\ A VOZ PORTALEGRENSE: março 2021

quarta-feira, março 31, 2021

Desabafos 2020/2021 - XV

O relatório "365 dias de pandemia", publicado no passado dia 18 de Março pela SIBS, empresa que gere a rede multibanco, analisa o impacto no consumo dos dois confinamentos e das restrições impostas pelo governo.

Hoje o comércio digital tem o dobro do peso, “subiu de 10% no 'antigo normal' para 18% no segundo período de confinamento”, face ao total das compras realizadas. Estes números demonstram “uma crescente adopção do canal digital”.

Por áreas, a alimentar e a secção de desporto são as que registam o maior crescimento de vendas on-line. O comércio alimentar aumentou 109% no primeiro confinamento e 97% no segundo, a venda de material desportivo subiu 114% no primeiro confinamento e 190% no segundo.

Aumentam as compras à distância, e nos pagamentos os consumidores evitam os contactos. A utilização de cartões com tecnologia ‘contactless’ está a aumentar de forma significativa. No segundo confinamento, 39% foram feitos com “contactless”, enquanto antes da pandemia estes pagamentos representavam apenas 12% do total.

As lojas físicas perderam vendas, sobretudo durante o primeiro confinamento. Entre 18 de Março e 3 de Maio, as compras nestes espaços caíram 47%, em comparação com igual período de 2019. Já entre 15 de Janeiro e 17 de Março de 2021, a queda homóloga foi de 29%.

A excepção a esta quebra são as mercearias e minimercados de bairro, onde as vendas aumentaram. Este sector “foi contra cíclico, por ter registado um número de transacções superior ao homólogo durante este ano de pandemia”.

As compras físicas e on-line nos transportes de passageiros e gasolineiras, além de outras operações relacionadas com mobilidade, que revelaram “diminuições significativas nas deslocações entre 18 Março e 3 Maio de 2020 (-64% face ao período pré-pandemia), e entre 15 de Janeiro e 17 de Março de 2021, onde a quebra na mobilidade em Portugal ficou pelos -45%”.

A análise destes dados pela SIBS mostra a gravidade da pandemia para a economia, que vai levar muito tempo a recuperar. Dias complicados estão no horizonte!

Mário Casa Nova Martins

29 de Março de 2021

Rádio Portalegre

terça-feira, março 30, 2021

Rotunda do Pirilau

ROTUNDA DO PIRILAU

Aquela que outrora era conhecida por Rotunda dos Dadores de Sangue, também conhecida pela Rotunda do Mamarracho, deu lugar a nova rotunda. O seu nome é ou será aquele que lhe quiserem dar, mas, por certo, sugestões de toponímia não faltarão.

É famosa e escultura de José Cutileiro, no alto do Parque Eduardo VII em Lisboa

Encomendada para celebrar o ’25 de Abril’, à sua forma simpática o Povo deu-lhe o nome de ‘PIRILAU’, o Monumento do Pirilau

O falo é sinónimo de fertilidade, e fértil será a terra que o tenha.

Lisboa já tem o seu, o ‘pirilau’. Será que Portalegre vai ter o seu, o ‘pirilau’ de Portalegre, o ‘pirilau’ portalegrense?

Portalegre terá aquilo que as suas Gentes quiserem.

Melhor, Portalegre tem aquilo que merece!

E Portalegre também mereceu um monumento ao qual as suas Gentes lhe possam dar, como em Lisboa, o nome de ‘PIRILAU’!

A dita rotunda foi a obras e delas surgiu uma chamada calçada portuguesa e no centro está implantando um objecto cilíndrico de notória altura.

A sua forma pode ser interpretada como um falo, daí se perguntar se, como em Lisboa, em Portalegre vai ter um monumento em forma de pirilau?

A assim ser, a dita rotunda pode muito bem ser baptizada com o simpático nome de Rotunda do Pirilau!

Sabe-se lá se a ideia do bonito monumento não partiu de uma Dama que, em final de ciclo, quer desta forma homenagear O Seu Mais que Tudo!!!

Que viva a Rotunda do Pirilau!

Mário Casa Nova Martins

sexta-feira, março 26, 2021

Tintin - Xavier Marabout 2

Xavier Marabout é um pintor francês que ousa imaginar uma vida sentimental em Tintin, através de quadros claramente inspirados em obras de Edward Hopper

quarta-feira, março 24, 2021

Tintin - Xavier Marabout 1

Xavier Marabout é um pintor francês que ousa imaginar uma vida sentimental em Tintin, através de quadros claramente inspirados em obras de Edward Hopper

segunda-feira, março 22, 2021

Jaime Nogueira Pinto - Educação

 Em 2003, quando ainda a procissão e o milénio iam no adro, Anthony Browne, um licenciado em Matemática por Cambridge, escritor, jornalista e colaborador do Times, publicou The Retreat of Reason – Political Correctness and the Corruption of Public Debate in Modern Britain. E a título de exemplo, começava por denunciar a cortina de silêncio com que, por puro pudor e paternalismo ideológico, a imprensa britânica tinha velado a incidência de HIV nas comunidades de migrantes africanos. E isso era só um vislumbre: a Grã-Bretanha, que “durante séculos tinha sido um farol da liberdade de pensamento, de credo e de expressão”, via agora “a sua vida intelectual e política acorrentada”, com “vastas áreas de conhecimento” excluídas do debate pelos novos moralistas.

Browne resumia depois a Longa Marcha do marxismo cultural, da escola de Frankfurt à contracultura euro-americana dos anos 60, e daí até à hegemonia académica, sobretudo nas Ciências Sociais e, mais especificamente, nos “Estudos” sectoriais, que as universidades norte-americanas irradiavam para o mundo.

E os “Estudos”, pós-coloniais, feministas, interseccionais, proto-LGBTQ+ – que, no seu melhor, começaram por ser sedutoras “paranóias de tipo interpretativo” com “a força e a estreiteza da loucura” (para usar a definição de Pessoa do “critério psicológico de Freud”), capazes de nos alertarem para realidades encobertas, de acordarem outros sentidos nas obras literárias, historiográficas ou filosóficas, de abrirem caminhos e campos de investigação e de criaram novas oportunidades de trabalho – foram tomados de assalto por zelotas.

Aconteceu também que o zelo destes zelotas, com o seu vocabulário esotérico (tanto mais complexo, sofisticado e “científico” na forma, quanto mais oco, medíocre e manipulador no conteúdo), se foi sobrepondo a tudo o resto… E foi seduzindo fundações burguesas e governos que, quais aristocratas francesas acarinhando nos seus salões as iluminadas ideias que haviam de cortar o pescoço aos seus filhos e netos, se foram rendendo ao charme discreto dos novos “sábios dos oprimidos”.

E assim os “Estudos” cresceram e multiplicaram-se, enchendo e dominando a academia e reinando sobre todos os animais exóticos da terra. E desdobraram-se em Centros, Fóruns, Iniciativas e Observatórios, subjugando aqui, domesticando ali, preservando acolá, mas observando sempre.

E eis que, em incansável demanda por opressores e oprimidos, por macro e micro agressões, por visões alternativas e por subvenções, os zelotas que, do alto dos seus observatórios de marfim, tinham começado por promover a nova moral, passaram a perseguir os recalcitrantes – passados, presentes e futuros. Cada tique de linguagem, cada acto, palavra ou omissão, cada desvio do pensamento correcto, neutro e inclusivo, cada cisco, por mais ínfimo, no olho de um “opressor”, ou de um autor consagrado ou de uma figura histórica celebrada, era escrupulosamente observado, pesado, medido, condenado. E não se pense que os “oprimidos” conheciam melhor sorte: a eles também se exigia que não saíssem do redil e que se cingissem à identidade em que os novos moralistas os encurralavam… É que se não parassem quietos e se não se deixassem ficar oprimidos como lhes competia, se começassem a pensar e a reivindicar individualidades e especificidades, como é que queriam que os detentores da nova verdade e da nova moral os libertassem, lhes arranjassem subsídios e empregos nos Centros, Fóruns, Iniciativas e Observatórios que eles controlavam e os sustentam?

“Pensamento correcto” foi uma expressão abundantemente usada pelos partidos comunistas nos anos 20 e 30; Mao Tsé-Tung repetiu-a incessantemente nos seus escritos. Correcto, era todo o pensamento que estava de acordo com a linha do Partido ou que batia certo com as categorias históricas e sociopolíticas cientificamente estipuladas pelo Grande Timoneiro. Fora dessa correcção, não podia haver pensamento – mas não deixava de haver consequências.

DO PENSAMENTO CORRECTO AO PENSAMENTO

NEUTRO E INCLUSIVO

Dir-se-á que agora, com o actual “pensamento neutro e inclusivo”, que actua essencialmente no condicionamento da linguagem, não há consequências. Ou não as haverá tão imediatamente brutais e fatais. Mas não deixa de haver supressão do pensamento “incorrecto”, ou seja, inibição do pensamento. E se a nova ortodoxia parece não aspirar já a um tradicional “assalto ao poder”, é só porque a influência constante e progressiva nas mentalidades, traduzida depois em leis e regulamentos, tornou o velho “assalto” irrelevante.

Fora do discurso consentido, todo o discurso poderá facilmente ser denunciado como “discurso de ódio”, ao sabor do zelo e da criatividade dos sacerdotes do novo credo e do seu Index. Acresce que esta ortodoxia é tendencialmente elitista, acarinhando os magos e desprezando os pastores, procurando colonizar preferencialmente, por doutrinação ou pressão, as elites funcionais – ou, para usar uma linguagem mais consentânea, “a população em cargos académicos, artísticos, mediáticos e empresariais”.

Mas se a resistência vem das maiorias que o pensamento “neutro e inclusivo” discrimina, como as classes médias profissionais, as massas populares e religiosas e o grosso da população “binária”; vem também das minorias que o mesmo pensamento cristaliza.

PORTUGAL NO BOM CAMINHO

É por isso que consideram urgente domar a linguagem e explicar ao povo e às crianças o novo credo. Para uma educação neutra, as identidades nacionais devem então ser substituídas por uma humanidade global, fluída, indistinta, volátil, inclusiva. Bandeiras, só talvez a do arco-íris, devendo a História nacional ser reavaliada à luz do que foram “verdadeiramente” os “chamados Descobrimentos”: nada mais do que uma empresa comercial lucrativa, racista, esclavagista e exploradora dos povos africanos e ameríndios.

