\ A VOZ PORTALEGRENSE: fevereiro 2022

sexta-feira, fevereiro 18, 2022

José Sócrates - Há que não esquecer!

quarta-feira, fevereiro 16, 2022

Mário Silva Freire e Faria de Vasconcelos

Faria de Vasconcelos: 

para uma aprendizagem ao longo da vida

Mário Silva Freire

Professor coordenador aposentado do Instituto Politécnico de Portalegre, perito orientador, segundo o modelo de Faria de Vasconcelos, pelo Instituto de Orientação

Introdução

Uma pessoa deve ser avaliada, fundamentalmente, pela obra que realiza. E se essa obra, depois da pessoa morta, deixa rastro, se dela permanece algo que contribuiu para a valorização do Homem, se ela inspirou novas realizações que vão no mesmo sentido, então essa obra merece ser estudada e divulgada.

Ora, Faria de Vasconcelos é um dos nomes maiores das Ciências da Educação e da Psicologia em Portugal da primeira metade do século XX. A sua obra, porém, talvez não tivesse sido tão suficientemente conhecida se não houvesse o trabalho excepcional levado a cabo pelo Professor José Ferreira Marques, ao organizar as Obras Completas de Faria de Vasconcelos. Na verdade, foi este Professor e Investigador que trabalhou a sua obra, recolhendo e ordenando cronologicamente os cerca de duzentos títulos entre livros, conferências, artigos, comunicações a congressos nacionais e internacionais. Todos os títulos foram organizados em 7 grossos volumes e publicados pela Fundação Calouste Gulbenkian. Cada volume tem, a iniciá-lo, um estudo do Professor Ferreira Marques que historia e enquadra os textos ali contidos.

Apesar da grandeza e profundidade da Obra de Faria de Vasconcelos, ele tornou-se mais conhecido no estrangeiro do que em Portugal. Basta dizer-se que o seu livro Une école nouvelle en Belgique, a sua obra de maior divulgação, editado em 1915, em Bruxelas, teve tradução em língua inglesa em 1919, em língua espanhola em 1920 e só 100 anos depois, em 2015, conheceu a tradução em língua portuguesa (Vasconcelos, 2015). Por isso, o Professor Manuel Ferreira Patrício diz na revista Seara Nova, secção Memória, que a sua participação nesta revista foi uma ocasião de “contribuir para quebrar o pesado silêncio que estranhamente caiu sobre uma figura tão grande, notável e séria de intelectual e cidadão” CITATION Pat10 \l 2070 (Patrício, 2010).

António de Sena Faria de Vasconcelos Azevedo nasceu em Castelo Branco.

Em 2019, foram celebrados nesta cidade os 80 anos do seu falecimento (Agosto de 1939) com um colóquio e o lançamento de um livro de vários autores, coordenado pelo Professor Ernesto Candeias Martins (Martins, 2019), sobre as diferentes vertentes, no âmbito da educação, que mereceram o estudo de Faria de Vasconcelos.

Este artigo tem por objectivo dar uma breve panorâmica sobre a intervenção cívica e a obra psicopedagógica, no estrangeiro e em Portugal, de Faria de Vasconcelos.

Tendo este ilustre pedagogo nascido em Março de 1880, este artigo constitui, igualmente, uma homenagem à sua memória, neste ano de 2020, 140 anos após o seu nascimento.

Faria de Vasconcelos, um pedagogo no mundo

Filho e neto de juízes, não admira que cursasse Direito, terminando-o em 1901, na Universidade de Coimbra.

Logo após o termo do curso, em 1902, já estava inscrito na Universidade Nova de Bruxelas, na Faculdade de Ciências Sociais. Dois anos lhe bastaram para terminar o doutoramento, “especializando-se em questões psicológicas e pedagógicas” (Marques, 2012, p. 1).

Entre 1904 e 1914 Faria de Vasconcelos regeu a disciplina de Psicologia e Pedagogia na Universidade onde adquiriu o seu grau académico. Entretanto, quase desde o início da sua estadia na Bélgica, envolveu-se profundamente no Movimento da Escola Nova, de que eram expoentes máximos Edouard Claparède, Adolphe Ferrière e Pièrre Bovet. Estes três grandes nomes do Movimento estavam a trabalhar no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra (Suíça).

