aos nossos ouvidos soa a palavra triunfante: «Rex noster líber est». El-Rei é livre! E este é o segundo momento da ideia, contrastante também com o segundo momento da imagem, que nos daria um Rei preso por etiquetas, escravo de cortesãos ou do seu próprio orgulho...
Quem libertou El-Rei? Quem lhe quebrou as grades do cativeiro? Deus e a História (a História, de que ele mesmo é agente). Quem o cativou, agora o liberta. A escravidão que El-Rei tem de cumprir; o seu cativeiro e o seu serviço consistem em ser livre. É a ser livre que Deus e a História o obrigam.
A sua liberdade nada tem que ver, no entanto, com a sua condição de indivíduo. Livre, sim: porém, apenas como sumário, síntese e imagem do Povo seu carcereiro. O grito de triunfo «Rex noster liber est» só tem um sentido: significa exactamente o mesmo que: «Nos liberi sumus». El-Rei não é livre para si próprio. Não são os seus instintos, os seus desejos, as suas tendências de homem que se libertam. Ao contrário: tudo isso se encontra sujeitado.
Para uma só coisa é livre, e então plenamente, exuberantemente, loucamente: para que os seus súbditos possam afirmar, intrépidos: «Nós somos livres!» É esta a liberdade real: a liberdade de que está cativo.
Tão forte prisão é esta liberdade, que basta ao Rei deixar de ser livre para deixar de ser Rei. «O Rei é livre» é uma fórmula de identidade. No dia em que a liberdade individual de El-Rei, sepultada na régia existência, revoltando-se deixar de coincidir com a liberdade colectiva (que é a própria liberdade de El-Rei enquanto Rei), o rompimento será fatal. Fatal, porque automático. Um Rei não livre é, ípso facto, um não-Rei.
III
Com os vínculos de que é prisioneiro, modela El-Rei a liberdade de todos. O seu poder é essencialmente libertador. Nele, a natureza humana está cativa, para que nos outros homens esteja livre. Libertador da natureza, é às liberdades naturais que El-Rei se sacrifica; não à entidade metafísica que um Humanismo unilateral imaginou. Deus suscitou El-Rei para servir os homens; não para servir ideias.
Quatro aspectos se podem considerar no serviço político (ou poder político) que El-Rei desempenha quando encarado sob o ângulo da liberdade:

a) Defende cada indivíduo ou cada colectividade das abusivas intromissões alheias; está nisto o que legitimamente se pode chamar o poder moderador de El-Rei: o Rei exerce o «poder moderador» na medida em que limita ao seu âmbito próprio os poderes naturais dos indivíduos e da sociedade, integrando-os na unidade política da Nação. Aspecto negativo, nem por isso deixa de ser fecundo.

b) Por acções negativas e positivas, é próprio do poder real garantir a cada indivíduo ou comunidade uma existência conforme com a própria essência. Aqui se manifesta em supremo grau a vocação de El-Rei para libertador da natureza.

c) Pela sua segunda natureza, que é o cuidado político, El-Rei dispensa do zelo geral os homens e as sociedades. Todos devem dar para o Bem Comum a sua quota-parte. Todos devem ter o Bem Comum como a suprema regra natural. Bem certamente! Mas o Rei lá está, em nome de todos; substituindo, aos cuidados políticos dos outros (que, por mais constantes, serão sempre acidentais), o seu cuidado político substancial, que é o seu modo de ser enquanto Rei. É como participantes do poder real que os particulares hão-de participar do cuidado político, do zelo geral.
A El-Rei compete escolher os súbditos, não aos súbditos escolher El-Rei. Mas essa escolha é a dos que em união com ele devem ser, na esfera política, os promotores do Bem Comum. Nos seus planos próprios, indivíduos, famílias, corporações, municípios, rasgam entretanto os seus caminhos, escolhem democraticamente os que entre si conhecem como melhores, vivem a sua vida... Porque El-Reise consagrou ao Bem Comum, todos podem consagrar-se aos bens particulares. E de tudo resulta a harmonia da Nação.

d) Livra a Nação do caos sempre possível dos poderes desencontrados, fortalece-a, defende-a, enobrece-a. E, assim, não apenas torna possível, mas realiza, a aspiração essencial de qualquer nacionalidade: a independência. É esta, mais que todas, a função real: dar à Nação a existência que a sua essência pede: a existência política. A Nação é o Reino.

Deste modo cumpre El-Rei o seu destino de libertador. Ele é o que desencadeia os poderes naturais. Mas há um poder que ele não pode desencadear o poder sobrenatural de cada homem se tomar filho de Deus. Não o pode desencadear, porque esse poder não deriva do sangue nem da carne, mas somente de Deus. Nenhum homem tem o poder de se tornar filho de Deus. Por isso mesmo, não é possível a El-Rei libertar esse poder. Não pertence a El-Rei dar liberdade ao seu Senhor. Mas Deus espera do seu servo um supremo serviço: que desencadeie o poder que o homem tem de corresponder àquele poder divino. Assim se cumpre o ciclo sagrado da existência real.