E estamos no bom caminho: temos uma investigadora que quer anexar notas pedagógicas anti-racistas aos Maias de Eça de Queiroz, um deputado que quer destruir o Padrão dos Descobrimentos, uns anónimos que acham que vandalizar a estátua do Padre António Vieira é lutar contra o racismo, e um Conselho Económico e Social que acha fundamental para a nossa economia e para a nossa sociedade que se adopte uma nova linguagem. Não restam dúvidas: entre a profunda ignorância de quem aparentemente pertence à “população com baixa visão” mas que frequentemente descobrimos como parte da “população em cargos de gestão”, estamos mesmo no bom caminho.

São tempos estranhos para a razão e para o senso comum, sob estas acometidas orwellianas, tão apartadas de qualquer visão minimamente realista da natureza humana, da criatividade humana e do pensamento e da acção humana que têm tudo para acabar mal.

Segundo o novo código de Hollywood, para que um filme se candidate aos Óscares, deverá agora ter “pelo menos um actor ou uma actriz principais de etnias sub-representadas” (asiática, hispânica, afroamericana, nativa-americana); e o elenco secundário terá de ter, “pelo menos, 30% de mulheres, LGBTQ+ ou pessoas com incapacidade”, que deverão “estar também representadas, de alguma forma, no argumento”. Enfim, perante esta sua sequela gramsciana, empalidece, acabrunhado, o realismo socialista da Rússia de Estaline (que sempre tinha Dziga Vertov e Sergei Eisenstein).

É todo um novo catecismo laico, mas promovido com fúrias de Torquemada. Aplicou-se, consciente ou inconscientemente, um princípio de desconstrução marxista, que passou da “classe social” para outras determinantes. Onde, na Vulgata, havia Burgueses e Proletários, Exploradores e Explorados, Patrões e Trabalhadores, há agora o mais fluído binómio Opressor-Oprimido – ainda que com categorias igualmente inflexíveis, de raça, de género, de comportamento social e político.

E tal como Marx, Engels, Lenine e Trotsky, que não eram propriamente proletários, adoptaram “a teoria do Partido como vanguarda da classe operária” para puderem liderar a revolução, também os pioneiros da Correcção Política, que, na sua maioria, também não são propriamente “oprimidos de origem”, adoptam agora a teoria da vanguarda para poderem guiar e pastorear convenientemente os “novos proletários”. E assim como Marx e Engels sofriam com a adesão dos operários franceses e alemães ao bonapartismo ou ao socialismo patriótico, também os novos comissários políticos sofrem com os trânsfugas das modernas massas “minoritárias” ou “oprimidas” e sabem que não as podem deixar ao abandono. Têm de ser educadas e controladas. E, para isso, lá estão os capatazes, os quadros médios vigilantes, na Academia, no jornal ou na estação televisiva, prontos a seguir, por convicção, ignorância, ou dependência, a “linha geral” e correcta, a linha do Partido, e a punir os oposicionistas e os desviacionistas.

Para singrar neste mundo “neutro e inclusivo” há inúmeros filões a explorar, e as figuras e os escritores de outras épocas abrem toda uma vasta gama de apetecíveis e subsidiáveis possibilidades. E se ao ler Eça somos imediatamente confrontados com a ausência – e a necessidade, e a urgência – de notas pedagógicas anti-racistas, o mundo machista de Camilo, por exemplo, pleno de “discurso de ódio” contra “brasileiros”, de mulheres que acabam em conventos por paixões contrariadas, ou, pior ainda, que casam, têm filhos e estão contentes, afigura-se ainda mais necessitado de delações censórias. E Camões, e Gil Vicente, que riqueza para denúncias!

Lorena Germán, presidente do National Council of English Teatcher’s Comittee Against Racism and Bias in Teaching of English é um exemplo a seguir. À semelhança de Mao, que não gostava de Shakespeare ou o achava impróprio para as massas e por isso o proibiu durante a Revolução Cultural, Germán também não morre de amores pelo Bardo. Ou melhor, concede que “como qualquer outro dramaturgo” Shakespeare até terá um certo “mérito literário”, mas nada que ofusque a abjecta demonstração de “supremacia branca e colonialista” que os seus textos, e a importância que se lhes dá, exalam. E a violência, a misoginia e o racismo que descortina em Shakespeare, levam a professora a sugerir que se celebrem nas salas de aula “as vozes dos marginalizados”, até para mostrar aos estudantes “uma sociedade melhor”. Defende ainda que “é imperativo corrigir a mensagem que os educadores e os sistemas escolares dão às crianças”: Haverá uma linguagem “superior”? E qual deverá ser ela? Quais são as histórias verdadeiramente “universais”? Que História devemos transportar para o futuro?

CANCELAR SHAKESPEARE

Shakespeare não será, evidentemente, um dos eleitos, uma das vozes a transportar para o futuro. Até porque está longe de reunir os requisitos da nova linguagem e do novo pensamento neutro e inclusivo. É difícil encontrar um escritor onde a Humanidade, na sua grandeza e miséria, nos limites do sublime e da queda, no elenco dos sentimentos e dos sentidos, seja tão intrincada e completamente recriada – e isso, não só não é bom para as massas, como é, claramente, demais para a simplista e maniqueísta neutralização do pensamento que nos deverá guiar

Mas haverá palavras “neutras” para falar de paixão mais inclusivas do que as que Shakespeare usou em Romeu e Julieta? Será só de “branquitude” que nos fala quando disseca os caminhos da tragédia, da ambição e do poder em Júlio César? Ou quando nos confronta com o ressentimento, a malevolência e o ciúme, em Otelo? Sim, Otelo, o “Mouro”, ou o “Negro” de Veneza, o condotiere mercenário, integrado por Desdémona, mas olhado sempre como um “cristão-novo” pelos patrícios. E a revolta das “minorias”, não estará lá na tirada defensiva de Shylock, no Mercador de Veneza, ou na sombra de Caliban, na Tempestade? Pouco importa: deixámos de precisar de Shakespeare, que só por preconceito e por imposição racista resistiu a séculos de leitura; o que o mundo e os estudantes agora precisam, o que todos nós precisamos agora, e urgentemente, é de linguagem neutra e inclusiva.

Marx era um grande leitor e admirador de Shakespeare, lia-o aos filhos e a família chamava-lhe “O Mouro”, por causa da sua obsessão por Otelo. Via em Shylock o retrato do explorador e Timon de Atenas serviu-lhe de ponto de partida para uma reflexão sobre os paradigmas do ouro e do dinheiro. Mas isso eram outros tempos, tempos opressores, em que “a cultura” era mais depressa valorizada do que cancelada, e em que o pensamento não era ainda suficientemente neutro e inclusivo.

Felizmente, e para desgosto das Lorenas Germáns deste mundo, não são só as “maiorias opressoras” que reagem… Alguns dos mais qualificados membros pensantes das “minorias oprimidas” também fogem ao espartilho imposto, resistindo ainda e sempre à neutralização do pensamento.

A grande poetiza negra americana, Maya Angelou, estava bem ciente que Shakespeare era branco, inglês e do Renascimento, mas, recordando a sua própria condição marginal na Carolina do Norte dos meados do século XX, escreveu a propósito do Soneto 29 (aquele que começa “When, in disgrace with fortune and men’s eyes /I all alone beweep my outcast state”):

Shakespeare escreveu-o para mim, esta é a condição da mulher negra. Claro, Shakespeare era uma mulher negra. Percebo-o bem. Ninguém mais o sabe, mas eu sei que Shakespeare era uma “mulher negra”.

Estamos com ela. Resistimos e vamos resistir à neutralização do pensamento. Pelas maiorias e pelas minorias.

sexta-feira, março 19, 2021

Anselmo Borges e o fim do Cristianismo na Europa

Anselmo Borges é, segundo se diz, teólogo, além de professor na Universidade de Coimbra, e também é padre da Sociedade Missionária Portuguesa.

Homem acarinhado pela Esquerda, principalmente por uma Esquerda agnóstica e radical, símbolo do maior ‘modernismo’ que a actual igreja católica liderada pelo jesuíta Bergoglio tem e significa, também é cronista lido e incensado por aquela mesma Esquerda.

É importante ler Anselmo Borges. Lê-lo é estar a par do progressismo católico, das actuais vias que segue a Roma de Bergoglio. Ler Anselmo Borges é compreender as razões da descristianização da Europa. Anselmo Borges é actualmente o teólogo português mais radical.

Hoje já não é o tempo da marxista Teologia da Libertação. Aliás essa corrente radical não teve grande penetração na Europa, foi mais um fenómeno sul-americano, localizado, uma ‘via para o socialismo’, tentando a criação de novos paraguais jesuíticos.

Anselmo Borges escreve três textos no jornal «Diário de Notícias» sobre o fim do Cristianismo na Europa.

Dada a sua importância para se ficar a conhecer o que pensa sobre esta importante temática a corrente bergogliana, reproduzem-se, e a sua leitura está direçionada neste link:

https://avozportalegrense.blogspot.com/2021/03/fim-do-cristianismo-na-europa-segundo.html

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Filho do Vaticano II, discípulo de Bergoglio, Anselmo Borges quer uma igreja mais racional e menos espiritual. Hoje, com a liderança do jesuíta argentino, a igreja católica é mais uma Organização Não Governamental, ONG, do que uma Religião.

A posição borgiana sobre Fátima, é esclarecedora, «É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima» (1)

Em entrevista à revista “Sábado” de 6 de Setembro de 2018, afirma que «A Nossa Senhora não apareceu em Fátima e qualquer pessoa que não tenha metido a massa encefálica no frigorífico sabe isso».

Anselmo Borges tem contribuído para o fim do cristianismo na Europa com a sua teologia vaticanista. E a leitura dos seus três, repete-se, importantes textos, esclarecem a razão da descristianização da Europa, processo em acelerado movimento, a par da crescente presença e influência do islão, principalmente o islão radical.