Dando corpo à Escola Nova, Faria de Vasconcelos cria em 1912, próximo de Bruxelas, em Bierges-Lez-Wawre, uma Escola que tinha como propósito pôr em prática o modelo definido pelo Bureau International des Écoles Nouvelles. Dos princípios em que assentou, dos objectivos que pretendeu alcançar, das actividades que desenvolveu em Bierges, nasceu o livro Une école nouvelle en Belgique. Esta foi, sem dúvida, a sua obra que maior expansão teve na altura e que ainda hoje é uma referência no panorama pedagógico internacional.

Foi membro da Comissão Executiva da Sociedade Belga de Pedotecnia.

Residindo na Bélgica, Faria de Vasconcelos não se divorciou do seu País, tendo participado no enriquecimento cultural de Portugal cuja Monarquia estava a dar os seus últimos suspiros. Assim, ele proferiu uma série de palestras na Sociedade de Geografia de Lisboa, promovidas pela Liga da Educação Nacional, as quais se destinaram a professores do Ensino Primário; elas foram, depois, compiladas e publicadas em 1909, sob a designação de Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental.

Com o início da I Grande Guerra e com a invasão da Bélgica, termina a sua actividade quer como professor na Universidade, quer como director da Escola de Bierges. Vai, então, para a Suíça.

Neste país, Faria de Vasconcelos começa a trabalhar com Claparède, Ferrière e Bovet, no Instituto Jean-Jacques Rousseau. Profere conferências, muito especialmente sobre a Escola que fundou em Bierges, dos princípios que a orientavam e dos resultados que obteve. Daqui resultou o livro, atrás referido, editado em Genebra.

Por indicação de Ferrière às autoridades cubanas, dirige-se para Cuba.

Neste país, Faria de Vasconcelos orienta a Reforma Pedagógica de 1915, exercendo o cargo de Inspector Especial. Funda, igualmente, em Cuba, Escolas Novas, tentando repetir a experiência belga de Bierges.

Em 1917 ruma para a Bolívia, onde desenvolveu uma obra notável no âmbito das Ciências da Educação quer na formação de professores, quer como conferencista, quer como autor de artigos.

Em La Paz, na presença do Ministro da Instrução Pública, faz a conferência de inauguração do Instituto Normal Superior, como director da secção de Ciências da Educação (ibidem, p.4).

Em Sucre, onde assumiu as funções de director e professor da Escola Normal, publicou um Syllabus do Curso de Gestão e Organização das Escolas. Trata-se de um livro que comunica a informação do curso e define metas, objectivos e responsabilidades. Fez sair, ainda, na Revista Pedagógica, vários textos onde expõe as suas ideias em vários domínios da Didáctica tão díspares como a metodologia das Ciências Naturais, as inovações a introduzir no ensino dos Trabalhos Manuais ou as novas maneiras de actuar nos jardins-de-infância bolivianos.

Implica-se, também, na acção política, tendo tomado posição a favor da Bolívia, pelo facto de o Chile se ter apropriado de todo o litoral, impedindo este país, assim, de ter acesso ao mar. Esta sua posição foi tomada na Sociedade das Nações, uma organização internacional fundada em 1919, na sequência da I Guerra Mundial, onde as potências vencedoras se reuniram para negociar um acordo de paz.

Faria de Vasconcelos e a sua obra em Portugal

Nos finais de 1920, Faria de Vasconcelos regressa a Portugal, vindo da Bolívia, agora para se dedicar de corpo e alma ao seu País.

Tão vasta é a sua obra aqui publicada, que apenas se referirão aqueles títulos e actividades cujo significado se julgaram mais relevantes.

