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O Diabo - E valores patrióticos ainda existem?
VERÍSSIMO SERRÃO - Talvez haja diminuído o número dos que amam Portugal e sentem o papel que o nosso País desenhou na história da civilização universal. As ideologias materialistas fizeram muitos desviar desse caminho de bons ideais. Mas com o decurso da vida muitos deles voltarão a sentir as vivências do passado. A aproximação da morte tomará mais forte essa ligação como os princípios em que os nossos pais nos moldaram o espírito.
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O Diabo - Enquanto historiador, como explica, que um País com 900 anos de existência esteja a viver uma crise tão profunda como a que atravessamos? A que se deve?
VERÍSSIMO SERRÃO - Por haver sido professor de História durante muitos anos, sinto a história nacional no mais fundo da alma. E, como leitor na Universidade de Toulouse de 1950 a 1960, por lá deixei marcas da história e da cultura portuguesas. A crise mental foi profunda desde a década de 1960 havendo muitos que se deixaram tentar pelas modas libertárias que vieram do estrangeiro. Muitos deles estão hoje arrependidos da tentação em que caíram. Mas a História, severa nos seus juízos, chamará patriotas aos que o foram e traidores aos que não se mostraram dignos de nascer em Portugal.
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O Diabo - Na sua opinião, a ruptura política, social, histórica e cultural que se deu com o 25 de Abril originou o início de um declínio nacional?
VERÍSSIMO SERRÃO - A História demonstrará também que o 25 de Abril foiuma tentativa para instaurar um regime do tipo soviético em Portugal. Só que os romanheiros do golpe já estavam separados um ano e meio depois. No dia 25 de Novembro, perante o malogro dessa ameaça, o major Melo Antunes ainda poupou o Partido Comunista à sanha popular. Mas cumpre pensar no seu trágico desabafo, de autêntico arrependido, antes de fechar os olhos: «A descolonização foi uma tragédia»! Mas o mal de dissolver as raízes históricas de Portugal estava feito, pelo que o declínio nacional começou com a traição que, ao tempo, se cometeu contra a verdadeira essência da nação portuguesa.
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O Diabo - Trinta e dois anos depois do 25 de Abril já é possível fazer um balanço histórico da «revolução dos cravos»?
VERÍSSIMO SERRÃO - No princípio de 1974 a situação militar estava ganha em Angola e Moçambique, oferecendo apenas dificuldades na Guiné onde a orografia do terreno, em certos locais, era favorável aos grupos de insurreição apoiados por Dakar e pela Guiné-Conacri. Mas a diplomacia portuguesa tinha condições para negociar tratados de paz com condições dignas de razão portuguesa. Quando os senhores do M.F.A, esquecendo o juramento de honra que tinham feito, se revoltaram contra o poder constituído, perderam a razão política e jurídica que assistia a Portugal. Ou seja, conceder independências com condições para fazer novos Brasis em Africa. A democracia então restaurada foi apenas um meio de implantar governos de essência marxista. Veio depois a desgraça de quase trinta anos de guerra civil em Angola, de quase dez em Moçambique e dos horrores da Guiné onde 2000 fulas fiéis a Portugal foram fuzilados sem que as autoridades portuguesas lhes tivessem valido. É mais uma ignomínia que sujará para sempre o Movimento das Forças Armadas.
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O Diabo - Há quem diga que faz falta a Portugal um «novo Salazar». Concorda?
VERÍSSIMO SERRÃO - O Dr. Oliveira Salazar pôde realizar a sua obra de saneamento financeiro porque tinha o apoio das forças militares. Criou um País novo na resolução das carências que o afligiam, e com a maior competência e isenção que um estadista pode ter na sua política paternalista para não lhe chamar de autoridade. O Dr. Salazar impediu a União Soviética de perturbara vida portuguesa, pelo que teve de reforçar os mecanismos de defesa. Ninguém pode arrancar o seu nome do grande livro da História de Portugal, que serviu com dedicação e aprumo. A propósito: quando acaba a graçola popular de chamar 25 de Abril à ponte sobre o Tejo, que tinha o seu nome? Não vêem os responsáveis políticos que as se colocam mal ao permitir que se mantenha uma designação contrária à verdade da História?