As propostas, as ideias que defende nos textos para a inversão da situação na Europa são há muito conhecidas, estão no seguimentos de textos emanados do Concílio Vaticano II, cuja implementação têm contribuído para a desertificação de gentes e Almas da prática religiosa católica. A igreja vaticana de Anselmo e Bergoglio caminha para o ocaso.

Mas a Igreja Católica de João Paulo II e de Bento XVI, os Papas de uma nova Contra-Reforma, irá vencer as trevas! Os Seus Magistérios continuam a gerar Frutos. E Roma voltará ser Cristã.

Mário Casa Nova Martins

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https://expresso.pt/sociedade/2017-04-16-Padre-Anselmo-Borges-E-evidente-que-Nossa-Senhoranao-apareceu-em-Fatima

Fim do Cristianismo na Europa, segundo Anselmo

Fim do cristianismo na Europa? 1

Quem nasceu num contexto de cristianismo tradicional talvez nunca se tenha dado verdadeiramente conta do que o cristianismo significou na história.

1 Na sua base, está Jesus de Nazaré, que nasceu uns quatro ou seis anos antes da nossa era - isto deve-se a um engano do monge Dionísio, o Exíguo, encarregado de estabelecer no século VI o novo calendário. Filho de Maria e de José, teve uma juventude despercebida, trabalhou duramente em vários lugares como artesão. Foi discípulo de João Baptista, por quem foi baptizado, mas fez uma experiência avassaladora de Deus como Abbá (querido Papá), que o chamava a anunciar e a testemunhar o seu Reino, o Reino de Deus, Reino da verdade, da justiça, do amor, da alegria para todos. Uma notícia boa e feliz. A vida pública foi curta.

Em Jesus, o Reino de Deus estava actuante. Preocupou-se com a saúde das pessoas, com que não passassem fome. Curou doentes, física e psiquicamente doentes. Comia com prostitutas e pecadores públicos. A causa de Deus é a causa dos seres humanos e, por isso, proclamava com os profetas estas palavras postas na boca de Deus: "Ide aprender: eu não quero sacrifícios, mas justiça e misericórdia." Ousava declarar: "O Sábado é para o Homem e não o Homem para o Sábado": a saúde, a justiça, a misericórdia, estão acima do culto. Por isso, entrou em conflito com o Templo, os sacerdotes, os escribas, os doutores da Lei... Assim, Jerusalém e Roma uniram-se, numa coligação de interesses religiosos e imperiais, para o crucificar. Ele podia ter negociado, mas não: foi até ao fim, para dar testemunho da Verdade e do Amor.

Os horrores da crucifixão não têm descrição. Os romanos consideravam-na tão humilhante, que só a aplicavam aos escravos e estrangeiros. "Meu Deus, meu Deus, porque é que me abandonaste?", rezou Jesus, sempre confiante: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito".

2 Aparentemente, foi o fim. O enigma da história do cristianismo é como é que os discípulos, que tinham voltado, desiludidos, às suas vidas, pouco tempo depois estavam outra vez reunidos e foram anunciar que aquele Jesus crucificado é o Cristo, o Messias salvador. O que é que se passou naquele intervalo?

Como escreveu J. Duquesne, a história não pode dizer se Jesus está vivo ou se morreu para sempre, "o que pode dizer é que se passou alguma coisa naqueles dias, um acontecimento que, abalando aqueles homens e mulheres, abalou o mundo". A ressurreição, mistério central do cristianismo, não é um facto verificável historicamente, ela é um "obscuríssimo mistério", como diz o filósofo e teólogo Andrés Torres Queiruga. Na sua obra célebre A Verdadeira História de Jesus, E. P. Sanders, da Universidade de Oxford, conclui que é muito o que sabemos do Jesus histórico. "Nada é mais misterioso do que a história da sua ressurreição", mas "sabemos que, depois da sua morte, os seus seguidores fizeram a experiência de algo que descreveram como a "ressurreição": a "aparição" de uma pessoa, que tinha realmente morrido, agora viva, mas transformada. Eles acreditaram nisso, viveram-no e morreram por isso." Neste processo, criaram um movimento que cresceu e se estendeu pelo mundo. "Sabemos quem Jesus era, o que fez, o que ensinou e porque morreu; e, talvez o mais importante, sabemos como inspirou os seus seguidores, que, por vezes, não o entenderam, mas que lhe foram tão fiéis que mudaram a história."

Essa experiência pessoal do Jesus vivo foi igualmente tão avassaladora para São Paulo que ele, de perseguidor dos cristãos, se tornou apóstolo, fez milhares e milhares de quilómetros, incansavelmente, a pé, a cavalo, de barco, para levar a Boa Nova de Jesus, o Crucificado-Vivente, desde a costa sul da actual Turquia, a bacia do mar Egeu (Filipos, Tessalónica, Atenas, Corinto), até Roma e projectando ir à Hespanha...

Mas São Paulo, na história do cristianismo, não é só fundamental pela universalidade que lhe deu. O seu papel decisivo consiste também na reflexão crítica sobre a identidade da fé cristã e as consequências sociopolíticas da sua verdade: Deus, ressuscitando Jesus, revela que está com Ele, com a sua mensagem do Evangelho, que é ele que tem razão. O teólogo François Vouga viu bem, quando escreveu que a ressurreição de Jesus, o crucificado, "implica uma revolução do olhar sobre a pessoa humana". "Se realmente Deus se revelou como o Pai de um crucificado que perdeu tudo quanto um ser humano pode perder para lá da adopção de Filho, é claro que as linhas de separação religiosas, culturais e sociais pertencem agora a um mundo ultrapassado. A universalidade deve ser pensada como o reconhecimento individual de cada sujeito humano, sejam quais forem a sua nacionalidade, as suas pertenças, o seu sexo: 'Já não há nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher' (Carta aos Gálatas 3, 28)." Por isso, "ninguém, nem em Israel, nem na Grécia, nem em Roma, poderia, por exemplo, imaginar que mulheres ensinem, presidam à Ceia do Senhor ou sejam enviadas de uma cidade a outra como apóstolas".

3 Foi pelo cristianismo que veio ao mundo a ideia de pessoa e da sua dignidade inviolável.

Lentamente, o cristianismo estendeu-se por toda a Europa, e a Europa foi cristã até aos séculos XVII-XVIII. O que se passou para que, num trabalho recente, o jesuíta Victor Codina, possa escrever: "Assistimos agora na Europa a um verdadeiro colapso da fé cristã..., o cristianismo é culturalmente irrelevante e foi exculturado. É um inverno eclesial europeu."

Anselmo Borges

Diário de Notícias, 20 de Fevereiro de 2021

https://www.dn.pt/opiniao/fim-do-cristianismo-na-europa-1-13370456.html

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Fim do cristianismo na Europa? 2

1Pergunta-se: o que se passou para que o jesuíta Victor Codina tenha podido escrever, num estudo sobre Ser Cristiano en Europa?, que estamos a assistir a um colapso do cristianismo na Europa?

Realmente, os dados são preocupantes. Exemplos: na Espanha, o número de agnósticos e ateus supera o dos católicos praticantes. Na França, a maior parte da população já não é católica. Na República Checa, mais de 60% declaram-se ateus. Nos Países Baixos, na Noruega, na Suécia..., o número dos que se declaram sem religião ronda os 50% da população. E tudo indica que o número de católicos e dos que se confessam cristãos vá diminuindo na Europa em geral e é, de facto, notória a exculturação do cristianismo... Quanto à juventude, os números são alarmantes: "Uma grande parte vive à margem da Igreja, que, para ela, se converteu numa pequena e estranha seita." A situação reflecte-se na queda vertiginosa das vocações, com seminários vazios, muitas paróquias - o seu número aumentará sempre - não têm padre. E não é só "um inverno eclesial europeu", assistimos também a um exílio de Deus...

Procurando causas. Quanto à Igreja-instituição, temos o impacto brutal dos escândalos clamorosos da pedofilia, bem como dos escândalos económico-financeiros e da corrupção no Vaticano. E, quando olhamos para as estruturas eclesiásticas, é inevitável a pergunta: onde está a simplicidade e a fraternidade exigidas pelo estilo do Evangelho? Acrescente-se o patriarcalismo, a exclusão das mulheres, o clericalismo, que é uma verdadeira "peste da Igreja", como repete o Papa Francisco, implicando uma "estrutura perversa", segundo G. Schickendanz. Há "um desfasamento teológico e cultural da doutrina e dos dogmas", cujas formulações se devem à cultura helénica, longe da mentalidade moderna e pós-moderna. Acrescente-se "uma moral legalista e casuística, proveniente de uma antropologia dualista, pré-moderna, pouco personalista, muito centrada no sexo, que utiliza a pastoral do pecado e do medo do castigo para manter o povo cativo da Igreja". Uma liturgia hierática, ritualista, ininteligível para a maioria dos fiéis, pouco ou nada participada. Para muitos, o cristianismo e a Igreja constituem "um déjà vu", algo ultrapassado e em desuso; pior: para alguns, a Igreja é a personificação do pior da nossa cultura: "Repressão, ânsia de poder, inquisição, censura, machismo, moralismo, ódio à vida, sentido de culpa e de pecado."

Mais preocupante é que Deus se tornou longínquo, um estranho, "um Deus no exílio", na expressão de L. Duch. No mundo da tecnociência, do consumo, do conforto, do hedonismo, do ter, do parecer e do aparecer, à volta de um "eu" desvinculado de toda a norma, entrou-se num imanentismo fechado, mais a-religioso do que anti-religioso, mas sem horizontes de transcendência: não interessa "o que vai para lá da vida quotidiana, do trabalho, do dinheiro, da comida, da saúde, do consumo, do sexo, do bem-estar e da segurança de uma velhice tranquila". A vida é para gozar no sentido mais imediato do termo, na busca de uma juventude perene...