Mas... ele? Qual o destino desse homem que, ao assumir o Poder, foi assumido, absorvido, por ele? Para além da própria missão política, que com ele morre, fica a pessoa, que no sacrifício do indivíduo encontrou a sua plenitude (1).
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(1) De colaboração com Afonso Botelho foi pensado e elaborado este ensaio. (1971)
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Henrique Barrilaro Ruas
in, A Liberdade e o Rei, pgs. 130 a 137, qp, 1951

terça-feira, outubro 24, 2006

Henrique Barrilaro Ruas - Antologia

VISÃO DINÂMICA
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1 - Humanismo
Por mais bela que seja a visão estática da Cultura assim compreendida, é preciso atribuir-lhe um sentido. À visão estática sucederá a visão dinâmica, Se amamos a Cultura, para que a queremos nós? Pois bem: nós a queremos e lhe queremos muito porque a vamos pôr ao serviço do Homem.
A Cultura resulta num Humanismo. Ninguém como nós pode dar-lhe esse destino, pois ninguém como nós conhece a grandeza do Homem. O Cristianismo tudo subordina à Pessoa Humana, ser subsistente em si, dotado de inteligência e de vontade. Tem oportunidade a palavra de S. Paulo: «Omnia sunt vestra; vos autem Christi; Christus autem Dei». Esta subordinação de tudo à Pessoa Humana tem aspectos que por vezes ferem algumas sensibilidades, quando se afirma que a Pátria e a própria Igreja (no que tem de instituição humana) existem para ela. Sendo assim, nós compreendemos facilmente que também a Cultura deve pôr-se ao serviço do Homem. Porque o homem, na concepção cristã, é um valor com projecção eterna. A Cultura, servida pelos homens, criada pelos homens, subordina-se ao Homem, na hierarquia crista dos valores.
«Omnia sunt vestra...»
Mas como se lhe subordina? Qual a sua função? Ela é um meio de o homem se completar; digamos: de o homem se realizar. Uma cultura deve compreender uma educação física, uma educação intelectual e uma educação religiosa. Mas o sentido desta Semana dá à Cultura de que falamos um carácter intelectual. Essa serve a Pessoa Humana, porque satisfaz a sede de Verdade em que a inteligência se abrasa e lhe manifesta, com o fulgor da Verdade, a face eterna do Bem. Formar a inteligência nas disciplinas da Verdade é com efeito anunciar ao Homem aquele Bem em que a sua vontade tende a fixar-se.

2 - Sentido Social
Sobre este sentido da Cultura intelectual (lembremos que por hipótese essa Cultura é uma síntese) hão-de reflectir, numa atitude crítica, aqueles que sentem a gravidade dos grandes problemas sociais.
O Homem, ser independente, na dignidade pura da personalidade, é com efeito servido pela Cultura intelectual. Mas o homem - ser social, elemento duma colectividade?
Desta dúvida participamos nós, que sentimos a angústia do homem numa época que o esmaga, nós que vemos a urgência de impor à Questão Social a solução Crista, nós que vamos já concluindo pela necessidade duma doutrina política. Ao lado destes problemas de ordem social - perguntamos a nós próprios: - como é possível que cresça, serena e fria, a preocupação intelectual? Que vale a dignificação abstracta do Homem, se os homens são castigados pela tremenda agonia dum tempo apocalíptico?
E contudo nós, como católicos, temos de ultrapassar este momento de crise, esta crise de dúvida, esta febre que sobe sempre ao longo da ideia de Acção. Sim: nós compreendemos o nosso tempo e a funda inquietação dos seus martírios. Nós queremos a dignidade social do homem e enchemos o peito com uma sede insaciável de Justiça. Nós não esquecemos todo o malefício duma Cultura que vem definindo a linha desta Civilização anti-humana.
É então que nós, depois de amarmos a Cultura e o belo edifício das suas conclusões, vamos distinguir, da Ciência, que descobre, a Técnica, que aplica. E creio que só uma posição nos pode ser legítima: exigir que a Técnica se coloque ao serviço da Sociedade.
A Ciência Moderna permitiu à Técnica a substituição de milhões de operários por centenas de máquinas. Noutro aspecto, permitiu à indústria a produção sintética de substâncias naturais - e os que viviam do comércio destas sentiram a ameaça da fome.
Por outro lado aí está a exuberância dos armamentos modernos a marcar tragicamente, a ferro e fogo, a passagem duma Técnica inimiga do Homem e destruidora da Civilização. Que pensar diante deste espectáculo? (1)
O católico não deve apenas deplorar a grandeza das catástrofes: há-de procurar, na medida do seu alcance, a correcção da Técnica pelas leis da Moral. Parecerá estranho juntar duas palavras para desejar uma Técnica Cristã?...
Assim como a Ciência serve o homem como personalidade, essa Técnica servirá o homem como membro duma sociedade. Mas para isto a Ciência não basta, nem a Filosofia é decisiva, nem a Sociologia é suficiente. Repito que é necessária a Moral, ciência e arte eminentemente humana.
E que se dirá se passarmos, da simples consideração da Técnica ao serviço da Sociedade, à visão integral dos problemas sociais? As mesmas afirmações podem confirmar-se, alargadas em extensão e elevadas em alcance. Evidentemente toda a complexidade da Questão Social, última expressão prática dos problemas da nossa Civilização, não pode esperar da Cultura, mesmo na sua expressão técnica, uma solução cabal ou sequer uma tentativa de solução completa.
E no entanto, nós, universitários católicos, curvados nesta Semana sobre a amplitude dos problemas culturais, não podemos esquecer, não esquecemos, a nossa responsabilidade de elementos duma colectividade e marcadamente duma Nação.
Não nos desinteressamos, portanto, dos agudos problemas que ferem o corpo da Pátria. Não voltamos costas também às interrogações que sobem das almas na ânsia universal duma Renovação. Tanto vale dizer que não confinamos os nossos objectivos à construção duma Cultura, por mais perfeita que se nos apresente a sua visão rasgada.

