\ A VOZ PORTALEGRENSE: fevereiro 2010

domingo, fevereiro 28, 2010

Jaime Crespo

As minhas ilusões em relação à Cuba de Castro há muito que se afundaram na desilusão de constactar tratar-se de mais um ditador facínora e corrupto. A minha chegada a esta conclusão, nos inícios dos anos 80, deu-se por duas vias, 1º a leitura de "Carta a Fidel Castro" de Arrabal, 2º a visita a Portugal de Reinaldo Arenas e a controvérsia, confusão, provocada pelos intelectuais na época quase todos militantes do PCP estalinista e cruel para com os opositores e desafiadores do dogma. Mais tarde veio a leitura sobretudo de "Antes que Anoiteça".
Dessas leituras e doutras, resta-me um enorme respeito pelo povo cubano, povo mártir e sobrevivente a ditadores cada qual mais atroz, depois de terem sofrido o colonialismo espanhol e muitos o degredo e escravatura, continuam a exuberar alegria através da sua arte e sobretudo da música.
Quanto aos algozes e assassinos passarão à História como aquilo que são: criminosos!
relembro a greve de fome dos militantes do IRA, dos quais me recordo de Bobby Sands sobre o qual existe o filme "hungry". Lembro-me das manifestações à porta da embaixada britânica.
Agora, frente à embaixada cubana, apenas o silêncio da cumplicidade e o deserto da cobardia!
Jaime Crespo

Do Alfarrabista

Vindo da Livraria Alfarrabista Varadero, cidade do Porto, e com um custo de 3 € de portes o que para um livro é mais do que excessivo, chegou-nos este livro raro de António de Monforte.
É um documento importante para a História do Integralismo Lusitano, na querela do apoio a D. Duarte Nuno como pretendente ao Trono, em desfavor de D. Manuel II.
É fundamental conhecer o pensamento de António Sardinha para se compreender a acção dos Monárquicos na I República e depois durante o Estado Novo.
E há que recordar, por outro lado, que o Pensamento Monárquico no tempo das três Repúblicas muito deve ao Movimento do Integralismo Lusitano, no fundo o único a pensar Portugal no campo da Monarquia. Tudo o mais não deixou raízes. Ou está a criar raízes. Deve-se aos neo-Integralistas, como por exemplo Henrique Barrilaro Ruas, a actualização do pensamento do Integralismo Lusitano original ao tempo seguinte. Hoje o folclore deu lugar à Doutrina.
E que fique claro que será o Povo a escolher o seu Rei. Neste momento não há “Rei” mas sim Pretendente. Ou Pretendentes! A Quinta Dinastia começará com um novo Rei, em que a palavra “novo” assume a plenitude do seu significado.
A Quarta Dinastia foi a Dinastia de Bragança, como a Terceira Filipina, a Segunda de Avis e a Primeira de Borgonha ou Afonsina. A Quinta será cognominada segundo a escolha do Povo Português, que em Referendo escolherá primeiro a Forma de Regime, e depois, se este for ganho pela Monarquia, o seu Rei. O Futuro Rei de Portugal será plebiscitado pelo Povo.
Mário Casa Nova Martins

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Orlando Zapata Tamayo


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Orlando Zapata Tamayo

Crónica de Nenhures

Orlando Zapata Tamayo
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O preso político cubano Orlando Zapata Tamayo morreu pelas três horas da tarde da terça-feira dia 23 de Fevereiro passado, após 85 dias de greve de fome.
Orlando Zapata Tamayo foi preso em 2003 e condenado a três anos de prisão por desacato e desobediência. O desafio às autoridades foi-lhe aumentando a pena. Morreu depois de 85 dias em greve de fome!
Pedreiro de profissão, Orlando Zapata Tomayo, de 42 anos, fazia parte do grupo de 53 dissidentes detidos na chamada Primavera Negra de 2003, quando a polícia prendeu um total de 75 pessoas. Tal como os outros, foi acusado de desacato, desordem pública e desobediência, delitos pelos quais foi condenado a três anos de prisão. A pena acabaria, todavia, por aumentar para 36 anos com novas acusações que o Regime castrista foi somando enquanto esteve preso.
A Comissão dos Direitos Humanos de Cuba afirma que cinquenta dissidentes foram detidos após a morte de Tamayo para evitar que assistissem ao funeral.