A pergunta é: e quando toda esta lógica é barrada, posta em causa? Isso constata-se agora, no meio desta catástrofe trágica da pandemia. De repente, um vírus invisível que invadiu o mundo todo, apoderando-se da Humanidade, veio travar e pôr em causa estes ideais. O mal-estar é deprimente, e a esperança está em que, depois de um interregno, a que uma vacina ponha termo, se volte à "normalidade", isto é, ao ponto onde fomos apanhados, para podermos avançar outra vez na lógica na qual se vivia. Ainda se não pensou profundamente sobre a impossibilidade deste raciocínio e seus pressupostos. De facto, já não se pode ignorar que o modelo anterior está posto radicalmente em causa. Porque é preciso entender que não é possível continuar o modelo tecnocrático de desenvolvimento ilimitado, que somos globalmente interdependentes, que o progresso tem de ter em conta as alterações climáticas, a biodiversidade, e avançar, portanto, segundo um modelo coerente com a urgência de "uma ecologia integral", para utilizar a expressão feliz do Papa Francisco: o grito da Terra e o grito dos pobres, clamando por uma humanidade justa.

2 Mas também pode acontecer que as pessoas, confrontadas com o abismo da existência, com a morte, parem e reflictam, indo ao encontro do essencial, das perguntas últimas, do Mistério vivo e acolhedor. Vêm-me à memória palavras luminosas do grande Václav Havel, que constatou: "Estamos a viver na primeira civilização global." Acrescentou: "Mas também vivemos na primeira civilização ateia, isto é, numa civilização que perdeu a ligação com o infinito e a eternidade." As consequências disso: "uma civilização obstinada em perseguir objectivos a curto prazo", "o que é importante é que um investimento seja rentável em dez ou 15 anos" e não os efeitos dentro de cem anos. Depois, "o orgulho", a hybris dos gregos. Por isso, suspeitava de que "a nossa civilização caminha para a catástrofe", a não ser que cure "a sua miopia e a sua estúpida convicção de omnisciência, o seu desmesurado orgulho". Achava que "o desenvolvimento desenfreado de uma civilização deliberadamente ateia deve alarmar-nos". Considerava-se apenas meio crente, mas com "a certeza de que no mundo não é tudo apenas efeito do acaso" e convencido de que "há um ser, uma força velada por um manto de mistério. E é o mistério que me fascina". "A transcendência é a única alternativa à extinção."

Anselmo Borges

Diário de Notícias, 27 de Fevereiro de 2021

https://www.dn.pt/opiniao/fim-do-cristianismo-na-europa-2-13396200.html

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Fim do cristianismo na Europa? (3)

1.Ninguém pode negar que o cristianismo histórico é responsável por crimes, tragédias, barbaridades. Não duvido de que houve muitos para quem teria sido preferível não ter ouvido falar de Deus nem de Cristo, tantos foram os horrores cometidos em seu nome. Mas, no cômputo geral, estou convencido de que o positivo supera o negativo. Ainda hoje a Igreja presta serviços incalculáveis aos mais pobres e fracos em toda a parte... E é a multinacional do sentido, Sentido último.

Cito Antonio Piñero, grande especialista em cristianismo primitivo e agnóstico. Depois de declarar que Jesus afirmou a igualdade de todos enquanto filhos de Deus, escreve que, a partir deste fermento, "se esperava que mais tarde chegasse a igualdade social. Se compararmos o cristianismo com todas as outras religiões do mundo, vemos que essa igualdade substancial de todos é o que tornou possível que com o tempo se chegasse ao Renascimento, à Revolução Francesa, ao Iluminismo e aos direitos humanos. Isto quer dizer: o Evangelho guarda, em potência, a semente dessa igualdade, que não podia ser realidade na sociedade do século I.

O cristianismo está, à maneira de fermento, por trás de todos os movimentos igualitários e feministas que houve na história, embora agora não o vejamos claramente, porque o cristianismo evoluiu para humanismo. Mas esse humanismo não se vê em religiões que não sejam cristãs. Ou porventura o budismo, por si, chegou ao Iluminismo? O xintoísmo? O islão? Os poucos movimentos feministas que há nas religiões estão inspirados na cultura ocidental. E a cultura ocidental tem como sustento a cultura cristã. Embora se trate de uma cultura cristã descrida, desclericalizada e agnóstica, culturalmente cristã." O mesmo dizem muitos outros filósofos, incluindo agnósticos e ateus.

2. A pergunta é: Ainda será possível hoje ser cristão na Europa?

Tudo tem de começar por uma experiência, como sucedeu com os primeiros discípulos e comunidades. A experiência de abertura ao Mistério e à Transcendência e a oferta de esperança, alegria, futuro e sentido pleno para a existência. Essa experiência de vida humanamente realizada, na justiça, na solidariedade, no perdão, no combate por um mundo melhor, dá-se num encontro de fé em Jesus, que revela que Deus é Pai/Mãe, Amor incondicional e que dá a salvação, Sentido último. Mesmo os que já são baptizados, a começar por cardeais, bispo e padres, têm de perguntar a si mesmos se fizeram ou não esta experiência e se, através dela, podem responder: "Isto é bom para mim. Para mim." Haverá conversão e começará então a verdadeira reforma da Igreja, que só pode ser uma Igreja de voluntários e que dá testemunho do melhor, do Evangelho, notícia boa e felicitante.

3. O cristianismo não é um sistema religioso nem pode ser uma obrigação, implica, sim, um caminho para uma vida com dignidade e sentido. Também não é, em primeiro lugar, um discurso, mas um percurso de vida. Como dizia Simone Weil, a filósofa mística, "onde falta o desejo de encontrar-se com Deus, não há crentes, mas pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse".

Mas o ser humano também é racional e, por isso, o cristão precisa de dar razões da fé e da esperança. A fé não pode agredir a razão. Por exemplo, o modo como se tem apresentado o pecado original é incompatível com a evolução. Não se pode continuar a baptizar para "apagar a mancha do pecado original". A morte de Jesus na cruz não foi querida por Deus, ofendido pelo pecado e exigindo uma reparação infinita. Isso contradiz o Evangelho: Deus é Amor.

O que é pecado? O que prejudica as pessoas, o que lhes faz mal. Na celebração da Eucaristia, não se pode continuar a pregar de tal modo que subreptícia e inconscientemente se instala a ideia de uma presença física de Cristo: impõe-se entender a distinção entre presença física e presença real, pois é bem sabido que podemos estar fisicamente presentes e realmente ausentes, quando, por exemplo, não há amor. Só exemplos.

4. Jesus não fundou a Igreja-instituição que temos. Ele anunciou, por palavras e obras, o Reino de Deus, força de transformação do mundo a favor de todos, começando pelos mais frágeis e abandonados. É claro que não se pode ser ingénuo: alguma organização é precisa. O problema está em que, contra a vivência das primeiras comunidades, organizadas carismaticamente, se foi instalando uma organização de poder e já não de serviço.

Na Igreja sempre houve carismas, funções, serviços, ministérios. A ruptura deu-se, quando, contra o Novo Testamento, que até evitou a palavra hiereus (sacerdote que oferece sacrifícios), apareceram ministérios com uma ordenação sacra, que faz que o padre e o bispo se transformem, dir-se-ia, ontologicamente, implicando uma distinção essencial, não só de grau, entre o "sacerdócio dos fiéis" e o "sacerdócio ordenado". A Igreja ficou então dividida em duas classes: o clero, que manda, e os leigos, que obedecem.

Esta é a raiz da "peste" do clericalismo, pois só o sacerdote ordenado pode presidir à Eucaristia, só ele, "senhor de Deus", perdoa os pecados..., e a autoridade na Igreja pressupõe a ordenação sacra. Esta sacralização levou à lei do celibato e à exclusão das mulheres...

É urgente a renovação da Igreja como instituição, mas ela estará bloqueada enquanto se não superar o equívoco da ordenação sacra. Devem existir ministérios ordenados - na Igreja é preciso um ordenamento -, mas sem ordens sacras

Anselmo Borges

Diário de Notícias, 6 de Março de 2021

https://www.dn.pt/opiniao/fim-do-cristianismo-na-europa-3-13423356.html

quarta-feira, março 17, 2021

Jaime Nogueira Pinto e os 100 anos do PCP

É natural que os movimentos e partidos políticos celebrem o seu passado, a sua identidade, os seus símbolos, os seus mártires. Fazem-no todos, à esquerda e à direita, conforme podem e os deixam. Mas as ideologias, os movimentos, as forças políticas, têm os seus valores e os seus contravalores, valores que encerram apologias e negações, amigos e inimigos, passados a exaltar ou a abominar. Em princípio, um liberal – com mais ou menos iniciativa – valorizará a liberdade de comércio e os impostos baixos acima das taxas alfandegárias e de segurança social, opondo-se à supremacia estatal; um conservador, a unidade da família e a defesa da vida, opondo-se ao aborto, à eutanásia e à institucionalização e instrumentalização de géneros, casamentos e procriações alternativas; um nacionalista preferirá a independência do país, a uma dependência estrangeira, mesmo com vantagens económicas.

Quero com isto dizer que um defensor de Salazar poderia, por exemplo, enaltecer o Estado Novo no plano da defesa da Nação e da exaltação da História ou como Estado de obras e de desenvolvimento económico, mas seria absurdo que enaltecesse Salazar como campeão do pluralismo democrático ou do liberalismo.

Poderá então um partido comunista, e um partido comunista particularmente alinhado com a “experiência soviética”, celebrar-se como “pai da democracia” e das “amplas liberdades democráticas”? Aqui, neste canto da Europa que resiste ainda e sempre à equiparação do comunismo ao nazismo, parece que não só pode como até deve.

Mas por maior que seja a boa vontade – e não pondo em dúvida a dedicação do PCP à causa da classe operária e da igualdade entre os homens ou até os bons sentimentos e a boa consciência moral dos seus militantes – parece-me difícil se não mesmo impossível não ver como ridícula e absurda a celebração desta agora centenária organização como campeã da liberdade das pessoas e das ideias.

Absurdo e ridículo? Perguntarão alguns. Como, se o ideal comunista permanece vivo e é, ainda e sempre, o da democracia avançada e o da libertação total? Talvez por isso neste centenário, além das bandeiras vermelhas generosamente penduradas por lusas praças e avenidas (com facilidades, ou pelo menos com autorizações, autárquicas), tivessem voltado alguns comentadores a falar de “utopia nunca realizada”. Longe de se mostrarem satisfeitos com as muitas e duradoiras tentativas de realização do imorredoiro ideal, parecem propor que as ignoremos para que se não cesse de tentar torcer o presente até que os amanhãs cantem. Nada, portanto, de errado com a utopia… as tentativas de realização é que lhe terão, eventualmente, ficado aquém.