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O Diabo - O 25 de Abril foi um dos momentos histórico-políticos mais marcantes do País nas últimas décadas. Mudamos para melhor ou para pior?
VERÍSSIMO SERRÃO - Pergunto apenas: Qual era o País do tempo que tinha as suas finanças mais estáveis? O escudo era a terceira moeda do mundo, cobiçada em todos os bancos e postos de câmbio. No dizer de Valdez dos Santos, o nosso País era «uma pequena Suíça», com os investidores a colocarem aqui o seu dinheiro, num clima produtivo e da maior confiança. Não havia desempregados nem miséria visível e a própria emigração era impulsionada pelas correntes de oposição apenas para desacreditar o regime. Mas quem pode negar que a humana governação do Prof. Marcelo Caetano merecia o apoio da população?
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O Diabo - Concorda com a ideia de que os portugueses vivem demasiado agarrados aos seus feitos passados em vez de olharem para o futuro?
VERÍSSIMO SERRÃO - Tendo a alma «em pedaços, espalhada pelo Mundo», que nos resta hoje senão viver uma crise de saudade, no regresso forçado ao pequeno solar do Atlântico? A isso força quem sente a consciência tranquila por haver cumprido até à exaustão o seu destino universal. Nenhuma outra nação colonizadora pode exprimir tanto o seu orgulho como comunidade humana. Resta-nos a língua que Camões imortalizou e que Pessoa endeusou como a expressão do nosso Quinto Império que as grandes potências do mundo impediram de se concretizar. Porque foram elas, tendo à frente os EUA e a União Soviética quem mais fez, desde a era Kennedy, para erguer o neo-colonialismo adverso ao espírito cristão do ecumenismo português.
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O Diabo - Há duas semanas ficou encerrado um capítulo da nossa História e quemuitos consideram ainda como um «resquício» da descolonização: Cahora Bassa. Portugal ficou apenas com 15 por cento da hidroeléctrica moçambicana. Como comenta o desfecho deste episódio?
VERÍSSIMO SERRÃO - Nada justifica que Portugal tenha perdoado 85 por cento da dívida de Cahora Bassa ao Governo de Moçambique. As dívidas pagam-se sempre, a título oficial ou apenas pessoal. Se o Primeiro-Ministro tivesse levado o assunto ao Parlamento, haveria de escutar fortes críticas por parte da oposição, mormente numa época em que Portugal precisa de endireitaras suas finanças. Não se pode ser benemerente com a República de Moçambique, que tem de pagar o encargo de Cahora Bassa em que não dispendeu um centavo. E, se amanhã, Lourenço Marques negociar com a China ou outra grande potência a parte de leão que agora lhe coube, como será possível discordar do atropelo dos direitos portugueses? Nunca o País desceu tão baixo na defesa da nossa soberania!
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O Diabo - Perdemos 1900 milhões de euros com este acordo, incluindo o perdão da dívida a Moçambique. Para um País que vive em crise, não é um exagero?
VERÍSSIMO SERRÃO - Seria condição bastante para o Governo do Eng.° Sócrates ser exonerado, no caso de a Assembleia da República estar atenta ao desvario cometido. O que não recebemos de Moçambique, o que significa o perdão concedido à antiga colónia, seria bastante para equilibrar as nossas finanças em crise. Mais do que um «exagero», trata-se de uma forma de não defender os interesses nacionais e, para mais, numa época difícil da vida financeira nacional.
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O Diabo - Após 30 anos de democracia, como analisa actualmente o sistema político em Portugal?
