\ A VOZ PORTALEGRENSE: Jaime Crespo

terça-feira, setembro 28, 2010

Jaime Crespo

(ouvindo lightnin' hopkins greatest hits…)

reflexões acima do joelho motivadas pela leitura do livro "e se eu gostasse muito de morrer" de rui cardoso martins

portalegre. cidade que não passou de aldeia grande. terra de lagóias. abençoadas margens de baco.
a jornalista que acompanhou o escritor à cidade chamou-lhe "twin peaks". desta nunca me lembrei eu.
mas há anos, quando ainda por lá escorregava na calçada inclinada da rua do comércio, achei-a parecida à cidadezinha que servia de fundo a um policial francês e que tinha o sugestivo título de "balada da cidade triste", de pierre simiac (les femmes blafardes, no original).
curiosamente foi no cinema que encontrei a denominação perfeita para a minha aldeia natal, tolosa, no distrito de portalegre, nada mais nada menos que "dogville".
pois claro, já estão mesmo a ver os ambientes, twin peaks, cidade triste, dogville… é uma 5ª dimensão escondida ali num cantinho de portugal.

(a música passou para os ladysmith blackmambazo)

apesar de termos pisado as mesmas pedras da calçada e provavelmente petiscado nas mesmas mesas das sedutoras tascas marchão, david, escondidinho ou marmelo; bebido uns canecos no jóia, painel; cafézadas no alentejano, facha, central ou tarro (eu ainda as sorvi no finado plátano, hoje banco ou seguradora ou as duas coisas).
mesmo encontrando velhos conhecidos, tininho, matcha, pelo livro afora, nunca me cruzei com o autor. o pai sim, foi meu professor.
habituei-me a ler e a gostar de ler rui martins nas crónicas "levante-se o réu", primeiro através da internet, quando estava emigrado, depois sentindo bem o cheiro da tinta e o deslizar das páginas, sedosas, sedentas, entre os dedos.
vai ser com tristeza que hoje ao tomar da bica matinal não a acompanharei com o levante-se o réu de um lado e a crónica do pulido valente do outro. o meu pequeno almoço ficará mais só. mas temos que mudar e ir à vida senão paramos e ficamos com vontade de morrer. muita. não é rui?
o livro fala da morte mas é afinal uma autópsia, escrupulosa, muito bem feita, como aquelas que vemos nos filmes tipo csi em que não escapa nada, ao modo de ser portalegrense.
recomendo vivamente a leitura do livro. eu vou reler para ver se na pressa e extasiamento da primeira leitura não deixei escapar mesmo nada.

(muda o disco para carlos paredes – verdes anos)

o que poderei dizer do livro? que gostei, transmite na perfeição as vivências e ambientes da portalegre que conheci e me habituei a gostar (afinal é a minha primeira cidade). vidas e ambientes a adivinhar o drama e ele acaba sempre por chegar, por vezes da maneira mais cruel, inesperada e dolorosa.
por isso no alentejo gostamos muito de morrer.
felizmente muito menos de matar ainda que às vezes…

o livro é uma diversão pegada de leitura. dá prazer ler um livro assim, bem construído e bem escrito. vai de carrinho até ao episódio do bispo, aí embatuca um poucochinho, trava, haverá algumas contas mal ajustadas entre o autor e a igreja ou algum seu representante terreno? não é da minha conta apenas noto alguma quebra na fluidez da história.
ou seria eu que já estava cansado por ler de seguida sem parar pela tarde, noite, madrugada até manhã… entre as gotas grossas de chuva lá fora.
Jaime Crespo