Mas poderá uma doutrina que divide, com arrojo e simplicidade, a Humanidade em duas classes (começando pela oposição binária mestra, Burguesia-Proletariado, que depois tutela todas as outras – patrões-trabalhadores, latifundiários-camponeses, exploradores-explorados, opressores-oprimidos), uma doutrina que defende que a luta destas duas classes ou destes dois polos é eterna e o motor da História, ser a origem de uma sociedade livre e pacífica? A vitória de uns será inevitavelmente a derrota e a aniquilação dos outros e o lado a abater do binómio estará sempre e irremediavelmente condenado. Para não falar daquilo que não cabe e daqueles que não cabem nessa sofisticada e científica dicotomia (as classes médias, por exemplo, e as muitas e desvairadas realidades e gentes de que se faz a humanidade). Pouco importa: para estes experimentados utópicos, se alguma coisa ou alguém não existe no cânone pura e simplesmente não existe, ou passa a não existir; porque se a utopia é para ser realizada o cânone é para cumprir.

CEM MILHÕES DE 'INIMIGOS DO POVO'

Foram muitas e duradoiras as tentativas de realização da generosa utopia. E feitas pelos próprios, por partidos comunistas, seguindo métodos comunistas, de acordo com a vulgata e o cânone comunista e aplaudidas por comunistas. Na Rússia, começou no Inverno de 1917-1918, e acabou mais de 70 anos depois. Começou com uma Guerra Civil, em que aristocratas e burgueses foram eliminados. Os concorrentes liberais-democratas, social-democratas, socialistas, mencheviques, também desapareceram; sempre em nome do sonho, da utopia codificada num manual seguido religiosamente pelos partidos comunistas irmãos – inclusive, pelos camaradas portugueses, que sempre fizeram questão de apoiar a ortodoxia. Depois, já com Estaline já no poder, também o fizeram, em 1941, com o Pacto Germano-Soviético. E chamaram “revisionismo de direita” às críticas de Khruschev a Estaline no XX Congresso; e apoiaram o esmagamento da revolução húngara e a intervenção do Pacto de Varsóvia em Praga, em 1968.

O regime soviético começou por prender e matar os vários “inimigos do povo”, conceito infinitamente elástico que ia da família real russa (incluindo crianças, criados e animais de estimação – até o PAN teria uma palavra de pesar, nem que fosse só pelos cães dos Romanov) aos kulaks, os camponeses que tinham mais de uma vaca. O primeiro Terror foi desencadeado pelo massacre dos reféns, depois do atentado de Fanny Kaplan contra Lenine (Mussolini, lembre-se, não matou ninguém depois dos atentados que sofreu e ainda libertou alguns dos seus autores: mas Mussolini era fascista e não estava escudado pela imorredoira utopia). Ainda no tempo de Lenine, a Tcheca fez mais de um milhão de presos e dezenas de milhares de mortos. Depois da acalmia da NEP, o Terror intensificou-se com Estaline, com a coletivização e o Holomodor – a fome política que matou entre dois a quatro milhões de ucranianos. Mortos intencionalmente, à fome, entre 1932 e 1934, através da “coletivização” que os camponeses, a quem a NEP dera posse e propriedade das terras dos feudais do czarismo, viram como um regresso da Servidão, abolida em 1861… Mas pelo sonho é que vamos.

Há grande discussão sobre o número das vítimas do estalinismo, no quarto de século de poder do Czar Vermelho (1928-1953), mas Robert Conquest, que tem uma excelente monografia sobre a época (The Great Terror – Stalin’s Purge of the Thirties, 1968) fica-se pelos 15 milhões. Há quem aumente, há quem diminua, mas é uma bela soma, por mais que se queira que os amanhãs cantem. Estaline era uma combinação do despotismo asiático à Ivan, o Terrível (imortalizado por Eisenstein, num filme ideologicamente ambíguo), do centralismo modernizante de Pedro, o Grande, e dos compêndios de Marx, Engels e Lenine que transformou em Vulgata. Era também um leitor atento da grande literatura russa – de Dostoievski, de Tolstoi, de Tchékhov – e gostava particularmente de Westerns e de filmes de gangsters.

Era um camponês georgiano inteligente, manhoso, sem barreiras religiosas, éticas ou até de lealdades pessoais, que acreditava que o medo era a grande força agregadora das sociedades e destruidora das resistências; o medo que, realizar a utopia, tinha de ser mantido bem vivo, pelo terror. Foi assim na União Soviética e foi assim, em proporção, na instalação do comunismo na Europa Oriental.

Os comunistas não ganharam nunca uma eleição antes de tomarem o poder. Mesmo na Checoslováquia, quando chegaram aos 38% com Gottwald, em 1947, deram o golpe

de Praga em 1948. As mortandades em grande escala repetiram-se na China, com o utópico Mao, no Grande Salto em Frente e na Revolução Cultural. E no Cambodja, com os Kmerhs Vermelhos; e em África, na Etiópia de Mengistu. Chegou-se bem depressa aos tais cem milhões. Para custos de uma utopia nunca realizada, não está mal. E foram só tentativas.

Estes números que não são questionáveis nem questionados talvez sejam reaccionários e fascistas, até porque deixam a perder de vista, em qualidade e quantidade, a repressão dos 48 anos de “fascismo” à portuguesa.

A tentativa de construção do paraíso na terra através do terror, que começou com Lenine e Trotsky e escalou com Estaline, foi denunciada por Khrutschev em 1956, depois da transição 1953-1956, no famoso XX Congresso. Parece que afinal a direcção estava certa, mas que não era bem por ali; alguns utópicos pediram desculpa: a realização da utopia seguia dentro de momentos.

AMPLAS LIBERDADES DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA

Outro aspecto também muito exaltado pelo Partido das “amplas liberdades” é a liberdade de criação literária e artística, dura e implacavelmente sufocada aqui, entre nós, durante “a longa noite fascista”. Nada a ver com o clima de tolerante liberdade vivido na paradisíaca União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Em 1912, no centenário do nascimento de Herzen, Lenine retratara o poeta como um nobre liberal, um precursor do socialismo que percebera que “a dialéctica de Hegel” era “a álgebra da revolução”; alguém que, com Feuerbach, chegara até a evoluir para o materialismo e se entusiasmara com as revoluções de 1848, até que o fracasso o levasse ao cepticismo. Mas enfim, combatera “o monstro”, a monarquia czarista, por isso, apesar das suas “origens de classe” ou das sua proveniência “aristocrática e latifundiária” o não terem deixado entender a grandeza do socialismo, Lenine, magnânimo, incluía Herzen no panteão da revolução.

O século anterior fora o século de oiro da Literatura Russa, com Tolstoi, Gogol, Pushkin, Dostoievski, Tchekhov, Bely; e a revolução de Fevereiro de 1917 e a revolução de Outubro trariam, inicialmente, a adesão de muitos intelectuais e escritores. Era a primeira tentativa de realização da utopia.

Mas dos escritores contemporâneos da revolução, muitos acabariam por sair da Rússia – e deste mundo.

Os poetas Aleksander Blok e Vladimir Maiakovski resolveram ficar na pátria da utopia. Blok desiludiu-se e morreu cedo; Maiakovski, depois de defender a Revolução, desiludiu-se também com a escalada censória dos escritores proletários e suicidou-se ou foi suicidado. Outros, como Górki, foram-se adaptando; outros ainda, como Osip Mandelstam, foram mortos nos campos de concentração.

Mandelstam, concebeu o Epigrama de Estaline, em que acusava o Secretário-Geral, “o caucasiano do Kremlin”, de ser responsável pelas fomes que estavam a matar milhões. Disse-o a Boris Pasternak na rua, e Pasternak, assustado, respondeu-lhe: “Eu não ouvi nada. Tu não me disseste nada.” Mas outros ouviram-no e Mandelstam foi denunciado e preso. Pasternak intercedeu por Mandelstam e, um dia, Estaline telefonou-lhe, dizendo-lhe que o caso de Mandelstam “ia ser reexaminado”, que passaria da prisão para o exílio interno. Depois perguntou a Pasternak se era amigo de Mandelstam. Pasternak deu a resposta ambígua que o medo impunha: “Os poetas têm poucos amigos. Geralmente têm inveja uns dos outros”. Estaline foi dizendo que “ele, por um amigo faria tudo…” e perguntou a Pasternak se Mandelstam era um “verdadeiro mestre”. Pasternak disse-lhe que era difícil responder-lhe assim pelo telefone e que preferia fazê-lo pessoalmente. Aí, Estaline desligou bruscamente e Pasternak ligou de volta, assustado; mas o Secretário-Geral “estava ocupado e não podia atender”.

Estaline sabia que a dúvida, a imprevisibilidade e a arbitrariedade eram parte integrante do terror e parecia divertir-se com isso. Mas apreciava alguns escritores seus contemporâneos – por sinal, alguns dos melhores, – e poupou-os, mantendo-os sempre em estado de alerta. Também telefonara uma vez a Michail Bulgakov, que pedira para emigrar por não conseguir sobreviver na Rússia, e dissuadira-o de o fazer, arranjando-lhe emprego. Pasternak que ficara na Rússia depois da Revolução e que ao contrário de muitos das suas relações sobreviveria, recusara-se assinar uma petição da União dos Escritores Soviéticos para a execução de militares na “Grande Purga”. O Comissariado do Povo vigiava-o, mas nunca o chegaram a prender. Estaline gostava da sua poesia e ao ver o seu nome numa lista de condenados à morte por execução, terá dito: “Deixem esse santo doido em paz”. E deixaram.

Com a morte de Estaline, e depois de um interregno, Khrushchev tornou-se Secretário-Geral e moderou o Terror. Baixou a taxa de ocupação do Goulag e os presos políticos passaram a ser internados em hospícios. Mas não mudou tudo.