As ‘boas consciências’ podem continuar a dormir descansadas. Orlando Zapata Tamayo era um “elemento anti-social”. A sociedade socialista cubana está livre de um “marginal”, quiçá a soldo dos EUA.
Esta notícia é simultaneamente uma não-notícia. A morte de um dissidente cubano é sempre um facto político indesejável para o politicamente correcto que controla a comunicação social mundial, incluindo a portuguesa, onde as excepções são diminutas. Mesmo a auto-proclamada Direita ‘bem-pensante’ ignora estes acontecimentos, temerosa de ser apelidada de anti-comunista, ou ‘pior’ ainda de fascista, se não mesmo de nazi. É o que por cá se tem, e a mais não se é ‘obrigado’.
Cuba é um Estado concentracionário de tipo monárquico, semelhante à Coreia do Norte. Neste país totalitário ao pai sucedeu o filho, enquanto em Cuba ao ditador sucedeu-lhe o irmão. Mas em Portugal a Coreia do Norte, e principalmente Cuba são ‘países amigos’.
O Partido Comunista Português e a sua ‘correia de transmissão’ no sector do Trabalho, a CGTP – Intersindical Nacional, vêm nestes dois países comunistas o modelo de Direitos, Liberdades e Garantias que deviam ser implementadas em Portugal. Felizmente que à Esquerda estão isolados, mas não deixa de ser alarmante, preocupante que hoje em dia haja forças políticas e sociais em Portugal que defendem modelos totalitários.

Cuba é hoje em dia um ‘paraíso’ para turistas. Com empreendimentos de luxo em locais privilegiados, mas de acesso interdito ao povo cubano, é um bordel pior que no tempo de Fulgencio Batista.
Fidel Castro e seu irmão Raul Castro transformaram para pior Cuba. Os indicadores económicos de hoje são muito inferiores aos do tempo de Fulgencio Batista. E mesmo o tão apregoado sistema de saúde cubano, ‘bandeira” do Regime tal como o sistema de educação, não passa tal como o turismo de uma fraude para os cubanos, a que apenas a elite política a eles tem acesso e deles usufrui, tal como os estrangeiros.
Quando um qualquer turista visita Cuba, está a contribuir para a perpetuação de uma Tirania. E quando esse mesmo turista vem para o seu país ‘louvar’ as paradisíacas praias de Cuba, está a ser conivente com aqueles que são os responsáveis pela miséria em que vive o Povo cubano.
A ‘desculpa’ que os ditadores Fidel e Raul Castro apresentam para tudo o que de mal sucede em Cuba, os EUA e o embargo que estes decretaram a Cuba, não passa de um álibi para justificar a feroz ditadura que impuseram ao Povo cubano, e da qual a última vítima é Orlando Zapata Tamayo.

Toadavia, a morte de Orlando Zapata Tamayo muito em breve será esquecida. É que ele estava do ‘lado errado da História’!
Mário Casa Nova Martins