3 - Última Síntese
Que concluir daqui? Que, acima da Cultura, acima da Técnica, acima das Ciências Sociais, nos é necessária uma nova Síntese da qual o nosso espírito logre distinguir os limites dos problemas e as linhas gerais das soluções; uma Síntese que englobe tudo o que respeita ao Homem, na visão integral da sua natureza e das suas aspirações.
Essa Síntese que nós queremos alcançar para compreendermos o Mundo e nos compreendermos a nós próprios, só a podemos possuir, graças, mais uma vez, à nossa qualidade de cristãos. Toda a interpretação do Mundo a da Vida que se confina nos limites do Natural é uma visão incompleta.
No seio do Universo, povoado de astros ardentes, uma outra chama crepita perpetuamente. «Esse alto lume» (como lhe chamou o Poeta) é o Homem, perpetuamente a interrogar, perpetuamente a responder. Toca a matéria, e duvida dela; disseca-a, e sente-a quase a esvair-se. Pensa - e duvida do Espírito; ama - e chama a tudo ilusão. Morre - e crê na imortalidade: sofre — e pergunta à Dor porque? Odeia - e sente a nostalgia do Bem; erra - e ama ansiosamente a Verdade; estuda - e enfastia-se do que sabe; sabe que érei - e sente-se escravizado a tudo; tem sede de Justiça, mas cria a Injustiça e vive nela, E contudo, ele pressente que não é um monstro. Qual o sentido de tudo o que sente, de tudo o que sabe. De tudo o que desconhece? Qual o sentido do sofrimento que o rasga e da alegria que o empolga? Qual o destino de si mesmo e a razão de tudo o que o rodeia? Por que lhe sabe a pó tudo o que é deste Mundo e saboreia o prazer do que nunca encontrou? Tudo lhe fala de mais-além; tudo lhe anuncia realidades futuras. No seio do Universo, o homem interroga e fica preso à Dúvida...
... Mas pressente. Quando não vê, visiona. Pois bem: do Alto lhe veio a grande resposta. Tudo o que lhe faltava se completou pela Mensagem reveladora.
Abriu-se o Mistério, e, no seio do Universo, o Homem pôde compreender o sentido total do Mundo e da Vida.
É a essa Mensagem - que é Verdade Revelada e Verbo Incarnado - que nós, universitários católicos, vamos buscar a Unidade da Síntese. À margem dela, sentimos como tudo se fragmenta... Com ela, todas as coisas se unificam. E a Unidade é para nós a Vida.

(1) Cf. O estudo de Daniel Rops no volume colectivo Para Além da Ciência, ed. Tavares Martins.
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Henrique Barrilaro Ruas
in, A Moeda O homem e Deus, pgs. 25 a 30, Cidade Nova, 1957

domingo, outubro 22, 2006

Henrique Barrilaro Ruas na BN

Ao longo da semana editaremos Textos de Henrique Barrilaro Ruas.
É uma homenagem que prestamos a este Historiador e Ensaísta Monárquico, na altura em que Biblioteca Nacional apresenta uma Mostra Documental referente àquele Vulto da Cultura Portuguesa.
MM

Arte II

Rondovenich
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Konstantin Vasilyev (1942-1976) - 1971
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Andrey Klimenko
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PS - Novo mail do Norte. Obrigado. [mj]

Riqueza de um Pobre

Fomos descobrir uma quadra, num comentário de um culto, e de culto, blog, publicada por um Anónimo, que reza assim:

De Misantropo não tendes nada
De Enjaulado, nem um bocado!
Sabemos que por aí andais,
Sempre bem acompanhado!

Mas, a razão de agora aqui o homenagearmos tem a ver com um sincero agradecimento pela feliz galeria de ‘piquenas’ com que nos vem presenteando, e à qual acresce hoje um post intitulado “Conformismo Delicado”, onde, além de texto apropriado, se reproduz a capa de um alfarrábio de actualíssima oportunidade.
Com a maior modéstia, acima junta-se despretensioso complemento.
MM

abaixo-assinado

O descanso do Professor Martelo
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Pequenas grandes coisas
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UM CONVITE único, que vou perder para não quebrar a tradição familiar do Natal: assistir, de 17 a 31 de Dezembro, em Telavive, ao festival pelos 70 anos da Orquestra Filarmónica de Israel, sob a direcção de Zubin Mehta. É esmagador - Mehta, Kissin, Rachiin, Maisky, Dudamel, Gergiev, Vengerov, Barenboim, Zukerman, Radu Lupu e Masur. Com visitas históricas e digressões pelasartes plásticas. E inclusive, no dia 30, voo até ás Pirâmides do Gize, à Mena House, aos Tesouros de Tutankhamon e jantar no Nilo!
As coisas são como são, e isto de, apesar do sangue judeu materno (das terras da Covilhã), pertencer a família há muito convertida ao cristianismo faz com que o Natal familiar possa mais do que a Filarmónica de Israel. Com muita, muita pena... Um espanto adicional: a forma como Israel vive, habitualmente, em estado de guerra permanente.
Marcelo Rebelo de Sousa
in, Sol, 21-10-2006, p. 70
§
Propõe-se um abaixo-assinado para que o natal seja adiado ou antecipado, para que o crente professor possa ir à terra de seus antepassados por via materna. [mj]