Em 1956, no ano do degelo de Khrutschev, Pasternak acabou O Doutor Jivago, o seu primeiro e único romance; mas a obra foi considerada “antissoviética” e a sua publicação não foi autorizada. O manuscrito saiu secretamente para o exterior e, apesar da pressão dos comunistas russos, acabou por ser publicado em Itália por Feltrinelli e depois publicado e traduzido por todo o Ocidente. Pasternak ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1958.

O Doutor Jivago, popularizado pelo filme de David Lean, além de ser um grande romance – como Margarida e o Mestre, de Bulgakov, ou a trilogia da Roda Vermelha, de Soljenitsyne – não é propriamente um panfleto anti[1]soviético. Limita-se a falar do Homem, ou de um homem, nas suas errâncias, as errâncias de qualquer Ulisses antigo e moderno, navegando pelo mar da vida, entre duas mulheres, duas paixões, entre fés, entre dúvidas. Mas passa-se na Rússia Soviética do século XX e por não ser suficientemente dicotómico ou apologético e se mover entre ambiguidades, peca por omissão, por desvio do cânone estabelecido pelo Primeiro Congresso da União dos Escritores Soviéticos, em 1934; um cânone que, afinal, passado que estaria o terror e já com Kruschev, ainda vigorava. E as directivas dos “escritores soviéticos unidos” eram claras:

O Realismo Socialista é, não apenas o conhecimento da realidade como ela é, mas também o conhecimento da direcção que segue. E segue para o socialismo, dirige-se para a vitória do proletariado internacional. Uma obra de arte criada por um socialista realista é, portanto, a que mostra o caminho e o destino inexorável desse conflito e dessa contradição, os identifica na vida e os reflecte no resultado do seu trabalho.

Estes “escritores soviéticos unidos”, verdadeiros pais das amplas liberdades e da democracia, eram os mesmos que faziam petições a favor do fuzilamento “de militares desviacionistas”, sempre incansáveis, nas suas muitas tentativas de aplanar o caminho para o Socialismo e para a Vitória Final.

Jaime Nogueira Pinto

https://observador.pt/opiniao/ate-que-os-amanhas-cantem/

segunda-feira, março 15, 2021

Desabafos 2020/2021 - XIV

CDS e a ‘Prova de Vida’

Há quatro anos, nas autárquicas de 2017, o CDS conseguiu uma forte dinâmica no concelho de Portalegre, como há décadas não acontecia.

Num processo eleitoral liderado por Nuno Figueiredo Moniz, o CDS apresentou listas em todos os órgãos do concelho, a começar com a presença em todas as freguesias, o que não se verificava há inúmeras eleições autárquicas!

Foi um trabalho árduo, levado a cabo pela concelhia e pela equipa eleitoral autárquica, levado a bom porto, como se prova pelos resultados obtidos, ao nível dos melhores alguma vez alcançados em autárquicas no concelho de Portalegre pelo CDS.

É importante que nas autárquicas deste Outono de 2021 o CDS não perca essa dinâmica de crescimento, de afirmação política, de participação cívica, colocando-se na luta pelos e na defesa dos interesses de Portalegre e do seu concelho. Portalegre merece mais!

Como parênteses, diga-se que de acordo com os dados das últimas eleições legislativas, a votação no CDS no concelho de Portalegre prova que o seu eleitorado se manteve fiel, não havendo fugas nem para o partido Chega, nem para o partido Iniciativa Liberal, o que mostra que além da união do seu núcleo duro, a sua força eleitoral tem todas as hipóteses, todas as probabilidades de crescer em actos eleitorais futuros.

Assim sendo, o CDS tem todas as condições de se apresentar às autárquicas de 2021 com listas próprias.

O CDS tem que repetir a estratégia das autárquicas de 2017. O CDS no concelho de Portalegre não tem que se aliar a nenhum partido.

O passado, a experiência passada de coligações do CDS com o PSD traduziram-se no quase desaparecimento do partido em termos autárquicos, e o renascer foi sempre feito com muitas dores.

Recordando o processo autárquico de 2013, o CDS estava a trabalhar com listas próprias, quando a direcção nacional forçou a coligação com o PSD. À época pontificava nos órgãos nacionais do PSD um elemento do «Grupo das Finanças» que há muito controla o PSD concelhio, com os péssimos resultados que os números de sucessivas eleições provam. E a coligação de 2013 foi estruturada na Lapa e no Caldas, à revelia da estrutura concelhia do CDS, com a qual não concordava.

É que o PSD no concelho de Portalegre só quer coligações com o CDS, quando pensa e sabe que não vai ganhar a autarquia, e assim coligado, joga para perder por menos.

O PSD tem a estratégia, repetida, de estabelecer conversações com o CDS, prolongando-as o mais possível, com o objectivo de à última hora borregar, e o CDS ficar com tempo limitado para refazer as suas listas, e muitas das vezes não conseguir apresentá-las a todos os órgãos autárquicos do concelho!

É mais importante o futuro do CDS, que qualquer projecto pessoal. A falada coligação autárquica nacional de 2021 entre PSD e CDS, afirmada pelos líderes dos dois partidos, não serve o interesse do CDS, nem o do PSD. Este acordo visa apenas prolongar as respectivas lideranças nacionais, ambas alvo de forte críticas. O pessoal não pode sobrepor-se ao colectivo!

O CDS tem que ir com listas próprias às autárquicas de 2021 no concelho de Portalegre. O CDS tem que ser respeitado. O CDS tem que se dar ao respeito.

Mário Casa Nova Martins

15 de Março de 2020

Rádio Portalegre


quinta-feira, março 11, 2021

Libertem-nos do Feminismo!

Tal como o anti‑racismo – invenção de racismos – usa, oprime e condena à pobreza e à marginalidade as minorias que diz defender, tal como o islamismo devasta território onde entre, tal como a execração da sexualidade heterossexual viola a natureza humana –, o novo femi­nismo não liberta mas oprime antes de mais as mulheres. Escola de embrutecimento, o neofeminismo é uma das últimas grandes narrati­vas dos órfãos do totalitarismo.

Se o feminismo nos anos 70 do séc. xx era um movimento de eman­cipação libertador, conquista justíssima de igualdade de direitos, hoje, na exportada versão norte‑americana que domina a França e grassa entre nós, não é mais do que uma máquina de vigiar e punir, e infanti­lizar, tentativa delirante de bestialização e lapidação cultural.

Criminalização do desejo masculino, guerra de sexos, neopuritanis­mo, depuração cultural das grandes criações na literatura e nas artes, política de dois pesos e duas medidas quando se trata dos homens muçulmanos, que, esses, escravizam as mulheres na nossa Europa, o novo feminismo constitui hoje sobretudo para as mulheres um inimigo que é imperativo vencerem se não quiserem tornar‑se apátridas na sua própria terra, oprimidas pelo delírio da ideologia feminista.

Libertem‑nos do Feminismo! é um livro lapidar, de grande coragem num meio hostil às liberdades, em que a filósofa Bérénice Levet expli­ca e prova como a «causa das mulheres» não passa de um disfarce. Na verdade este neofeminismo trabalha para a desconstrução do nos­so modelo de civilização. Levet convida as mulheres a erguerem‑se, a revoltarem‑se contra os novos Robespierres que se odeiam a eles pró­prios e querem roubar à mulher a alegria de o ser, o jogo da sedução, o que as distingue, a sua natureza e liberdade.

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terça-feira, março 09, 2021

Ernst Jünger na «Vida Mundial»

_ “Vida Mundial” n.º 1897, de 22-07-1976
Durante antes procurei este número da “Vida Mundial”.
Finalmente foi possível adquiri-lo! Está em excelente estado!
A importância desta revista é o trabalho de Roberto de Moraes sobre Ernst Jünger.
Não é uma entrevista, e um estudo sobre o Autor e a Obra, fruto de leituras e de uma visita de Roberto de Moraes à casa de Jünger.
«Ernst Jünger – O Mago da Floresta Negra», páginas 12 a 18, é o testemunho de um leitor e admirador de Jünger. O texto não perdeu actualidade, pelo contrário, mantém o maior dos interesses para se conhecer a vida e obra de Jünger.
Recorde-se que em Abril de 1997 Nuno Rogeiro editou um livro biográfico sobre Jünger, «Jünger: a importância de se chamar Ernst».
Editado pela extinta ‘Civilização Editora’, hoje esgotado e difícil de encontrar em alfarrabistas, analisa os livros e a vida de Junger.
Infelizmente, o projecto de uma revista portuguesa sobre Ernst Jünger, continua projecto, apenas foi tornada pública a capa do que seria o seu primeiro número.

Capa do livro de Nuno Rogeiro

Capa do projecto da revista

segunda-feira, março 08, 2021

Faria de Vasconcelos: para uma aprendizagem ao longo da vida

Faria de Vasconcelos: para uma aprendizagem ao longo da vida

Mário Silva Freire

Professor coordenador aposentado do Instituto Politécnico de Portalegre, perito orientador, segundo o modelo de Faria de Vasconcelos, pelo Instituto de Orientação

Introdução

Uma pessoa deve ser avaliada, fundamentalmente, pela obra que realiza. E se essa obra, depois da pessoa morta, deixa rastro, se dela permanece algo que contribuiu para a valorização do Homem, se ela inspirou novas realizações que vão no mesmo sentido, então essa obra merece ser estudada e divulgada.

Ora, Faria de Vasconcelos é um dos nomes maiores das Ciências da Educação e da Psicologia em Portugal da primeira metade do século XX. A sua obra, porém, talvez não tivesse sido tão suficientemente conhecida se não houvesse o trabalho excepcional levado a cabo pelo Professor José Ferreira Marques, ao organizar as Obras Completas de Faria de Vasconcelos. Na verdade, foi este Professor e Investigador que trabalhou a sua obra, recolhendo e ordenando cronologicamente os cerca de duzentos títulos entre livros, conferências, artigos, comunicações a congressos nacionais e internacionais. Todos os títulos foram organizados em 7 grossos volumes e publicados pela Fundação Calouste Gulbenkian. Cada volume tem, a iniciá-lo, um estudo do Professor Ferreira Marques que historia e enquadra os textos ali contidos.