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Mário Silva Freire

CRÓNICAS DE EDUCAÇÃO
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As causas e as consequências
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Tudo o que existe ou acontece tem uma causa. Não pretendo identificar as diferentes causas para aquilo que somos, que fazemos ou que nos ocorre; para uma grande parte delas são os cientistas, os políticos, os filósofos e os teólogos as pessoas indicadas para as identificar e eu, simples professor, não tenho engenho para que me possa incluir em qualquer uma dessas categorias. Uma coisa, porém, parece certa: só depois de sabermos o que origina determinado fenómeno é que estaremos em condições de lhe fazermos face.
Como cidadão, contudo, não me inibo de observar o que se passa à minha volta e de reflectir sobre aquilo que observo. E o que observo nem sempre me satisfaz.
Assim, nos contactos que vou mantendo com adolescentes, alunos das nossas escolas, verifico, com frequência, que muitas das aulas não servem para aprender. Nelas, a algazarra, o burburinho ou, simplesmente, o ruído de fundo constante, são elementos que inibem um ensino eficaz e, consequentemente, uma aprendizagem proveitosa.
É certo que há processos de ensino produtivos em que a aprendizagem não é compatível com o silêncio e com a imobilidade. Estando, porém, os alunos centrados no professor, e tentando este controlar todo o desenrolar de uma aula, muito difícil será manter a disciplina em adolescentes durante 90 minutos. Eles necessitam de participar e de interagir. Mas como dar resposta a essa necessidade, se a participação e a interacção que eles têm na sala de aula caem, frequentemente, no domínio da indisciplina? Quais as melhores maneiras de actuação do professor e da própria escola, perante tais circunstâncias?
Será que a ignorância dos nossos alunos do ensino básico é consequência exclusiva da dificuldade que eles manifestam em se manterem atentos ao que está a passar-se na sala de aula? Que papel desempenham as normas existentes nas escolas, as suas lideranças, a autoridade dos professores, os programas, os métodos didácticos em uso, as prescrições do M.E, a família? Enfim, há um sem número de variáveis que talvez mereçam uma análise um pouco mais detalhada.
Gostaria de centrar sobre o ensino básico as considerações que irei fazer nas próximas crónicas por duas razões:
- por ser neste nível de ensino que se adquirem os conhecimentos primordiais sobre os quais irão assentar as aprendizagens posteriores;
- por ser nessas idades que se adquirem (ou não) determinados hábitos e se desenvolvem (ou não) as capacidades básicas que irão condicionar os êxitos ou insucessos na vida escolar mas, também, na vida pessoal e social.
Tentarei, assim, identificando algumas causas e verificando ou inferindo as respectivas consequências, relativamente a certos fenómenos, reflectir sobre a minha percepção da realidade ao nível do ensino básico.

Mário Freire
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in, O Distrito de Portalegre, 25 de Fevereiro de 2010, p.8