Arte

Ilia Glazunov
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PS - Chegaram-nos via mail nortenho estes trabalhos. Obrigado. [mj]

sábado, outubro 21, 2006

O selo que já não cola

Subject: o selo do ano 2006

Sócrates queria um selo com a sua foto para deixar para a posteridade o seu mandato no Governo deste país, que está de tanga. Os selos são criados, impressos e vendidos. O nosso PM fica radiante!
Mas em poucos dias ele fica furioso ao ouvir reclamações de que o selo não adere aos envelopes.
O Primeiro-ministro convoca os responsáveis e ordena que investiguem o assunto. Eles pesquisam as agências dos Correios de todo o país e relatam o problema.
O relatório diz:
_ "Não há nada de errado com a qualidade dos selos. O problema é que o Povo está a cuspir no lado errado."
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PS - Este chiste foi-nos generosamente enviado de Viseu, por grande Amigo nosso. Obrigado! [mj]

sexta-feira, outubro 20, 2006

Leituras

Rumo a Bizâncio
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1. O efeito causado pelo facto de Bento XVI ter citado um imperador bizantino tem-me levado a reflectir sobre a necessidade premente de conhecermos melhor onze séculos de História, tradicionalmente ignorados na escolaridade portuguesa, tanto secundária como universitária. Quando Constantino refundou a velha Bizâncio com o nome de Constantinopla, a 11 de Maio de 330, aquilo que é hoje Portugal era uma província do Império Romano, povoada por gentes em cuja faixa menos romanizada se podia descortinar uma certa demência (daí a célebre frase latina “delirant isti Hispani”). Quando Constantinopla foi conquistada por um exército islâmico de 100,000 soldados (contra os 10,000 cristãos que defendiam a cidade) a 29 de Maio de 1453, era rei de Portugal D. Afonso Vê os portugueses estavam numa das poucas fases da sua história em que eram respeitados internacionalmente: só assim se compreende que a irmã do rei, D. Leonor, tenha podido casar com o Sacro Imperador Romano, Frederico III.
A queda de Constantinopla é uma data traumática na história da cristandade. Não por os conquistadores terem sido muçulmanos, mas por todo o processo que conduziu à derrocada final do Império Romano do Oriente (no saque de Constantinopla por cruzados cristãos em 1204 é melhor nem falar). No Concílio de Florença de 1439, aventou-se a hipótese de o ocidente católico prestar ajuda militar ao oriente ortodoxo para defesa da Cidade de Constantino, mas sob condição de as igrejas católica e ortodoxa se reunirem. Nesse concílio, foi uma delegação de monges do Monte Aios, zeladores implacáveis da Ortodoxia, que impossibilitou tal decisão. O resultado, esse já o sabemos.
2. 0 meu fascínio pela civilização bizantina já vem de longe. Na discoteca do meu avô havia um single de 45 rotações com uma canção americana intitulada Istanbul. Durante a minha infância, ouvi esse disco vezes sem conta. Tinha o seguinte refrão: “why it’s Istanbul, not Constantinople, is nobody’s business but the Turks’.” Bom, em rigor não é bem assim. A palavra “Istanbul” não é turca, mas grega: é a evolução da frase “eis ten pólin” (pronunciada em grego bizantino “stinbóli”), que significa “rumo à cidade”. Sendo a Cidade, como é óbvio, só uma e mais nenhuma: a coroa da cristandade, o diadema do helenismo. Nos anos 30 do século passado, o autor britânico Patrick Leigh-Fermor empreendeu uma fascinante viagem a pé (!) da Holanda a Constantinopla, viagem relatada nos primeiros dois livros de uma trilogia a que continua a faltar o último volume (onde será relatada a chegada a Constantinopla). Ao passar a fronteira da Áustria para a Hungria, Leigh-Fermor deu-se conta de que, pela primeira vez, ninguém estranhava quando ele respondia à pergunta “para onde vais?” com a palavra “Constantinopla”. A seguir a Viena, era a única cidade merecedora de ser levada a sério.
3. Mas os monges do Monte Atos que recusaram a reunificação das igrejas católica e ortodoxa em 1439 - e assim contribuíram para a queda de Constantinopla - continuam a estar bem representados no Monte Atos de hoje. Não há leitura mais deliciosa (nem mais triste) do que o livro From the Holy Mountain: a Journey in the Shadow of Byzantium, de William Dalrymple, que visitou a montanha sagrada da Grécia durante o pontificado de João Paulo II e ficou muito surpreendido pelo facto de os monges considerarem o Santo Padre de Roma o próprio Satanás, filho da Rameira da Babilónia. “Os piores tormentos do Inferno”, disse-lhe um dos monges, “estão reservados para os bispos de Roma”. Dalrymple terá feito um esgar interrogativo, ao que o monge replicou: “o catolicismo é um culto satânico”.
4. 0 autor do Prado Espiritual, João Mosco, iniciou uma viagem pelos mosteiros do império bizantino oriental em 578 (um ano depois morreria São Martinho de Dume, que veio de Constantinopla para Braga para converter os suevos). O relato de João Mosco tem como objectivo preservar para a posteridade os aforismos e o saber da espiritualidade bizantina, mas a leitura avulta por vezes “patusca” pela carga daquilo a que hoje chamaríamos superstição. É um mundo em que anjos e demónio fazem parte do dia a dia; Cristo e Satanás lutam renhidamente pela alma humana. Pela força da oração, houve monges que fizeram uma fonte no seu mosteiro desértico. Mas, para satisfazer a futilidade de outros monges menos austeros, foi instalada uma banheira e a água secou. O abade proibiu os banhos, mas a fonte continuou seca. Só quando a banheira foi estilhaçada à machadada e que Deus fez de novo correr a água. Razão tinha São Jerónimo: “quem se banhou nas águas do baptismo, não precisa de se banhar uma segunda vez”.
O companheiro de viagem de João Mosco foi Sofrónio, mais tarde Patriarca de Jerusalém. O mesmo Sofrónio que, em 638, entregou as chaves de Jerusalém ao califa Omar, após um cerco de doze meses, na primeira grande vitória islâmica contra o mundo cristão. O califa, como homem esclarecido que era, teve uma atitude muito diferente dos Persas, que ainda em vida de Mosco tinham saqueado a cidade Santa e vendido como escravo o anterior Patriarca. Permitiu a liberdade religiosa, como aliás ocorreu logo após o saque de Constantinopla, em 1453, a mando do sultão otomano. Quando se fala de intolerância (quer islâmica, quer cristã), é bom pensarmos primeiro na experiência bizantina. Nela, temos muito que aprender.
Frederico Lourenço
in, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 20-10-06, p. 30