Apesar da grandeza e profundidade da Obra de Faria de Vasconcelos, ele tornou-se mais conhecido no estrangeiro do que em Portugal. Basta dizer-se que o seu livro Une école nouvelle en Belgique, a sua obra de maior divulgação, editado em 1915, em Bruxelas, teve tradução em língua inglesa em 1919, em língua espanhola em 1920 e só 100 anos depois, em 2015, conheceu a tradução em língua portuguesa  (Vasconcelos, 2015). Por isso, o Professor Manuel Ferreira Patrício diz na revista Seara Nova, secção Memória, que a sua participação nesta revista foi uma ocasião de “contribuir para quebrar o pesado silêncio que estranhamente caiu sobre uma figura tão grande, notável e séria de intelectual e cidadão” CITATION Pat10 \l 2070  (Patrício, 2010).

António de Sena Faria de Vasconcelos Azevedo nasceu em Castelo Branco.

Em 2019, foram celebrados nesta cidade os 80 anos do seu falecimento (Agosto de 1939) com um colóquio e o lançamento de um livro de vários autores, coordenado pelo Professor Ernesto Candeias Martins (Martins, 2019), sobre as diferentes vertentes, no âmbito da educação, que mereceram o estudo de Faria de Vasconcelos.

Este artigo tem por objectivo dar uma breve panorâmica sobre a intervenção cívica e a obra psicopedagógica, no estrangeiro e em Portugal, de Faria de Vasconcelos.

Tendo este ilustre pedagogo nascido em Março de 1880, este artigo constitui, igualmente, uma homenagem à sua memória, neste ano de 2020, 140 anos após o seu nascimento.

Faria de Vasconcelos, um pedagogo no mundo

Filho e neto de juízes, não admira que cursasse Direito, terminando-o em 1901, na Universidade de Coimbra.

Logo após o termo do curso, em 1902, já estava inscrito na Universidade Nova de Bruxelas, na Faculdade de Ciências Sociais. Dois anos lhe bastaram para terminar o doutoramento, “especializando-se em questões psicológicas e pedagógicas”  (Marques, 2012, p. 1).

Entre 1904 e 1914 Faria de Vasconcelos regeu a disciplina de Psicologia e Pedagogia na Universidade onde adquiriu o seu grau académico. Entretanto, quase desde o início da sua estadia na Bélgica, envolveu-se profundamente no Movimento da Escola Nova, de que eram expoentes máximos Edouard Claparède, Adolphe Ferrière e Pièrre Bovet. Estes três grandes nomes do Movimento estavam a trabalhar no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra (Suíça).

Dando corpo à Escola Nova, Faria de Vasconcelos cria em 1912, próximo de Bruxelas, em Bierges-Lez-Wawre, uma Escola que tinha como propósito pôr em prática o modelo definido pelo Bureau International des Écoles Nouvelles. Dos princípios em que assentou, dos objectivos que pretendeu alcançar, das actividades que desenvolveu em Bierges, nasceu o livro Une école nouvelle en Belgique. Esta foi, sem dúvida, a sua obra que maior expansão teve na altura e que ainda hoje é uma referência no panorama pedagógico internacional.

Foi membro da Comissão Executiva da Sociedade Belga de Pedotecnia.

Residindo na Bélgica, Faria de Vasconcelos não se divorciou do seu País, tendo participado no enriquecimento cultural de Portugal cuja Monarquia estava a dar os seus últimos suspiros. Assim, ele proferiu uma série de palestras na Sociedade de Geografia de Lisboa, promovidas pela Liga da Educação Nacional, as quais se destinaram a professores do Ensino Primário; elas foram, depois, compiladas e publicadas em 1909, sob a designação de Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental.

Com o início da I Grande Guerra e com a invasão da Bélgica, termina a sua actividade quer como professor na Universidade, quer como director da Escola de Bierges. Vai, então, para a Suíça.

Neste país, Faria de Vasconcelos começa a trabalhar com Claparède, Ferrière e Bovet, no Instituto Jean-Jacques Rousseau. Profere conferências, muito especialmente sobre a Escola que fundou em Bierges, dos princípios que a orientavam e dos resultados que obteve. Daqui resultou o livro, atrás referido, editado em Genebra.

Por indicação de Ferrière às autoridades cubanas, dirige-se para Cuba.

Neste país, Faria de Vasconcelos orienta a Reforma Pedagógica de 1915, exercendo o cargo de Inspector Especial. Funda, igualmente, em Cuba, Escolas Novas, tentando repetir a experiência belga de Bierges.

Em 1917 ruma para a Bolívia, onde desenvolveu uma obra notável no âmbito das Ciências da Educação quer na formação de professores, quer como conferencista, quer como autor de artigos.

Em La Paz, na presença do Ministro da Instrução Pública, faz a conferência de inauguração do Instituto Normal Superior, como director da secção de Ciências da Educação (ibidem, p.4).

Em Sucre, onde assumiu as funções de director e professor da Escola Normal, publicou um Syllabus do Curso de Gestão e Organização das Escolas. Trata-se de um livro que comunica a informação do curso e define metas, objectivos e responsabilidades. Fez sair, ainda, na Revista Pedagógica, vários textos onde expõe as suas ideias em vários domínios da Didáctica tão díspares como a metodologia das Ciências Naturais, as inovações a introduzir no ensino dos Trabalhos Manuais ou as novas maneiras de actuar nos jardins-de-infância bolivianos.

Implica-se, também, na acção política, tendo tomado posição a favor da Bolívia, pelo facto de o Chile se ter apropriado de todo o litoral, impedindo este país, assim, de ter acesso ao mar. Esta sua posição foi tomada na Sociedade das Nações, uma organização internacional fundada em 1919, na sequência da I Guerra Mundial, onde as potências vencedoras se reuniram para negociar um acordo de paz.  

Faria de Vasconcelos e a sua obra em Portugal 

Nos finais de 1920, Faria de Vasconcelos regressa a Portugal, vindo da Bolívia, agora para se dedicar de corpo e alma ao seu País.

Tão vasta é a sua obra aqui publicada, que apenas se referirão aqueles títulos e actividades cujo significado se julgaram mais relevantes.

Na segunda década do século XX gerou-se em França um movimento, as Universidades Populares, tendo em vista contribuir para a educação geral do povo. Esta educação era feita através de filmes, bibliotecas e conferências. Portugal não ficou alheio a este movimento. Ora, Faria de Vasconcelos, chegado ao País, de imediato se implicou nesta Universidade, a Universidade Popular Portuguesa (U.P.P.). Esta Universidade, dizia ele num artigo de 1921, na Revista Educação Popular: A U.P.P.

“tem uma vida própria, organismo seu. O seu título é claro e preciso, é nitidamente uma obra de educação e de instrução popular. Não é um centro de estudos e de investigações científicas, mas somente um centro de difusão de conhecimentos e de cultura espiritual entre o povo.” (Vasconcelos, O que deve ser a Universidade Popular Portuguesa, 2006, p. 3) 

Entre os muitos projectos que ele tinha em mente era o de uma educação para o povo. No mesmo artigo ele refere, no âmbito da Universidade Popular Portuguesa, a  

“criação dum Instituto de Orientação Profissional, destinado a esclarecer os pais e os filhos na escolha da carreira mais apropriada às aptidões do indivíduo, à semelhança do que hoje se faz em todos os países cultos.” (ibidem, p.8) 

Ainda no ano de 1921, surge a revista Seara Nova, em que a política, a cultura, a crítica e a educação eram temas relevantes. Nela ir-se-ia encontrar Faria de Vasconcelos, como co-fundador, ao lado de Raul Proença, Jaime Cortesão, António Sérgio e de alguns outros intelectuais que pretendiam que a intelectualidade portuguesa se aproximasse mais da realidade.

De destacar, na colaboração nesta Revista, os artigos intitulados Bases para a Solução dos Problemas da Educação Nacional que Faria de Vasconcelos escreve em 1921 e 1922. Logo no início desta rubrica ele refere que  

“não basta dizer que é preciso reformar a educação e a instrução e convertê-las em funções adequadas às necessidades de toda a ordem que experimentamos (…). Importa saber em que sentido devem fazer-se as reformas e como levá-las à prática. É indispensável conhecer as condições às quais devem obedecer a sua concepção e execução (…); uma condição essencial reside na maneira de fazer as reformas, na necessidade de proceder com tino, com reserva, com verdadeiro espírito científico, evitando as aplicações em globo, as generalizações imprudentes, que resultam de um ardor ideológico, que nem sempre tomam em conta as realidades palpáveis e que tantas vezes, para acabar com o que há de mau, destroem o que há de bom.” (Vasconcelos, Bases para a solução dos problemas da Educação Nacional, 2006, p. 78) 

Como estas ideias ainda hoje têm actualidade!

Como professor de Pedagogia da Escola Normal Superior de Lisboa, onde iniciou funções em 1921, decorre a publicação de duas obras: uma, a primeira série de Problemas Escolares, a que lhe junta uma segunda série, em 1929; a outra, Didáctica das Ciências Naturais, de 1923, era a versão portuguesa de um trabalho anteriormente publicado, em espanhol, na Bolívia e de que seria o primeiro volume, aliás o único que veio a público, de um projecto de colecção de didácticas que incluía mais 10 disciplinas.

Em 1922 apresentou-se a concurso de provas públicas, na Faculdade de Letras de Lisboa, com a dissertação Ensaio sobre a Psicologia da Intuição. Integrou, a partir desta data, o quadro docente da Faculdade, assegurando até à sua morte a regência de várias cadeiras, entre as quais, a disciplina de Psicologia Geral.

Participou com António Sérgio na proposta de lei sobre a reorganização do ensino, apresentada para discussão pública, pelo ministro João Camoesas que, aliás, também era elemento activo quer da Seara Nova, quer da Universidade Popular.

O ano de 1925 constituiu, em Portugal, um dos marcos mais importantes para a Orientação Vocacional com a criação do Instituto de Orientação Profissional (I.O.P.). Faria de Vasconcelos foi o seu fundador e primeiro director. Já antes desta data ele, em vários artigos, se tinha referido à importância da escolha de uma profissão, de como ela não deve ser fruto do acaso mas de um processo em que estariam em jogo quer as capacidades da pessoa, quer o conhecimento que ela tem das profissões, quer as características exigidas pelo exercício dessas mesmas profissões.