VERÍSSIMO SERRÃO - Se a mudança havida fosse apenas a de transformar um regime de autoridade numa democracia de tipo europeu, não seria preciso assistir às cenas de vilipêndio humano que se seguiram: a prisão de um digno e honesto Presidente do Conselho, o mais digno e prestante dos mestres de direito em Portugal; a prisão do Chefe de Estado na pessoa de um almirante espoliado do título profissional que obtivera de maneira honrada; os saneamentos de professores universitários; as prisões sem fundamento; as reclassificações de funcionários a pequena vingança atentatórias dos direitos dos cidadãos, no fundo, muitas cenas indecorosas a que assistimos e que retalharam profundamente a nossa sociedade. Dir-se-ia que o 25 de Abril vinha julgar um grupo de malfeitores apenas por não crerem nas virtudes da democracia! A conduta revanchista do Partido Comunista foi hedionda quando se recordam os factos a trinta anos de distância!Felizmente que o bom senso permitiu travar o chamado PREC que tantas injustiças e mesmo mortes de pessoas dignas ao tempo causou...
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O Diabo - A culpa da crise democrática que vivemos também é dos políticos?
VERÍSSIMO SERRÃO - Não obstante a instauração da paz social, a democracia foi seguida de conflitos nos sectores do trabalho, das opções políticas e dos diferendos humanos que se foram, entretanto, esbatendo. Se alguns políticos radicais abusaram da situação criada, a maior parte deles ganharam melhores hábitos de cidadania. O que sucede com frequência é que as promessas eleitorais nem sempre são cumpridas. Mas isso já se integra nos jogos pessoais dentro do sistema de que Portugal não é o único País a queixar-se. São os defeitos inerentes à democracia que ocorrem também noutros países e que a América do Sul conduziu ao êxito do populismo.
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O Diabo - Hoje, os cidadãos olham com «descrédito» para a classe política. Partilha da ideia de que os políticos defraudam os eleitores?
VERÍSSIMO SERRÃO - Conheço bons e maus políticos, tudo depende da preparação que mostram para a actuação partidária e em que a honestidade e o préstimo dos eleitos chegam a dar resultados satisfatórios. O que se nota é a ineficiência de governos quando carecem de nomes que asseguram o êxito da governação. Se os políticos têm nome, acabam por deixar o nome ligado a uma acção que serve realmente os interesses do País.
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O Diabo - Acha que a partidocracia está a minar os partidos e a afastar os políticos competentes?
VERÍSSIMO SERRÃO - Vejamos o que se passa como governo da Madeira, onde o Dr. Alberto João Jardim se tem dado de alma e coração à sua terra natal. Quem esteve na Madeira há 30 anos e lá volta hoje quase que não a reconhece pela onda de progresso material que a transformou. Ora, retirar à ilha, nesta altura do ano, créditos de que a mesma precisa para realizar empreendimentos, leva o Dr. Jardim a protestar de forma veemente. É a sua forma temperamental de se exprimir, que outros iguais a ele, agindo no continente, não recebem censuras, e quando o Dr. Jardim usa da palavra, o Governo, deputados, imprensa em geral, todos desancam no líder madeirense. A sua margem de vitória nas eleições regionais está hoje nos 56 porcento do eleitorado. Alguém lhe pode levar a mal que, perante a manobra de lhe diminuírem o orçamento, ele proteste e ponha o sistema em causa? É apenas para confirmar que a partidocracia mina os partidos e utiliza aspiores manhas para afastar os políticos que lhe fazem sombra.
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O Diabo - Ainda se pode falar em ideologias, tendo em conta o actual panorama partidário?
VERÍSSIMO SERRÃO - O grave na política actual é que a ideologia falseia a política dos cidadãos e conduz os eleitores no sentido que ela pretende. Impõe-se redefinir o quadro de acção dos partidos democráticos, para que os eleitores não se deixem ludibriar pelas coligações e, sobretudo, pela distinção de direita e esquerda que os sequazes deste invocam com frequência.
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O Diabo - Os partidos políticos estão descaracterizados?
VERÍSSIMO SERRÃO - Cada vez acredito menos nos partidos, porque o que para mim vale é a honestidade e competência dos que são chamados a governar. Com dez anos de governação como Primeiro-Ministro, que ajudaram a moldar um Portugal novo, o Sr. Presidente da República bem pode servir de exemplo para o que estou a dizer.
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O Diabo - Hoje a corrupção anda de mãos dadas coma política. Somos um País de corruptos?