Na segunda década do século XX gerou-se em França um movimento, as Universidades Populares, tendo em vista contribuir para a educação geral do povo. Esta educação era feita através de filmes, bibliotecas e conferências. Portugal não ficou alheio a este movimento. Ora, Faria de Vasconcelos, chegado ao País, de imediato se implicou nesta Universidade, a Universidade Popular Portuguesa (U.P.P.). Esta Universidade, dizia ele num artigo de 1921, na Revista Educação Popular: A U.P.P.

“tem uma vida própria, organismo seu. O seu título é claro e preciso, é nitidamente uma obra de educação e de instrução popular. Não é um centro de estudos e de investigações científicas, mas somente um centro de difusão de conhecimentos e de cultura espiritual entre o povo.” (Vasconcelos, O que deve ser a Universidade Popular Portuguesa, 2006, p. 3)

Entre os muitos projectos que ele tinha em mente era o de uma educação para o povo. No mesmo artigo ele refere, no âmbito da Universidade Popular Portuguesa, a

“criação dum Instituto de Orientação Profissional, destinado a esclarecer os pais e os filhos na escolha da carreira mais apropriada às aptidões do indivíduo, à semelhança do que hoje se faz em todos os países cultos.” (ibidem, p.8)

Ainda no ano de 1921, surge a revista Seara Nova, em que a política, a cultura, a crítica e a educação eram temas relevantes. Nela ir-se-ia encontrar Faria de Vasconcelos, como co-fundador, ao lado de Raul Proença, Jaime Cortesão, António Sérgio e de alguns outros intelectuais que pretendiam que a intelectualidade portuguesa se aproximasse mais da realidade.

De destacar, na colaboração nesta Revista, os artigos intitulados Bases para a Solução dos Problemas da Educação Nacional que Faria de Vasconcelos escreve em 1921 e 1922. Logo no início desta rubrica ele refere que

“não basta dizer que é preciso reformar a educação e a instrução e convertê-las em funções adequadas às necessidades de toda a ordem que experimentamos (…). Importa saber em que sentido devem fazer-se as reformas e como levá-las à prática. É indispensável conhecer as condições às quais devem obedecer a sua concepção e execução (…); uma condição essencial reside na maneira de fazer as reformas, na necessidade de proceder com tino, com reserva, com verdadeiro espírito científico, evitando as aplicações em globo, as generalizações imprudentes, que resultam de um ardor ideológico, que nem sempre tomam em conta as realidades palpáveis e que tantas vezes, para acabar com o que há de mau, destroem o que há de bom.” (Vasconcelos, Bases para a soluçãodos problemas da Educação Nacional, 2006, p. 78)

Como estas ideias ainda hoje têm actualidade!

Como professor de Pedagogia da Escola Normal Superior de Lisboa, onde iniciou funções em 1921, decorre a publicação de duas obras: uma, a primeira série de Problemas Escolares, a que lhe junta uma segunda série, em 1929; a outra, Didáctica das Ciências Naturais, de 1923, era a versão portuguesa de um trabalho anteriormente publicado, em espanhol, na Bolívia e de que seria o primeiro volume, aliás o único que veio a público, de um projecto de colecção de didácticas que incluía mais 10 disciplinas.

Em 1922 apresentou-se a concurso de provas públicas, na Faculdade de Letras de Lisboa, com a dissertação Ensaio sobre a Psicologia da Intuição. Integrou, a partir desta data, o quadro docente da Faculdade, assegurando até à sua morte a regência de várias cadeiras, entre as quais, a disciplina de Psicologia Geral.

Participou com António Sérgio na proposta de lei sobre a reorganização do ensino, apresentada para discussão pública, pelo ministro João Camoesas que, aliás, também era elemento activo quer da Seara Nova, quer da Universidade Popular.

O ano de 1925 constituiu, em Portugal, um dos marcos mais importantes para a Orientação Vocacional com a criação do Instituto de Orientação Profissional (I.O.P.). Faria de Vasconcelos foi o seu fundador e primeiro director. Já antes desta data ele, em vários artigos, se tinha referido à importância da escolha de uma profissão, de como ela não deve ser fruto do acaso mas de um processo em que estariam em jogo quer as capacidades da pessoa, quer o conhecimento que ela tem das profissões, quer as características exigidas pelo exercício dessas mesmas profissões.