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Luís Pargana

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DESABAFOS V
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À mulher de César não basta ser séria…
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Terça-feira da semana passada foi 3ª de Carnaval. Não sendo feriado é dia de tolerância de ponto e, por esse motivo, não fiz o meu habitual desabafo das terças-feiras.
Devo dizer que a Rádio Portalegre teve a amabilidade de deixar ao meu critério fazer, ou não, essa crónica semanal mas, o facto de me ir ausentar durante o fim-de-semana, obrigava-me a gravar na 5ª feira anterior o que poderia comprometer a actualidade do tema que pretendia abordar e que tem feito a actualidade das últimas semanas.
Refiro-me ao caso “face oculta” e à teia de interferências do poder político sobre o poder económico e sobre a comunicação social, que se tem vindo a conhecer nas últimas semanas.
É certo que o que tem vindo a lume parte da divulgação de conversas telefónicas entre os vários envolvidos que, em princípio, deveriam ser do foro privado. Mas também é certo que os crimes só se conhecem com investigação sobre actos que quem os pratica quer que permaneçam escondidos. E também conhecemos a habitual morosidade, para não dizer inoperância da justiça portuguesa, quando se trata de agir com eficácia sobre actos ilícitos praticados pelos mais poderosos.
Costuma dizer-se que “à mulher de César não basta ser séria…” e isso aplica-se aos envolvidos nestas denúncias, mormente ao Primeiro-Ministro de Portugal que tem não só a obrigação de governar, como também de ser um exemplo no desempenho do alto cargo público que exerce, sendo certo que não se é apenas Primeiro-ministro nos dias úteis e em horário de expediente.
Ora, perante, a sucessão de factos que têm vindo a lume, as tentativas de controlo da comunicação social, com interferência sobre o trabalho de jornalistas e sobre as linhas editoriais de jornais e televisões, bem como as perigosas interferências com o mundo da alta finança, desde os grandes grupos bancários, às empresas públicas ou participadas pelo Estado, e que, por isso, deveriam gerir os dinheiros que vêm dos contribuintes, esperava-se um desenvolvimento que resolvesse definitivamente a suspeição e deixasse de distrair tudo e todos dos verdadeiros problemas do País.
Não podemos esquecer que vivemos num País com mais de meio milhão de desempregados, 10% da sua população activa e com um salário mínimo nacional abaixo dos 500 euros.
Não temos, assim, tempo para perder com intrigas palacianas e muito menos com apegos desmesurados ao poder.
Portanto, pensava eu, que cinco dias seriam demais para a opinar sobre um assunto que, mesmo com um fim-de-semana pelo meio, teria que ficar resolvido o mais breve possível.
Puro engano!
Escrevo hoje, com a situação exactamente na mesma. Soube-se mais algumas coisas: Que os dinheiros das empresas públicas, no caso a PT, serviram para financiar apoios para a campanha política que permitiu a José Sócrates voltar a ganhar eleições; perceberam-se os contornos do envolvimento de grandes empresas na estratégia política e pessoal do actual Primeiro-Ministro; conheceram-se, enfim, mais algumas conversas de destacadas figuras do Governo e dos grupos económicos envolvidos, num total despudor e desprezo pelo sentido público que deveriam servir.
Ninguém duvida que esta situação é insustentável. Que é necessário o seu esclarecimento. E definitivo!
Foi o que se pensou que aconteceria com a comunicação ao País que José Sócrates fez na quinta-feira passada. Mas afinal nada ficou esclarecido. O ainda Primeiro-Ministro de Portugal comprovou o apego ao Poder que o caracteriza e, com a mesma expressão que vimos a Bill Clinton, quando negou conhecer a estagiária Monica Lewinsky, ou a Pinto da Costa ao refutar ter alguma vez dado algum presente a qualquer árbitro, aquele que deveria ser o garante do rigor, da seriedade, da defesa do interesse público e do desenvolvimento do País, enredou-se em meias palavras, escolheu como defesa, o ataque e permitiu que tudo continuasse na mesma.
No fundo, devo dizer que não esperava outra coisa do homem que mais “rabos de palha” tem na sua vida pública. Desde o mistério da sua formação académica (certificada quando já desempenhava cargos públicos), ao pouco esclarecido caso Freeport que ainda recentemente viu serem confirmadas pelo Conselho Superior do Ministério Público, as pressões que Lopes da Mota exercera sobre os magistrados encarregues desta investigação. Lopes da Mota, precisamente o magistrado que Sócrates nomeara para o Eurojust que acompanhava, a nível internacional, a investigação deste processo.
Agora, o que realmente me faz espécie é que, perante o comprovado apego ao poder de José Sócrates, o Partido que o elegeu Primeiro-ministro, assobie para o lado e faça como se tudo estivesse bem e sem outra preocupação que não a da “cabala”, “calhandrice”, ou “patranha” como ouvimos dizer aos seus representantes.
É que, para além de tudo o mais, está em causa o próprio quadro de valores que devem servir de referência à nossa vida em sociedade e ao nosso regime democrático. E um Partido que nasceu com base em valores, não pode fazer deles tábua-rasa a troco de um punhado de cargos nos lugares cimeiros do Estado.
Se Sócrates não o faz, deve ser o PS a vir a público esclarecer o que de facto se passa, tomar as medidas que se impõem e, se for caso disso, assumir as responsabilidades outorgadas pelos portugueses no passado acto eleitoral. Porque a Constituição da República não nos deixa eleger Primeiros-Ministros, faz-nos votar em partidos e em forças políticas, e são estes que devem garantir a saúde e a qualidade da nossa democracia.
De outra maneira não passaremos de uma “república das bananas”, refém dos interesses particulares e das estratégias de poder individuais que nos têm remetido para a cauda do desenvolvimento.
23 de Fevereiro de 2010
Luís Pargana