Desabafos

Em 9 de Setembro último, o semanário “Expresso” perguntava aos líderes partidários e ao primeiro-ministro quais as prioridades para o ano político que começava, após as férias de Verão. Nenhum falou em corrupção, vá-se lá saber porquê.
Mais tarde, no passado 5 de Outubro, o Presidente da República afirmou no discurso que então proferiu que «a corrupção tem um potencial corrosivo para a qualidade da democracia que não pode ser menosprezado». Ainda nesse discurso, Aníbal Cavaco Silva repetiu a palavra “corrupção” oito vezes.
Agora, a 9 de Outubro, na primeira intervenção pública, o novo Procurador-geral da República, Fernando José Pinto Monteiro, disse quinze vezes a palavra “corrupção”.
Mas, antes ainda, já em Junho, o deputado socialista João Cravinho apresentara, via grupo parlamentar, na Assembleia da República um conjunto de propostas visando o combate à corrupção.
De então para cá, a nível governamental, a temática sobre a corrupção tomou algum lugar na agenda política. Mas é pouco.
A corrupção não tem um rosto nem tem uma área de actuação privilegiada. Ela ocorre em todos os sectores da sociedade, e em todos os seus estratos. Claro que na política é mais referenciada, mas não necessariamente mais generalizada, dada a relevância que esta desempenha na sociedade.
E os casos mais mediáticos continuam em Tribunal, como são os que envolvem os presidentes das Câmaras Municipais de Felgueiras, Gondomar e Oeiras. Certamente outros haverá, como por exemplo ao nível de Juntas de Freguesia, ou em Autarquias cujos líderes não têm o peso mediático dos que acima mencionados, ou ainda outros que só o futuro descobrirá.
Mas, o importante é que a sociedade civil continue vigilante e se mobilize pela luta contra a corrupção.
MCNM
in, Rádio Portalegre, Desabafos, 20/10/06

quinta-feira, outubro 19, 2006

Banca e Banqueiros I

Recebemos a “carta” que abaixo transcrevemos via mail, pela gentileza de um Amigo sempre atento a tudo o que nos rodeia, sejam um livro ou uma revista novos, um site de qualidade, um facto político, económico ou social de relevo, enfim, um espectador comprometido mas crítico com a nossa Sociedade.
A “carta” é de uma oportunidade flagrante, mostrando o verdadeiro cartel em que se transformou a banca. Mas, não se pense que é só em Portugal. Não, nos outros países a situação é idêntica.
A cartelização do sector bancário é um processo semelhante ao que está a acontecer noutros sectores da economia, representando o regresso ao primitivo capitalismo selvagem.
Por outro lado, as facilidades que a banca dá a particulares para obterem empréstimos para a compra do mais variado tipo de bens, é uma armadilha, como se comprova com o cada vez maior endividamento de particulares e famílias, verdadeiro flagelo social deste tempo, e gravíssima situação para a economia nacional.
Mas isso não interessa à banca, só preocupada na obtenção do lucro máximo em todas as operações que realiza.Porém, não se pense que é saudável a situação económico-financeira da banca portuguesa.
Excessivo crédito malparado e aplicação incorrectas, tornaram-na altamente dependente da banca internacional, sedeada nos principais centros financeiros do Planeta. [mj]