Vários vertentes marcaram a acção deste Instituto:

Uma, foi o estudo da Psicologia, nos seus aspectos teóricos e experimentais, aplicado à Orientação e Selecção Profissionais. Neste campo de intervenção situavam-se o intercâmbio com instituições científicas estrangeiras congéneres e os trabalhos dentro do Instituto e junto da comunidade.

As publicações do I.O.P. foram uma outra marca deixada por Faria de Vasconcelos: o Boletim do Instituto de Orientação Profissional, com artigos de natureza científica da autoria de investigadores nacionais e estrangeiros ligados a esta área e as Monografias Profissionais, com o estudo, segundo várias perspectivas, de algumas profissões. A partir de 1969, estas publicações deixaram de existir.

O Curso de Peritos Orientadores, a outra marca do Instituto, visou formar especialistas no domínio da orientação e selecção profissionais que pudessem actuar quer junto das escolas, quer das empresas. Tratava-se de um Curso presencial de dois anos lectivos a que só tinham acesso 10 candidatos por ano, médicos escolares e professores efectivos, já com a devida formação pedagógica (Curso de Ciências Pedagógicas, Estágio e Exame de Estado). A conclusão do Curso só era feita após a discussão pública de um trabalho de natureza investigativa, a realização de três monografias profissionais e a prestação de provas práticas, escritas e orais nos domínios da psicologia e da orientação e selecção profissionais. O Curso de Peritos Orientadores esteve suspenso entre 1948 e 1960. A sua reabertura, segundo o modelo criado por Faria de Vasconcelos, devido à sua extrema exigência e difícil compatibilização com o exercício profissional, durou até 1969. A partir desta data, o Instituto de Orientação Profissional afasta-se da directriz traçada pelo seu fundador e o Curso de Peritos Orientadores sofre uma alteração profunda. Alargou-se a base de recrutamento e todas aquelas provas e trabalhos por que tinha que passar o candidato a Perito Orientador deixaram de existir.

Mostrando a importância da existência do Instituto de Orientação Profissional, num escrito de 1926, um ano depois da criação deste organismo, Faria de Vasconcelos, após ter tecido considerações sobre a importância da escolha profissional e do desprezo que votavam a este tema os adolescentes, os pais e as escolas, referiu o que na época já se fazia noutros países. Assim, nos Estados Unidos, durante o período da I Guerra Mundial, já existiam instituições para dar resposta ao problema da escolha profissional; na Inglaterra, em 1910, o Education Act estabelecia a criação de comissões de orientação profissional. Indica, depois, o que se estava passando na Suíça, Holanda e Bélgica em que os principais centros populacionais eram servidos por institutos “modelares”, segundo dizia, de orientação profissional. Na Alemanha, em 1921, diz Faria de Vasconcelos, 465 institutos de orientação profissional estavam em funcionamento e na altura em que escrevia o texto (1926) o seu número estava a aproximar-se do dobro. Quanto à França, tinha sido criada uma direcção de serviços de orientação profissional e que nas principais cidades francesas já funcionavam institutos de orientação profissional. Quanto à Espanha, referiu a existência de um instituto “modelar” de orientação profissional em Barcelona. (Vasconcelos, O Instituto de Orientação Profissional "Maria Luísa Barbosa de Carvalho", 2009, pp. 5-15)

Faria de Vasconcelos não descansa. E assim, a partir de 1925, no mesmo ano em que funda o I. O.P., acumula com a direcção da Revista Escolar. Esta publicação foi fundada em 1921 e, inicialmente, destinava-se aos professores do ensino primário. Faria de Vasconcelos amplia-lhe o seu âmbito e procura apresentar ideias e experiências pedagógicas feitas no mundo. Assim, para além da temática da orientação profissional, ele vai escrevendo sobre muitos outros temas como a leitura silenciosa, o self-government na escola, os trabalhos manuais…, até 1932.