Luís Filipe Meira

Portalegre JazzFest
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Capitulo 1
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Cumpriu-se no passado fim-de-semana o 1.º capítulo da 8.ª edição do Portalegre JazzFest. Sucesso artístico com dois bons concertos no Grande Auditório em que o publico compareceu em número bastante razoável e mais três no espaço Café-Concerto em que apesar da complexidade dos projectos apresentados foram também bastante concorridos.
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Carlos Barretto Trio / Lokomotive /
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As honras de abertura foram para Carlos Barretto (CB) e o projecto Lokomotive que conta com José Salgueiro na bateria e o guitarrista Mário Delgado. É recorrente dizermos que Barretto é um dos melhores músicos de Jazz portugueses. Mas CB é muito mais que isso. É um músico enorme que conhece o seu contrabaixo perfeitamente e que consegue potenciar um instrumento de tão difícil execução para níveis elevadíssimos. Perfeita foi também a unidade demonstrada por todo o grupo a que não é alheio certamente o facto de estarem na fase final da gravação de um novo disco. José Salgueiro é um baterista / percussionista de grande versatilidade e o experiente guitarrista Mário Delgado mostrou que para além dos inegáveis recursos técnicos que lhe são reconhecidos tem neste projecto espaço para se soltar e demonstrar uma faceta de improvisador com grande imaginação. Belo Concerto.

José James Quartet
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José James é um cantor norte-americano de Minneapolis sobre o qual não tinha nenhumas referências. Encomendei por isso na Amazon o seu novo disco, Black Magic. No entanto talvez devido aos feriados de Carnaval a encomenda não chegou a tempo, o que me fez entrar no concerto sem expectativas, pois o pouco que tinha conseguido ouvir e o que tinha lido não me habilitava de minimamente a esperar o que quer que fosse. Mesmo agora, 24 horas depois do concerto, ainda não tenho opinião fundamentada sobre este cantor de bons recursos vocais que se movimenta em palco como um hiphopper e apresenta um som que andará algures entre a nu-soul, o nu-jazz ou mesmo o smoth jazz. A música de James não é fácil de catalogar tantas são as influências detectadas, o que pode não ser negativo mas traz alguma instabilidade à performance do músico. O som nem sempre demonstra a coesão necessária porque vai saltando entre as várias fontes que alimentam à musica de James. É verdade que os músicos que o acompanharam são de inegável qualidade técnica, apesar de não me parecerem grandes solistas, é verdade que José James tem uma óptima voz, sendo também verdade que o concerto sendo desigual teve bons momentos, mas não foi aquilo que se chama um grande concerto. De qualquer forma vou pelo menos nos próximos tempos seguir a carreira deste músico que parece estar a subir de cotação no difícil mercado da música.

Pocket Book of Lightning */***
Trio Lisboa Berlim **/***
Espaço Café-Concerto
Muito complicada foi a actuação do Pocketbook of Lightning, o duo de Nuno Rebelo e Marco Franco, aqui com a colaboração do saxofonista Tom Chant. Assente em conceitos estéticos perto da música electrónica e do free jazz vagamente inspirados em compositores como Edgar Varêse ou John Cage, este trio praticou uma música já de si de grande complexidade e que pode afugentar o ouvinte menos avisado quando exibida sem condições ou seja num espaço de Café-Concerto que naturalmente tem um ruído ambiente que só prejudica a concentração dos músicos e dos espectadores interessados. Pois os mirones não dão por nada. Para projectos deste tipo o pequeno auditório é definitivamente o local ideal.
Reconheço que tinha algum receio que os pressupostos que referi anteriormente se confirmassem para a actuação do Trio Lisboa Berlim, o que felizmente não aconteceu. Verdade seja dita que a música deste trio formado por um guitarrista português e uma secção rítmica germânica, não apresenta o grau de complexidade do PBL que actuaram na noite anterior, apesar de também não ser de fácil apreensão. Não assisti ao concerto completo, mas gostei do pouco que ouvi.

