Henrique Barrilaro Ruas - Antologia
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D. Nuno tem 16 anos. O pai veio à Corte e chamou-o de parte.
- «Nuno, tu, embora sejas moço, parece-me que é bem e serviço de Deus e tua honra que venhas a casar. E como há entre Douro e Minho uma mui nobre dona, nova e de muitas virtudes, é minha vontade, se isso agradar a Deus que cases com ela. E agora quero que me digas o que te parece disto».
D. Nuno apanhou no ar a palavra «dona». Uma dona que vai casar é porque é viúva. Mas isso ao faz impressão ao moço cavaleiro. A sua ideia muito bem assente era não casar, nem com dona nem com donzela. Quanto lhe custava dizer isto ao pai!... Por nada deste mundo queria desgostá-lo. E dizer-lhe assim, redondamente, sem mais rodeios, que não queria, o que ele bem mostrava querer, não era para o feitio de Nuno Álvares.
Respondeu então com grande respeito:
- «Senhor, vós me falaste em casamento, coisa para que eu não estava preparado. E, por isso, peco-vos muito que me deis tempo para nisso cuidar. E então vos poderei responder com segurança o que me parecer deste assunto».
O pai ficou tão espantado que só pôde dizer que achava bem. Mas, mal o filho saiu começou a matutar, intrigado. Por que é que o filho queria tempo para pensar?! Era uma coisa tão simples e tão natural o que ele lhe dissera... Se nunca mostrara intenção de professar na Ordem, é porque queria casar. Mas, se queria casar, como é que hesitava quando o pai lhe encontrava uma noiva ideal?! O velho Prior não percebia nada. Ainda se Nuno fosse caprichoso como tantos rapazes da sua idade... Mas não. De todos os seus filhos era este o mais obediente, desde pequeno o mais ajuizado... Que vinha a ser aquilo?! D. Álvaro não chegava a entender. Foi falar com Iria. A mãe, que nos últimos três anos o acompanhara sempre - e que era mãe! - é que havia de tirar de Nuno o seu estranho segredo...
...Pois não tirou! O filho, mais à vontade com a mãe do que com o pai, logo lhe disse que de modo nenhum se queria casar. Mas não deu a razão.
Que razão havia ele de dar?
Para ser franco diria à mãe e ao pai: não caso porque Galaaz também não casou. Quero ser como ele. Mas, se usasse desta franqueza ingénua, a mãe nem talvez o entendesse, e o pai havia de se rir às gargalhadas...
Galaaz!...
Porque fora sempre virginal, é que o Cavaleiro Incomparável tinha sido incomparável. Nuno Álvares bem sabia que Galaaz era uma figura de romance. Mas, por detrás desse nome havia uma ideia: só o homem perfeitamente puro pode ser invencível. Esta ideia pairava... E, por vezes, aparecia com um ar levemente extravagante e perigoso. Dizia-se que o melhor não era entrar numa Ordem aprovada pela Igreja e aí guardar castidade, segundos os votos. O melhor seria que, cada qual à sua maneira, sem obedecer a uma regra comum, mas conforme a regra do próprio coração, se conservasse virgem no meio do mundo.
D. Nuno estava conquistado por estas ideias, muito belas sem dúvida, mas um nadinha... escorregadias. Por esse caminho não era difícil chegar a dizer que o casamento era obra do Demónio... E havia quem o pensasse!
Quando o pai recebeu a resposta do filho ficou ainda mais admirado do que já estava. E resolveu meter na conspiração dois dos melhores amigos de Nuno: Álvaro Pereira, seu primo, e Álvaro Gil de Carvalho, seu cunhado. Acima de todas as razões havia uma que os dois amigos lhe martelavam: a vontade paterna. Nós já sabemos que D. Nuno sofria muito por contrariar o pai. Mas a sua consciência não se calava com motivos sentimentais. Estava convencido de que o seu dever era seguir os passos de Galaaz.
Então os amigos lembraram-lhe uma palavra que um dia todos três tinham ouvido a um frade muito sabedor da Sagrada Teologia: «melhor coisa é a obediência que o sacrifício». A estas palavras, Nuno Álvares não replicou. Pelo contrário, ficou em longo silêncio, a meditar.
Para alguns rapazes puros e sonhadores daquele tempo Galaaz era tudo.
Para Nuno Álvares, acima de Galaaz estava Jesus Cristo, e só com Jesus Cristo é que Galaaz podia ser o ideal do cavaleiro.
A obediência vale mais que o sacrifício. Se sou eu que escolho o sacrifício e me resolvo a ele, pode ser que me aproxime de Cristo, mas com certeza não me afasto de mim mesmo... Se obedeço, afasto-me de mim e fico a ser totalmente de Cristo. Se faço um sacrifício à minha escolha, só me desprendo dum pedacinho de mim, e é esse pedacinho que ofereço a Deus. Se obedeço, ofereço a Deus tudo quanto sou.
Mas a obediência pode levar ao prazer... Pois pode! E que mal tem isso, desde que o prazer seja permitido ou ordenado por Deus?
Nuno estava decidido. Mandou dizer ao pai que casaria com D. Leonor de Alvim.