Em comunicação apresentada em 1931, numa reunião da Associação Internacional para a Protecção da Infância, que decorreu em Lisboa, ele representou o Instituto de Reeducação Mental e Pedagógica, fundado no ano anterior. Ora, ele verificou que haveria, na altura, entre a população escolar, cerca de 30-40% de crianças com défices em várias áreas do desenvolvimento, e que estes se deviam quer a dificuldades de memória, atenção, vontade, linguagem, etc., quer por não compreenderem o que estudavam nem progredirem, não “por defeito de desenvolvimento mental” mas pela maneira como aprendiam. Por isso, ele diz nessa comunicação que

“Le but de l’Institut consiste precisément dans la réeducation mentale et pédagogique de ces enfants, de façon à leur permettre soit récuperer leurs conditions normales, soit d’atteindre le maximum du développement dont ils sont susceptibles.” (Vasconcelos, Monographie de L'Institut de Reéducation Mentale et Pédagogique, 2009, p. 437).

Embora, segundo as palavras de Faria de Vasconcelos, este Instituto se apresentasse como uma instituição cheia de futuro, o seu tempo de existência foi efémero.

Como atrás já foi referido, na sequência das suas lições como professor da Escola Normal Superior de Lisboa, Faria de Vasconcelos publicou um trabalho designado por Problemas Escolares. Nesta obra, incluindo material já publicado na 1ª e na 2ª série, o autor reorganiza-o, junta-lhe outro, seja artigos publicados entre 1921 e 1933, seja o proferido em conferências. E assim nasceu, em 1934, a obra Problemas Escolares, em 2ª edição (Vasconcelos, Problemas escolares - 2ª ed., 2010, pp. 1-271).

Este trabalho constitui um dos pilares do pensamento pedagógico de Faria de Vasconcelos. Ele compõe-se por 5 partes: Filosofia da Educação; Educação Física e Higiene; Educação Manual; Educação Intelectual; Educação Artística, Moral e Social. As partes estão organizadas por vários capítulos cujos conteúdos explicitam os princípios, os métodos e os processos de cada uma delas.

Um outro grande empreendimento pedagógico em que Faria de Vasconcelos se empenhou foi o da chamada Biblioteca de Cultura Pedagógica (Vasconcelos, Biblioteca de Cultura Pedagógica, 2010, pp. 273-918 (vol.V) e pp. 1-478 (vol.VI)). Trata-se de uma obra que contém 15 capítulos, publicados entre 1933 e 1939, num total de 1123 páginas. Ela está organizada em torno de sete campos temáticos, a saber: Biologia Aplicada, Didáctica, Escolas Novas, Orientação Profissional, Pedagogia, Psicologia Aplicada e Sociologia Aplicada.

A Biblioteca de Cultura Pedagógica constitui o outro pilar estruturante, a par dos Problemas Escolares, do pensamento pedagógico de Faria de Vasconcelos.

Outros temas, fora do âmbito da Pedagogia e da Psicologia, foram abordados pelo Autor, tais como Filosofia, Biografia, Ficção…

Conclusão

O nome de Faria de Vasconcelos, apesar de em 2019 lhe ter sido feita uma homenagem na sua terra natal, e de estar prevista a publicação de mais um conjunto de estudos relacionados com este pedagogo em 2020, parece, ainda, não ter a notoriedade que mereceria.

Faria de Vasconcelos, para além de um estudioso, ele foi um dos pioneiros, a nível mundial, do Movimento da Escola Nova, com a sua escola de Bierges, na Bélgica, pondo em prática os princípios daquele Movimento.

Ele andou por terras latino-americanas, desempenhando vários cargos de política educacional, tendo levado àqueles povos o gérmen de uma nova maneira de aprender e de ensinar. Faria de Vasconcelos fez, ainda, a defesa dos direitos do povo boliviano, no âmbito do direito internacional da Sociedade das Nações.

Os seus trabalhos atravessam todas as fases da vida, desde a educação para a infância até à sua participação activa na difusão da cultura entre o povo. Mas Faria de Vasconcelos, com a criação do Instituto de Orientação Profissional, tornou-se o introdutor da orientação vocacional em Portugal.