Vários vertentes marcaram a acção deste Instituto:

Uma, foi o estudo da Psicologia, nos seus aspectos teóricos e experimentais, aplicado à Orientação e Selecção Profissionais. Neste campo de intervenção situavam-se o intercâmbio com instituições científicas estrangeiras congéneres e os trabalhos dentro do Instituto e junto da comunidade. 

As publicações do I.O.P. foram uma outra marca deixada por Faria de Vasconcelos: o Boletim do Instituto de Orientação Profissional, com artigos de natureza científica da autoria de investigadores nacionais e estrangeiros ligados a esta área e as Monografias Profissionais, com o estudo, segundo várias perspectivas, de algumas profissões. A partir de 1969, estas publicações deixaram de existir.

Curso de Peritos Orientadores, a outra marca do Instituto, visou formar especialistas no domínio da orientação e selecção profissionais que pudessem actuar quer junto das escolas, quer das empresas. Tratava-se de um Curso presencial de dois anos lectivos a que só tinham acesso 10 candidatos por ano, médicos escolares e professores efectivos, já com a devida formação pedagógica (Curso de Ciências Pedagógicas, Estágio e Exame de Estado). A conclusão do Curso só era feita após a discussão pública de um trabalho de natureza investigativa, a realização de três monografias profissionais e a prestação de provas práticas, escritas e orais nos domínios da psicologia e da orientação e selecção profissionais. O Curso de Peritos Orientadores esteve suspenso entre 1948 e 1960. A sua reabertura, segundo o modelo criado por Faria de Vasconcelos, devido à sua extrema exigência e difícil compatibilização com o exercício profissional, durou até 1969. A partir desta data, o Instituto de Orientação Profissional afasta-se da directriz traçada pelo seu fundador e o Curso de Peritos Orientadores sofre uma alteração profunda. Alargou-se a base de recrutamento e todas aquelas provas e trabalhos por que tinha que passar o candidato a Perito Orientador deixaram de existir.      

Mostrando a importância da existência do Instituto de Orientação Profissional, num escrito de 1926, um ano depois da criação deste organismo, Faria de Vasconcelos, após ter tecido considerações sobre a importância da escolha profissional e do desprezo que votavam a este tema os adolescentes, os pais e as escolas, referiu o que na época já se fazia noutros países. Assim, nos Estados Unidos, durante o período da I Guerra Mundial, já existiam instituições para dar resposta ao problema da escolha profissional; na Inglaterra, em 1910, o Education Act estabelecia a criação de comissões de orientação profissional. Indica, depois, o que se estava passando na Suíça, Holanda e Bélgica em que os principais centros populacionais eram servidos por institutos “modelares”, segundo dizia, de orientação profissional. Na Alemanha, em 1921, diz Faria de Vasconcelos, 465 institutos de orientação profissional estavam em funcionamento e na altura em que escrevia o texto (1926) o seu número estava a aproximar-se do dobro. Quanto à França, tinha sido criada uma direcção de serviços de orientação profissional e que nas principais cidades francesas já funcionavam institutos de orientação profissional. Quanto à Espanha, referiu a existência de um instituto “modelar” de orientação profissional em Barcelona. (Vasconcelos, O Instituto de Orientação Profissional "Maria Luísa Barbosa de Carvalho", 2009, pp. 5-15)

Faria de Vasconcelos não descansa. E assim, a partir de 1925, no mesmo ano em que funda o I. O.P., acumula com a direcção da Revista Escolar. Esta publicação foi fundada em 1921 e, inicialmente, destinava-se aos professores do ensino primário. Faria de Vasconcelos amplia-lhe o seu âmbito e procura apresentar ideias e experiências pedagógicas feitas no mundo. Assim, para além da temática da orientação profissional, ele vai escrevendo sobre muitos outros temas como a leitura silenciosa, o self-government na escola, os trabalhos manuais…, até 1932.

Em comunicação apresentada em 1931, numa reunião da Associação Internacional para a Protecção da Infância, que decorreu em Lisboa, ele representou o Instituto de Reeducação Mental e Pedagógica, fundado no ano anterior. Ora, ele verificou que haveria, na altura, entre a população escolar, cerca de 30-40% de crianças com défices em várias áreas do desenvolvimento, e que estes se deviam quer a dificuldades de memória, atenção, vontade, linguagem, etc., quer por não compreenderem o que estudavam nem progredirem, não “por defeito de desenvolvimento mental” mas pela maneira como aprendiam. Por isso, ele diz nessa comunicação que  

“Le but de l’Institut consiste precisément dans la réeducation mentale et pédagogique de ces enfants, de façon à leur permettre soit récuperer leurs conditions normales, soit d’atteindre le maximum du développement dont ils sont susceptibles.” (Vasconcelos, Monographie de L'Institut de Reéducation Mentale et Pédagogique, 2009, p. 437). 

Embora, segundo as palavras de Faria de Vasconcelos, este Instituto se apresentasse como uma instituição cheia de futuro, o seu tempo de existência foi efémero.

Como atrás já foi referido, na sequência das suas lições como professor da Escola Normal Superior de Lisboa, Faria de Vasconcelos publicou um trabalho designado por Problemas Escolares. Nesta obra, incluindo material já publicado na 1ª e na 2ª série, o autor reorganiza-o, junta-lhe outro, seja artigos publicados entre 1921 e 1933, seja o proferido em conferências. E assim nasceu, em 1934, a obra Problemas Escolares, em 2ª edição (Vasconcelos, Problemas escolares - 2ª ed., 2010, pp. 1-271).

Este trabalho constitui um dos pilares do pensamento pedagógico de Faria de Vasconcelos. Ele compõe-se por 5 partes: Filosofia da Educação; Educação Física e Higiene; Educação Manual; Educação Intelectual; Educação Artística, Moral e Social. As partes estão organizadas por vários capítulos cujos conteúdos explicitam os princípios, os métodos e os processos de cada uma delas.

Um outro grande empreendimento pedagógico em que Faria de Vasconcelos se empenhou foi o da chamada Biblioteca de Cultura Pedagógica (Vasconcelos, Biblioteca de Cultura Pedagógica, 2010, pp. 273-918 (vol.V) e pp. 1-478 (vol.VI)). Trata-se de uma obra que contém 15 capítulos, publicados entre 1933 e 1939, num total de 1123 páginas. Ela está organizada em torno de sete campos temáticos, a saber: Biologia Aplicada, Didáctica, Escolas Novas, Orientação Profissional, Pedagogia, Psicologia Aplicada e Sociologia Aplicada.

Biblioteca de Cultura Pedagógica constitui o outro pilar estruturante, a par dos Problemas Escolares, do pensamento pedagógico de Faria de Vasconcelos.

Outros temas, fora do âmbito da Pedagogia e da Psicologia, foram abordados pelo Autor, tais como Filosofia, Biografia, Ficção… 

Conclusão 

O nome de Faria de Vasconcelos, apesar de em 2019 lhe ter sido feita uma homenagem na sua terra natal, e de estar prevista a publicação de mais um conjunto de estudos relacionados com este pedagogo em 2020, parece, ainda, não ter a notoriedade que mereceria.

Faria de Vasconcelos, para além de um estudioso, ele foi um dos pioneiros, a nível mundial, do Movimento da Escola Nova, com a sua escola de Bierges, na Bélgica, pondo em prática os princípios daquele Movimento.

Ele andou por terras latino-americanas, desempenhando vários cargos de política educacional, tendo levado àqueles povos o gérmen de uma nova maneira de aprender e de ensinar. Faria de Vasconcelos fez, ainda, a defesa dos direitos do povo boliviano, no âmbito do direito internacional da Sociedade das Nações.

Os seus trabalhos atravessam todas as fases da vida, desde a educação para a infância até à sua participação activa na difusão da cultura entre o povo. Mas Faria de Vasconcelos, com a criação do Instituto de Orientação Profissional, tornou-se o introdutor da orientação vocacional em Portugal.

Se ainda hoje muitas das suas ideias de vanguarda não foram cumpridas, outras continuam a ter plena actualidade.

Faria de Vasconcelos morreu com 59 anos de idade. Foi uma vida curta no tempo mas rica na participação cívica e na variedade e profundidade dos temas que estudou. 

Bibliografia 

Marques, J. F. (2012). Faria de Vasconcelos e as suas obras de psicologia e de ciências de educação. Lisboa: Academia das Ciências.

Martins, E. C. (2019). António S. Faria de Vasconcelos - Nos meandros do Movimento da Escola Nova : pioneiro da educação do futuro. Castelo Branco: Câmara Municipal de Castelo Branco.

Patrício, M. F. (2010). A Seara Nova no itinerário pedagógico de Faria de Vasconcelos. Seara Nova, Secção Memória, 1712.

Vasconcelos, F. d. (2006). Bases para a soluçãodos problemas da Educação Nacional. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1921-1925) (Vol. III). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Vasconcelos, F. d. (2006). O que deve ser a Universidade Popular Portuguesa. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1921-1925) (Vol. III). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Vasconcelos, F. d. (2009). O Instituto de Orientação Profissional "Maria Luísa Barbosa de Carvalho". In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1925-1933) (Vol. IV). Lisboa: Fundação calouste Gulbenkian.

Vasconcelos, F. d. (2010). Biblioteca de Cultura Pedagógica. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1936-1939) (Vol. VI). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Vasconcelos, F. d. (2010). Biblioteca de Cultura Pedagógica. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1933-1935) (Vol. V). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Vasconcelos, F. d. (2010). Problemas escolares - 2ª ed. In J. F. Marques, Obras Completas de Faria de Vasconcelos (1933-1935) (Vol. V). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Vasconcelos, F. d. (2015). Uma Escola Nova na Bélgica (Vols. Prefácio de Adolphe Ferrière; posfácio e notas de Carlos Meireles-Coelho). (A. C. Carlos Meireles-Coelho, Trad.) Aveiro: Universidade de Aveiro