Banca e Banqueiros II

Esta carta foi direccionada ao Banco BES, porém devido à criatividade com que foi redigida, deveria ser direccionada a todas as instituições financeiras.
O que acham?
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CARTA ABERTA AO BRADESCO
Exmos. Senhores Administradores do BES
Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina da v/. rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da tabacaria, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.
Funcionaria desta forma: todos os meses os senhores e todos os usuários, pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, farmácia, mecânico, tabacaria, frutaria, etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao utilizador. Serviria apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade ou para amortizar investimentos. Por qualquer produto adquirido (um pão, um remédio, uns litros de combustível, etc.) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até ligeiramente acima do preço de mercado.
Que tal?
Pois, ontem saí do meu BES com a certeza que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade. A minha certeza deriva de um raciocínio simples.
Vamos imaginar a seguinte situação: eu vou à padaria para comprar um pão. O padeiro atende-me muito gentilmente, vende o pão e cobra o serviço de embrulhar ou ensacar o pão, assim como, todo e qualquer outro serviço. Além disso, impõe-me taxas. Uma "taxa de acesso ao pão", outra "taxa por guardar pão quente" e ainda uma "taxa de abertura da padaria". Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.
Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo no meu Banco.
Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto do negócio bancário. Os senhores cobraram-me preços de mercado. Assim como o padeiro cobra-me o preço de mercado pelo pão.
Entretanto, de forma diferente do padeiro, os senhores não se satisfazem cobrando-me apenas pelo produto que adquiri.Para ter acesso ao produto do v/. negócio, os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de crédito" - equivalente àquela hipotética "taxa de acesso ao pão", que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.
Não satisfeitos, para ter acesso ao pão, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente no v/. Banco. Para que isso fosse possível, os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de conta".
Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa "taxa de abertura de conta" se assemelharia a uma "taxa de abertura da padaria", pois, só é possível fazer negócios com o padeiro, depois de abrir a padaria.
Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como "Papagaios". Para gerir o "papagaio", alguns gerentes sem escrúpulos cobravam "por fora", o que era devido. Fiquei com a impressão que o Banco resolveu antecipar-se aos gerentes sem escrúpulos.
Agora ao contrário de "por fora" temos muitos "por dentro".
Pedi um extracto da minha conta - um único extracto no mês - os senhores cobraram-me uma taxa de 1€.
Olhando o extracto, descobri uma outra taxa de 5€ "para a manutenção da conta" - semelhante àquela "taxa pela existência da padaria na esquina da rua".
A surpresa não acabou: descobri outra taxa de 25€ a cada trimestre - uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros mais altos do mundo. Semelhante àquela "taxa por guardar o pão quente".
Mas, os senhores são insaciáveis.
A prestável funcionária que me atendeu, entregou-me um desdobrável onde sou informado que me cobrarão taxas por todo e qualquer movimento que eu fizer.
Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores se devem ter esquecido de cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações do v/. Banco.
Por favor, esclareçam-me uma dúvida: até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma?
Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que a v/. responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências legais, que os riscos do negócio são muito elevados, etc, etc, etc. e que apesar de lamentarem muito e nada poderem fazer, tudo o que estão a cobrar está devidamente coberto por lei, regulamentado e autorizado pelo Banco de Portugal.
Sei disso.
Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem o v/. negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.
Sei que são legais.
Mas, também sei que são imorais. Por mais que estejam protegidos pelas leis, tais taxas são uma imoralidade. O cartel algum dia vai acabar e cá estaremos depois para cobrar da mesma forma.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Crónica de Nenhures

Ibéria dos sonhos falhados
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Querem os espanhóis a unidade política da Península Ibérica? Por que não, estão no seu direito. Contudo, será que os Bascos, os Catalães ou os Galegos também assim pensam?
É impossível no tempo presente considerar um “espanhol” como representante da actual entidade política que é a Espanha, unificada pelos Reis Católicos. As nacionalidades e os nacionalismos estão cada vez mais vivos nas denominadas Comunidades Autonómicas, pelo que a Espanha una e indivisível é um anacronismo que somente ferrenhos falangistas ou franquistas defendem.
Para se fazer a afirmação da última frase do anterior parágrafo, é bom ter na memória que José António Primo de Rivera e Francisco Franco Bahamonde eram, como escritos seus o comprovam, defensores da integração de Portugal na Espanha, como, há novamente que lembrar, o fora Afonso XIII.
A Ibéria unificada, com capital em Madrid, além de utopia política, será num futuro uma impossibilidade geográfica.
No hemisfério norte, as alterações climáticas estão a fazer avançar o deserto do Trópico da Câncer para norte, havendo cada vez mais zonas banhadas pelo Mediterrâneo em avançado estado de desertificação. Nestas, incluem-se a parte sudeste da Península Ibérica e, em Portugal, a zona entre o rio Guadiana e a fronteira espanhola.
A par das alterações climáticas, o uso excessivo ou inadequado dos solos, faz com que cada ano que passa a desertificação caminhe para a Meseta Central, onde está implantada Madrid.
À medida que a desertificação do interior avançar, as populações deslocar-se-ão para zonas mais ricas em água, e Madrid sofrerá as consequências directas deste estado de coisas.
MM

terça-feira, outubro 17, 2006

Do Alfarrabista

Da Livraria Vieira - Livreiros Alfarrabistas, Porto, chegou este livro de Pedro Homem de Mello “Cartas de Inglaterra”.
De entre os poemas que o livro, escolhemos o abaixo transcrito.
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BANDEIRA AZUL E BRANCA
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-Será teatro?
- Sempre fui actor…
Sempre menti, mesmo a falar verdade!
Se a voz da morte, ingénua, persuade,
Ouvi-me!
Ouvi-me!
Ouvi-me,
Por favor!