Se ainda hoje muitas das suas ideias de vanguarda não foram cumpridas, outras continuam a ter plena actualidade.

Faria de Vasconcelos morreu com 59 anos de idade. Foi uma vida curta no tempo mas rica na participação cívica e na variedade e profundidade dos temas que estudou.

Bibliografia

_ Marques, J. F. (2012). Faria de Vasconcelos e as suas obras de psicologia e de ciências de educação. Lisboa: Academia das Ciências.

_ Martins, E. C. (2019). António S. Faria de Vasconcelos - Nos meandros do Movimento da Escola Nova: pioneiro da educação do futuro. Castelo Branco: Câmara Municipal de Castelo Branco.

_ Patrício, M. F. (2010). A Seara Nova no itinerário pedagógico de Faria de Vasconcelos. Seara Nova, Secção Memória, 1712.

_ Vasconcelos, F. d. (2006). Bases para a soluçãodos problemas da Educação Nacional. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1921-1925) (Vol. III). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

_ Vasconcelos, F. d. (2006). O que deve ser a Universidade Popular Portuguesa. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1921- 1925) (Vol. III). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

_ Vasconcelos, F. d. (2009). Monographie de L'Institut de Reéducation Mentale et Pédagogique. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1925-1933) (Vol. IV). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

_ Vasconcelos, F. d. (2009). O Instituto de Orientação Profissional "Maria Luísa Barbosa de Carvalho". In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1925-1933) (Vol. IV). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

_ Vasconcelos, F. d. (2010). Biblioteca de Cultura Pedagógica. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1936-1939) (Vol. VI). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

_ Vasconcelos, F. d. (2010). Biblioteca de Cultura Pedagógica. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1933-1935) (Vol. V). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

_ Vasconcelos, F. d. (2010). Problemas escolares - 2ª ed. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1933-1935) (Vol. V). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

_ Vasconcelos, F. d. (2015). Uma Escola Nova na Bélgica (Vols. Prefácio de Adolphe Ferrière; posfácio e notas de Carlos Meireles-Coelho). (A. C. Carlos Meireles-Coelho, Trad.) Aveiro: Universidade de Aveiro.

segunda-feira, fevereiro 14, 2022

"Donos disto tudo" - Jaime Nogueira Pinto

O que distingue uma democracia liberal de outros regimes é aceitar, na competição legal pelo poder, todos os partidos votados pelos cidadãos. Mesmo os iliberais.

O regime ou sistema democrático não é uma espécie de religião laica, com a transferência directa da infalibilidade do Deus do Ancien Règime – que pela Sua graça tornava sagradas as dinastias – para o conjunto dos cidadãos eleitores. É uma forma de governo que procura um modelo consensual, pacífico e ordeiro de institucionalizar a escolha dos representantes de uma comunidade nacional, de um povo.

A sua legitimidade não vem, assim, de uma qualquer superioridade ético-política, mágica ou misteriosa, de conteúdo revolucionário ou conservador; vem do facto de se socorrer de um processo histórico que, alicerçado na aceitação de determinadas regras de jogo e com base em princípios de liberdade de opinião e de respeito pela opinião dos outros, procura tornar governável o Estado. Como as opiniões são diferentes – excepto quanto à aceitação da prevalência da opinião maioritária – não pode haver descriminação de opiniões.

Os valores políticos, as normas de orientação colectiva, as regras sobre o público e o privado, o respeito pela vida, os usos e costumes permitidos ou punidos – são a expressão dos programas ou projectos políticos que os partidos admitidos a concurso, dentro da Constituição, propõem ou põem em discussão e levam a votos. Querer pôr este princípio em questão, é pôr em questão o regime democrático, é viciar o jogo, desencorajar a participação e corromper o sistema.

Vem isto a propósito da indignação, real ou simulada, em painéis de debate e discussão televisivos, contra um partido-pária que ousou apresentar como lema “Deus, Pátria, Família e Trabalho” – coisas, aparentemente, malditas, escandalosas e proscritas, por terem sido já o apanágio do “fascismo” doméstico do Estado Novo de Salazar.