Open Gate 5 ***/**
Na tarde de 5ª feira o Portalegre JazzFest teve o seu prólogo com a performance dos Open Gate 5, um interessante projecto de manipulação de objectos que se utilizam no dia-a-dia extraindo-lhe os mais diversos sons. Esta actuação apesar de direccionada para crianças (4/5 anos), que aguentaram firme durante quase uma hora, apresentou algumas debilidades pois teve pouca interacção entre perfomers e publico.

No sábado à tarde José Duarte, o decano dos divulgadores/críticos de Jazz portugueses esteve informalmente à conversa com os apreciadores de Jazz que se deslocaram ao CAEP. Não pude estar presente mas sei que a conversa correu bem, tendo Duarte reiterado as suas habituais posições críticas aos novos rumos que o Jazz vem percorrendo desde a década de 60.

O primeiro capítulo deste Portalegre JazzFest 2010 está fechado e correu globalmente bastante bem. Acredito que no próximo fim-de-semana a coisa ainda esteja melhor pois as expectativas estão justificadamente mais altas.
Luís Filipe Meira
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in, Alto Alentejo, 24 de Fevereiro 2010, p.5

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

António Martinó de Azevedo Coutinho

DESISTIR... OU RESISTIR ?
(notas a propósito de um artigo do DN)

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A “ameaça” vem estampada nas páginas centrais no Diário de Notícias de 18 de Fevereiro como uma espécie de notícia quase necrológica, na secção Especial - Centralização, sob o funesto título: Beja, Bragança e Portalegre correm risco de desaparecer. O sublinhado é o único pormenor da minha inteira responsabilidade...
Quem, generosamente, tenha acompanhado o que venho escrevendo neste Blog poderia ser tentado a pensar que me congratulo com esta peça jornalística. Nada seria mais errado! É que uma coisa é a expressão do crescente desespero individual, manifestação -talvez!- de um patético apelo pessoal à inversão das “políticas” de desenvolvimento e progresso locais em curso; outra coisa, bem diversa, é a confirmação “científica” da validade destes testemunhos, colectiva e devidamente autorizada ou subscrita por entidades credíveis e isentas de bairrismos e outros “obsoletos” sentimentos mais ou menos rurais.
Quando, há escassos meses, comparava “por alto” Elvas e Portalegre, perguntava-me e perguntava qual é -aqui e agora- a validade da expressão capital de distrito...
No breve estudo agora disponível no DN, as três capitais de distrito abrangidas estão perto de situações perigosas (sic), sobretudo em função das erradas políticas centrais de... descentralização. O recentíssimo episódio das verbas do PIDDAC 2010 é apenas um pormenor.