Trago nas veias glóbulos de Arzila
E, desta vez (eu juro-vos!) não minto.
- Nuno Gonçalves por Afonso Quinto,
Armado cavaleiro, ainda vacila…

Oiço o Povo, fiel à Monarquia:
- Bem antes de, no Porto, andarem cães,
Homens (dos teus!) já havia
Em Atães.

E hei-de, cadáver, sentir,
Firme, firme em cada anca
(- Venho de Alcácer Kibir…)
Nu, o meu corpo embrulhado
(Como se farda um soldado)
Na bandeira azul e branca!
in, Cartas de Inglaterra, p.114/115

segunda-feira, outubro 16, 2006

De regresso ao PREC

Um grupo de subsidiodependentes e acólitos tomou conta do Teatro Municipal Rivoli, no Porto.
A cultura é para todos, segundo reza a Constituição da República. Porém, para aquela gente a cultura que fazem é só para alguns, uma minoria de esquerda que não tem pejo em aviltar a consciência da maioria dos portuenses, e dos portugueses, com aconteceu no Teatro Nacional de S. João, também no Porto, com a peça racista “Negros”.
Por todas as razões, é bom recordar o artigo que Rui Rio escreveu neste Verão no semanário “Expresso”
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Contrastando com a violência verbal daquela esquerda pseudo-cultural, a correcção de um texto de D. Augusto César Alves Ferreira da Silva, que trazemos do mensal “Voz da Fátima”, para meditar. [mj]

Rui Rio

Rivoli: incoerências de ‘esquerda’
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EM PORTUGAL, a despesa pública representa cerca de 50% da produção nacional, sem entrar em linha de conta com os défices visíveis e invisíveis das diversas empresas públicas. Chegámos a este ponto porque, apesar de haver consciência do problema em largos sectores da sociedade, quem assume cargos políticos não tem, normalmente, coragem de fazer uma verdadeira racionalização estrutural dos gastos do Estado.
Está provado que a evolução negativa que o regime democrático sofreu com um preocupante enfraquecimento do poder político legitimamente eleito, levou a que o Estado tivesse cedido a entrar em demasiados domínios que não deviam dizer-lhe respeito. Dessa forma, asfixiou a denominada sociedade civil, acumulou défices sucessivos e foi aumentando os impostos de uma forma absurda e improdutiva. A agravar, temos todos consciência de que, na maioria dos domínios em que lhe compete actuar, o Estado não é competente e presta, normalmente, um serviço caro, insuficiente e de qualidade inferior.
Por isso, quem estiver consciente destes estrangulamentos e se dispuser a assumir um cargo de responsabilidade política tem a obrigação de ter a coragem necessária para procurar inverter esta grave situação e aumentar o potencial de desenvolvimento da nossa sociedade. Foi essa falta de coragem que levou a uma permanente cedência perante os interesses sectoriais e corporativos em presença e que, por consequência, atirou Portugal para o seu progressivo afastamento da União Europeia e para a degradação do nosso nível de vida, com particular reflexo nos estratos sociais mais desfavorecidos
Tive oportunidade de repetir este discurso vezes sem conta na Assembleia da República. Julgo que não terá valido de muito, mas, uma vez na presidência da segunda cidade do país, tenho a obrigação de ser coerente e de não temer as críticas.
Foi por isso que o executivo portuense decidiu entregar a gestão do Rivoli a uma entidade privada. No meio de alguma mentira que foi escrita e de muita verdade que foi escondida, julgo que faz todo o sentido que, apesar do regime vigente, o presidente da cidade do Porto também tenha algum espaço para explicar as razões da decisão.
Seria bom que se soubesse que a Câmara do Porto gastou, no meu anterior mandato, 13,5 milhões de euros com os dois teatros municipais, o Rivoli e o Campo Alegre. Seria bom que as pessoas tivessem acesso a esta informação complementar: que, no mesmo período de tempo, gastou 5,5 milhões a reabilitar escolas, 6,9 milhões com a acção social, 6,5 milhões com a manutenção de todos os equipamentos desportivos e a promoção da prática desportiva. Números do meu anterior mandato, porque se recuasse mais no tempo o cenário seria bem mais desagradável.
Só o Rivoli custou à Câmara 11 milhões de euros; 1500 contos por dia. E apenas cobriu com a bilheteira 6% das suas despesas. O resto, 94%, foi pago pela Câmara, ou seja, pêlos contribuintes. E pois esta a realidade que deu origem a toda a polémica.
Entre a hipocrisia, a histeria dos subsidiodependentes, os fretes jornalísticos e, acima de tudo, o desprezo pela forma como se gasta o dinheiro público, de tudo voltai a ver um pouco nesta polémica
Fui eleito para cumprir o meu projecto e não o dos que perderam fizesse o contrário estaria, cobardemente, a trair quem em mim votou.
A minha primeira prioridade coesão social; que se faz com investimento em áreas estratégicas que há muito defini e que, com clareza, submeti ao sufrágio dos portuenses. Não se faz gastando mais do dobro em espectáculos sem público que o que se investe na reabilita de escolas ou na intervenção social.
Os que nos jornais e na Assembleia da República têm criticado os 1,8 milhões de euros que a Câmara despendeu com o seu programa Porto Feliz, de combate à exclusão social, dizendo que é muito dinheiro são exactamente os mesmos que, em paralelo, querem continuar a gastar pelo menos, 11 milhões num teatro incapaz de gerar receita própria e de se abrir a toda a cidade.
Será, no entanto, gente que, sobre isto, tem um argumento mediaticamente fulminante que arrasa tudo o que aqui escrevi: «O Rui Rio passa de um inculto economicista, e nós, como somos de «esquerda», admitimos que se duvide que estamos sempre do lado dos pobres»
RUI RIO
PRESIDENTE
DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO
in, Expresso – 5 AGOSTO 06 – 1º caderno, p. 14