Sobre a inutilidade da História das Ideias Políticas

A discussão sobre o “fascismo” do Estado Novo é uma discussão que não vale muito a pena ter, num caldo político, intelectual e social em que, por resignação, ignorância ou táctica, se aceita a palavra como sinónimo do antigo regime ou se esgrime como insulto indiferenciado.

De qualquer forma, o Manuel Lucena, que dava importância a coisas como a História das Ideias Políticas, tinha um argumento interessante e importante sobre o assunto, que talvez valha a pena aqui repetir: o Estado Novo tinha aspectos do fascismo-regime mas pouco ou nada tinha que ver com o fascismo-ideologia nem com o fascismo-movimento, até porque nascera da Ditadura Militar, e não de um movimento político revolucionário que disputara o poder nas ruas com comunistas e socialistas, fazendo depois da Marcha Sobre Roma um pacto com as forças conservadoras da sociedade italiana.

O Estado Novo resultara, primeiro, do fracasso dos seus antecessores, que tinham imposto um jugo oligárquico de 16 anos num quadro teoricamente liberal e “democrático”, mas que a violência tornara monopolista; depois, de uma vaga europeia autoritária, condicionada pela ameaça comunista; finalmente, de um contrato entre os militares, sem projecto político próprio, com Salazar, que tinha um projecto político. Há pontos comuns entre o projecto salazarista e o fascismo – o nacionalismo, o anti-parlamentarismo, o autoritarismo –, mas o fascismo (apesar da Concordata de Latrão) tinha um espírito nietzschiano, pagão, e era estatocrático, sendo o Partido, o PNF, um elemento essencial no poder e do poder. Bem ao contrário, o salazarismo era nacional-conservador e social-católico. Não pretendia, pela política, mudar a sociedade, mas antes mantê-la como estava. Pertencia à direita conservadora, enquanto o fascismo pertencia à direita revolucionária. Os fascistas – e Mussolini em particular – queriam, pelo menos ideológica e idealmente, “viver perigosamente”; Salazar queria que os portugueses vivessem habitualmente.

Assim também a União Nacional, ainda que fosse a única organização de cariz político permitida no Estado Novo, funcionava como uma mera plataforma para a selecção e apresentação de candidatos à Assembleia Nacional; era uma organização que, como tal, não riscava quase nada nas decisões políticas e à qual os ministros não tinham de pertencer. Ver o Estado Novo como um regime totalitário de partido único – como o hitlerismo, o fascismo italiano ou o comunismo soviético – é não ver ou falsear a realidade.

Deus, Pátria, Família, Liberdade, Igualdade, Fraternidade

“Deus, Pátria, Liberdade e Família” é uma divisa de Afonso Augusto Moreira Pena, o 6º Presidente do Brasil, entre 1906 e 1909. Pena era natural de Minas Gerais e distinguiu-se no movimento abolicionista. Foi várias vezes ministro durante o Império e um dos introdutores na República de um certo espírito tecnocrático e industrialista. Não terá sido propriamente um fascista, ou sequer um proto-fascista.

“Deus, Pátria, Liberdade e Família”, na versão de Pena, “Deus, Pátria e Família”, na versão salazarista, ou “Deus, Pátria, Família e Trabalho” na versão de André Ventura, são enunciados de valores políticos, nacionais e conservadores que, com esta enumeração ou outra, estão presentes na maioria dos ideários conservadores europeus e euroamericanos. Estes e outros valores proclamados – tais como Liberdade, Igualdade e Fraternidade ou Laicismo, Humanidade, Progresso, Socialismo (que têm uma bem mais longa e sangrenta história totalitária e de manipulação) – tanto podem ser defendidos autoritariamente, em ditadura, como podem ser defendidos democraticamente, em democracia.