VERÍSSIMO SERRÃO - Não somos um País de corruptos, ainda que haja forças descontroladas que se aproveitam, quando fomentam a corrupção na vida económica. Talvez o fenómeno da corrupção ajude a compreender porque há pessoas que ganham salários chorudos, enquanto outros se debatem com a injustiça de não terem o suficiente para viver.
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O Diabo - É por este fenómeno que a Justiça chegou ao estado a que chegou?
VERÍSSSIMO SERRÃO - Não pretendo falar do estado a que chegou a Justiça em Portugal, embora creia que o problema radica na falta de autoridade de quem governa. Os magistrados são, por inerência, pessoas sérias e detentoras da missão de defender a verdade. Se deixam a imprensa adulterar o que dizem ou escrevem, não há maneira de repor a Justiça no esquema antigo e que a enchem de reconhecimento dos povos.
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O Diabo - O problema de Olivença continua a ser um «espinho» entre Portugal e Espanha?
VERÍSSIMO SERRÃO - Em termos da história de 1801, a região de Olivença pertence a Portugal. Mas dois séculos passados, nem a população local aceitaria um plebiscito que confirmasse a sua integração na Espanha. Gostam dos portugueses, mas preferem ser espanhóis.
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O Diabo - Portugal ainda deve ter medo de uma invasão económica espanhola?
VERÍSSIMO SERRÃO - Sou um sincero amigo da Espanha, onde tenho inúmeros amigos nas áreas universitária e cultural. Mas defendo o princípio de cada nação viver na sua própria casa, com as respectivas interdependências preservadas. Tudo o que sefaça para manter a amizade entre os dois países deve ser estimulado. Mas sem complexos de inferioridade da parte portuguesa, porque temos o orgulho bastante para nos considerarmos iguais, embora diferentes pela riqueza natural que a Espanha possui.
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O Diabo - Integrou a Comissão de Honra do actual Presidente da República na última campanha presidencial. Cavaco Silva é o Presidente de «todos os portugueses»? Como avalia, até agora, o seu mandato?
VERÍSSIMO SERRÃO - O Prof. Cavaco Silva é, na verdade, o Presidente de «todos os portugueses». Nas suas mensagens, desde que assumiu a chefia do Estado, mostrou ser o estadista melhor preparado para defender os interesses de Portugal. Não tenho ambições políticas a cultivar, e ainda menos as de ordem pessoal que ao longo da vida me deixaram indiferente, exceptuando a carreira universitária que foi a paixão da minha vida. Sei que o Sr. Presidente da República fará tudo o que estiver ao seu alcance para defender os interesses do nosso País no mundo. E que o fará coma autoridade, o conhecimento da política e o amor a Portugal que são apanágio das suas qualidades e serviços.
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O Diabo - A União Europeia vive uma das maiores crises institucionais da sua história, muito por causa de um Tratado Constitucional que muitos já dizem estar morto. Como olha para o futuro da Europa?
VERÍSSIMO SERRÃO - Não creio no futuro da Europa que excede já a sua dimensão histórica, para se realizar num amontoado de civilizações e interesses económicos. Como eu a sonhei há anos, a Europa ganhava em unir os seus ideais e objectivos à parte ocidental do continente. Era a Europa ocidental que acabava no Báltico e, como linha interior, a que vai da Grécia e, quando muito, à Polónia. Mas, a junção dos países de Leste e da Turquia otomana faz da Europa um ser artificial e sem futuro imediato. A não ser para receber os créditos da União Europeia enquanto os mesmos durarem...
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O Diabo - A meio do segundo mandato, George W. Bush perdeu para os democratas margem de manobra perante o Senado e a Câmara dos Representantes. É o princípio do fim da «era Bush» nos EUA e no Mundo?
VERÍSSIMO SERRÃO - A quase alternância no governo dos dois principais partidos nos Estados Unidos, não me perturba a mente. Se eu fosse americano, daria o meu voto ao Partido Republicano, porque se identifica melhor com os meus ideais. Mesmo que a «era Bush» sofra agora um revés, nada impede que em 2008 ou 2012 os republicanos voltem a obter o poder.