D. Augusto César Alves Ferreira da Silva

Educação sexual, ainda será possível educar?
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Diante da cultura do nosso tempo, ocorre perguntar: ainda será possível educar ou devemos renunciar a fazê-lo? Com efeito, a sociedade acusa uma falência acentuada, em questão de valores morais. E as ideologias totalizantes bem como a vaidade científico-tecnológica concorreram para desvalorizar as exigências do espírito. Assim, os educadores procuram adivinhar a filosofia que está por detrás da cultura hodierna, pois, deparam com enormes dificuldades na missão de educar para a liberdade, a tolerância, a paz, a responsabilidade e a sexualidade bem orientada. Mas sentem-se jogados por uma tendência mais personalista ou por uma técnica mais analítica.
Dai, que a responsabilidade dos pais e o seu pronunciamento, devam fazer parte integrante do processo educativo.
- Mas, hoje, ocupamo-nos da educação sexual, cujo conhecimento é necessário aos jovens e aos adultos. E não se pode reduzir a uma simples análise psicológica. Pois, o homem é mais do que isso: é um mistério de vida e transcendência, em cujo dinamismo a sexualidade toma parte. Como? Valendo-se do corpo, em ordem à felicidade? Antes, influenciando a pessoa toda, no âmbito do seu mistério e na intimidade da sua personalidade. Por isso, é de toda a conveniência orientar correctamente a educação sexual desde o princípio, para que os traumas não venham a surgir, nos anos seguintes. E é sabido que há adultos impreparados para situações difíceis, por causa dessa lacuna. Mas, diante duma cultura tão permissiva e provocadora, como a nossa, deve fazer parte do projecto a informação, a educação dos sentimentos, o respeito, a ascese e a oração. Assim:
- As crianças (meninos e meninas) devem aprender a estimar a sua natureza sexuada, a fim de descobrirem com naturalidade os seus impulsos e de os saber dominar, em ordem à maturidade. E isso obtém-se graças a uma sã e afectuosa convivência com os pais, que vão dando têmpera adequada à mentalidade dos filhos e vão esclarecendo com delicadeza a sua natural curiosidade. Quando, nesta idade se permitem desvios (ou se provocam), dificilmente se hão-de corrigir mais tarde. É por isso que os pais devem acompanhar com interesse e responsabilidade os filhos no âmbito da escola, da catequese e dos grupos, para que a socialização dos conhecimentos se faça com mérito e sem atropelos: informando-se junto dos encarregados e dialogando com as crianças. Também, adoptando alguns critérios que ajudem nesse trabalho: a verdade, a serenidade, a integração no âmbito do amor, a adequação ao crescimento. Os jovens (adolescência e juventude) deparam com um estado de incerteza que lhes põe muitas perguntas: sobre a consciência da própria individualidade sexuada e suas implicações, sobre a profissão a adoptar, sobre a vocação a seguir… Na adolescência, a atenção dos pais é indispensável e deve antecipar-se à convivência do grupo. Pois, a permissividade da cultura ambiente mostra-se perigosamente subjectiva e sugere experiências arriscadas para o desenvolvimento físico e espiritual desta idade. É necessário, também, que os educadores da fé se associem aos pais. A idade adulta precisa de ter em conta que (no âmbito da sexualidade) o matrimónio representa a meta do desenvolvimento psíquico do indivíduo. Com efeito, ser marido e mulher, ser pai e mãe, representa valores não absolutos, mas que colaboram com o crescimento e a felicidade. É ocasião de dar sentido à vida, dentro ou fora do matrimónio, desde que a renúncia seja objecto de uma escolha livre e compensada com uma actividade apostólica generosa (espiritual, sobretudo). A ancianidade também deve ser ajudada, ma tendo em conta a história pessoa o ambiente cultural e a concepção sexual da vida. Sobretudo levando a compreender que a vida tem sempre m significado positivo e um sentido de esperança. Antes de estar convencido disso o ancião dificilmente aceita ajuda. A menos que a fé propicie luz e colaboração. Pois, os cônjuges que atingem uma idade avançada, guiados por razões de fé, experimentam as condições ideais para fecundar de respiração infinita o amor humano, vivendo-o na graça do sacramento (símbolo da uma união de Cristo com a Igreja). Enfim: a educação sexual, ajudada pela fé e pela ciência, servirá tanto melhor o homem, quanto mais se libertar da pretensiosidade do materialismo. E a presença de Jesus (sua palavra, seu exemplo e sua doutrina) é o melhor tónico para a educação (e a educação sexual também).
D. Augusto César
Bispo Emérito de Portalegre
- Castelo Branco
in, Voz da Fátima, 2006-10-13, p.3