Quando já não é proibido proibir

Achar que Deus, Pátria e Família é “fascista”, mesmo na pouco esclarecida qualificação do regime português, só pode resultar de ignorância ou táctica. Achar que, a partir de um centro enviesado à esquerda que se autoproclama democraticamente imaculado, podem traçar-se diabólicas linhas vermelhas para um lado e angélicos arco-íris inclusivos para o outro, é mau sinal. Achar que, independentemente da votação obtida, há um partido e um conjunto de eleitores que devem ser, à partida, excluídos da possibilidade consagrada pela praxe constitucional de ver eleito um candidato, “seja ele quem for”, a vice-presidente do Parlamento é, pela lógica do regime, indefensável. Achar natural que esse mesmo partido fique a um canto da Assembleia com orelhas de burro enquanto os “partidos de bem” avançam, cantando e rindo, para as “conversas em família” com o primeiro-ministro que quer falar com todos, é uma prática de discriminação aleatória que tem tudo para correr mal.

É esta narrativa e esta prática ideologicamente enviesada para aguentar no poder e defender os interesses dos que se assumem como “mais iguais que os outros” que começa a levantar cada vez mais dúvidas a cada vez mais pessoas. Afinal, o que distingue a democracia liberal dos outros regimes é a aceitação e integração, nas suas regras de jogo, de todas e quaisquer forças políticas que, independentemente dos valores que defendam, actuem pelas vias pacíficas e de acordo com as leis constitucionais e civis. Mesmo as iliberais.

Não creio, por isso, que o presente policiamento ideológico e as “linhas vermelhas” com que se procura segregar um partido e os seus eleitores vão sequer beneficiar quem está no poder e muito menos o regime. Limitam-se a expor sob uma luz cada vez mais crua a exemplar democraticidade dos que se acham “donos disto tudo”.

Jaime Nogueira Pinto

https://observador.pt/opiniao/donos-disto-tudo/

quinta-feira, fevereiro 10, 2022

Direita 'champanhe'


Pois...

Não está assinado, mas reflecte o que eu penso!

Mário Casa Nova Martins

terça-feira, fevereiro 08, 2022

Desabafos 2021/2022 - X

Provou-se uma vez mais que Portugal é sociologicamente socialista. Mais do que de esquerda, é socialista, daí se compreender que em termos económicos o país está mais perto de uma Venezuela ou de uma Cuba do que da larguíssima maioria dos países da União Europeia.

Parece exagero, mas não é. A economia portuguesa é dependente das ajudas económicas e financeiras da União Europeia. Portugal, fruto do socialismo, já teve desde Abril de 1974 três bancarrotas. Mas que interessa isso se não tem faltado «pão e circo»!

Mas a situação está lentamente a mudar. A derrota do PSD fará com que de uma vez por todas se defina em termos ideológicos. Se persistir em dizer que é social-democrata, torna-se desnecessário porque esse espaço está ocupado pelo PS. E definhará inexoravelmente.

Desde Abril de 1974 que havia a direita possível. Hoje já não é assim.

O Iniciativa Liberal veio ocupar o espaço de uma direita urbana, liberal na economia e nos costumes. O Chega veio preencher o espaço da direita tradicional, que defende uma moderada intervenção do estado na economia e que é conservador nos costumes.

Chega e Iniciativa Liberal podem continuar a crescer eleitoralmente no futuro se se mantiverem fiéis aos seus princípios e valores.

Finalmente há uma direita em Portugal com expressão eleitoral e parlamentar. Mas o caminho não é fácil, e quanto maior influência tiverem, Iniciativa Liberal e Chega, maiores serão os ataques, as calúnias e as mentiras contra eles, vindos de quem se diz democrata, mas que se julga com superioridade moral e dono do regime.

 A esquerda em Portugal nunca teve uma verdadeira oposição de direita, mas agora começa a tê-la, isso deixa-a intolerante. Coisa que sempre foi, dado julgar-se a tal dona do regime e que diz ter a tal superioridade moral. Enfim.

Por tudo isto, o dia 30 de Janeiro de 2022 marca o início de uma gloriosa viagem de direita em Portugal!

Mário Casa Nova Martins

7 de Fevereiro de 2022

Rádio Portalegre