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- «Nuno, tu, embora sejas moço, parece-me que é bem e serviço de Deus e tua honra que venhas a casar. E como há entre Douro e Minho uma mui nobre dona, nova e de muitas virtudes, é minha vontade, se isso agradar a Deus que cases com ela. E agora quero que me digas o que te parece disto».
D. Nuno apanhou no ar a palavra «dona». Uma dona que vai casar é porque é viúva. Mas isso ao faz impressão ao moço cavaleiro. A sua ideia muito bem assente era não casar, nem com dona nem com donzela. Quanto lhe custava dizer isto ao pai!... Por nada deste mundo queria desgostá-lo. E dizer-lhe assim, redondamente, sem mais rodeios, que não queria, o que ele bem mostrava querer, não era para o feitio de Nuno Álvares.
Respondeu então com grande respeito:
- «Senhor, vós me falaste em casamento, coisa para que eu não estava preparado. E, por isso, peco-vos muito que me deis tempo para nisso cuidar. E então vos poderei responder com segurança o que me parecer deste assunto».
O pai ficou tão espantado que só pôde dizer que achava bem. Mas, mal o filho saiu começou a matutar, intrigado. Por que é que o filho queria tempo para pensar?! Era uma coisa tão simples e tão natural o que ele lhe dissera... Se nunca mostrara intenção de professar na Ordem, é porque queria casar. Mas, se queria casar, como é que hesitava quando o pai lhe encontrava uma noiva ideal?! O velho Prior não percebia nada. Ainda se Nuno fosse caprichoso como tantos rapazes da sua idade... Mas não. De todos os seus filhos era este o mais obediente, desde pequeno o mais ajuizado... Que vinha a ser aquilo?! D. Álvaro não chegava a entender. Foi falar com Iria. A mãe, que nos últimos três anos o acompanhara sempre - e que era mãe! - é que havia de tirar de Nuno o seu estranho segredo...
...Pois não tirou! O filho, mais à vontade com a mãe do que com o pai, logo lhe disse que de modo nenhum se queria casar. Mas não deu a razão.
Que razão havia ele de dar?
Para ser franco diria à mãe e ao pai: não caso porque Galaaz também não casou. Quero ser como ele. Mas, se usasse desta franqueza ingénua, a mãe nem talvez o entendesse, e o pai havia de se rir às gargalhadas...
Galaaz!...
Porque fora sempre virginal, é que o Cavaleiro Incomparável tinha sido incomparável. Nuno Álvares bem sabia que Galaaz era uma figura de romance. Mas, por detrás desse nome havia uma ideia: só o homem perfeitamente puro pode ser invencível. Esta ideia pairava... E, por vezes, aparecia com um ar levemente extravagante e perigoso. Dizia-se que o melhor não era entrar numa Ordem aprovada pela Igreja e aí guardar castidade, segundos os votos. O melhor seria que, cada qual à sua maneira, sem obedecer a uma regra comum, mas conforme a regra do próprio coração, se conservasse virgem no meio do mundo.
D. Nuno estava conquistado por estas ideias, muito belas sem dúvida, mas um nadinha... escorregadias. Por esse caminho não era difícil chegar a dizer que o casamento era obra do Demónio... E havia quem o pensasse!
Quando o pai recebeu a resposta do filho ficou ainda mais admirado do que já estava. E resolveu meter na conspiração dois dos melhores amigos de Nuno: Álvaro Pereira, seu primo, e Álvaro Gil de Carvalho, seu cunhado. Acima de todas as razões havia uma que os dois amigos lhe martelavam: a vontade paterna. Nós já sabemos que D. Nuno sofria muito por contrariar o pai. Mas a sua consciência não se calava com motivos sentimentais. Estava convencido de que o seu dever era seguir os passos de Galaaz.
Então os amigos lembraram-lhe uma palavra que um dia todos três tinham ouvido a um frade muito sabedor da Sagrada Teologia: «melhor coisa é a obediência que o sacrifício». A estas palavras, Nuno Álvares não replicou. Pelo contrário, ficou em longo silêncio, a meditar.
Para alguns rapazes puros e sonhadores daquele tempo Galaaz era tudo.
Para Nuno Álvares, acima de Galaaz estava Jesus Cristo, e só com Jesus Cristo é que Galaaz podia ser o ideal do cavaleiro.
A obediência vale mais que o sacrifício. Se sou eu que escolho o sacrifício e me resolvo a ele, pode ser que me aproxime de Cristo, mas com certeza não me afasto de mim mesmo... Se obedeço, afasto-me de mim e fico a ser totalmente de Cristo. Se faço um sacrifício à minha escolha, só me desprendo dum pedacinho de mim, e é esse pedacinho que ofereço a Deus. Se obedeço, ofereço a Deus tudo quanto sou.
Mas a obediência pode levar ao prazer... Pois pode! E que mal tem isso, desde que o prazer seja permitido ou ordenado por Deus?
Nuno estava decidido. Mandou dizer ao pai que casaria com D. Leonor de Alvim.
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Henrique Barrilaro Ruas
in, Vida do Santo Condestável Dom Nuno Álvares Pereira,
pgs. 55 a 559, Ministério da Educação Nacional, 3.ª edição, 1969
in, Vida do Santo Condestável Dom Nuno Álvares Pereira,
pgs. 55 a 559, Ministério da Educação Nacional, 3.ª edição, 1969
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