Portalegre tem vindo a coleccionar, desde há décadas, autarcas e políticos de média ou pequena dimensão. As excepções a esta regra geral da nossa mediocridade são tão reduzidas que nem sequer contam para suavemente colorir tão cinzento panorama. Acresce a correspondência governamental, directamente proporcional ao que “merecemos” ou “justificamos”. E, no entanto, seria desejável que acontecesse exactamente o contrário, a fim de que houvesse uma compensação ou correcção que não nos penalizasse duplamente. Mas nas coisas da política não há caridades anónimas nem vitórias morais.
Neste campeonato das cidades onde também se verificam “fratricidas” lutas corpo-a-corpo -litoral contra interior, norte contra sul, etc.- o resultado está à vista, na promoção de umas poucas, na despromoção de muitas outras... A nós, como sempre, calha-nos o campeonato das últimas.
O nosso retrato, puro e duro, tem vindo a ser retocado com cores e linhas cada vez mais dramáticas: acentua-se a nossa “magreza” já quase esquelética, no esvaziamento e envelhecimento demográfico, na crise económica com o progressivo desaparecimento do nossa estrutura industrial, no défice empresarial do tecido comercial, na desagregação social agravada pelo desemprego, no abandono dos campos, no desprezo pelas tradições e pela cultura local, na carência de afirmação plena dos nossos sectores escolares, na progressiva descaracterização ambiental (que é feito do nosso antigo e promissor Parque Natural?), na crescente queda na pobreza e/ou na solidão de muitos cidadãos portalegrenses, na falta de projectos catalizadores do investimento, até na aflitiva ausência daqueles sonhos que mobilizam as vontades e as energias adormecidas...
Os implacáveis depoimentos e os sérios avisos contidos no artigo remetem, salvaguardadas algumas “ligeiras” diferenças, para a magna questão ambiental: ou invertemos o rumo dos nossos comportamentos ecológicos ou, a prazo (mais ou menos longo?), desapareceremos da face da Terra. Nós, portalegrenses, ou alteramos o rumo das nossas políticas locais e regionais ou, a prazo (mais curto!), desapareceremos do registo das cidades ou, talvez mesmo, do mapa nacional.
Provavelmente, na ausência de um improvável “milagre” que inverta os critérios governamentais, continuaremos limitados às nossas próprias potencialidades.
Vamos assobiar distraidamente para o lado, murmurar em surdina que quem vier atrás que feche a porta e encolher os ombros perante o inevitável destino, como costuma acontecer e como parece quase lógico?
Não! Em vez da desistência, impõe-se a resistência.
O artigo, apesar do seu estilo mais ou menos apocalíptico, contém pelo menos uma mensagem de esperança.
O mapa infográfico e a relação dos esquemas da centralização deixam-nos muito mal colocados em quase todos os confrontos: não dispomos de nenhuma estrutura significativa na área desportiva; não somos sede de nada de importante em termos políticos, militares ou jurídicos; também não temos nenhum aeroporto, sede de empresa ou instituição bancária, hospitalar ou universitária de relevo. O nosso CAEP nem sequer é citado numa relação de quase meia centena de casas de teatro nacionais... Segundo a relação em causa não dispomos (no distrito inteiro) de uma só Loja do Cidadão, enquanto até Beja e Bragança contam com uma...
Onde reside, então, a nossa reserva de esperança? Precisamente na localmente tão desprezada área cultural, no capítulo dedicado aos museus, onde é arrolado um total de 26. Sendo seguro que é significativo o contributo de Elvas para esta contabilidade, a consoladora constatação global coloca-nos em 11.ª lugar na lista dos 18 distritos continentais, à frente de Beja (24), Bragança (9), Castelo Branco (13), Guarda (14), Viana do Castelo (13), Vila Real (11) e Viseu (18)...
Como é óbvio, esta realidade não resolve os nossos potenciais problemas nem constitui solução para as nossas carências. Mas pode e deve ser encarada como um catalizador dos tais sonhos aptos a mobilizar as nossas vontades e as nossas energias.
Sempre acreditei -e continuo a acreditar- na Cultura como um factor decisivo de progresso e desenvolvimento, espiritual e material, limitando-me a integrar uma parcela da comunidade portalegrense que ainda se norteia por idênticos ideais.
E acredito cada vez mais -como aprendi com o sábio mestre e meu amigo Hélder Pacheco- que ser culto é ser do sítio.
Por isso me preocupo com bancos que são monumentos e com azulejos que são memória, com bibliotecas que são fontes e com museus que são história, com pessoas mortas que são património e, enfim, com pessoas vivas que são gente.
Por tudo isto e porque às vezes nem sequer é preciso inventar, quando saber bem copiar já basta, lembro-me de John Kennedy que, no discurso da sua posse, no distante dia 20 de Janeiro de 1961, afirmou:
- Não perguntes o que a tua terra pode fazer por ti - pergunta o que podes fazer pela tua terra.
Finalmente, recordo José Régio e João Tavares, portalegrenses de estimação, que em boa e premonitória hora criaram para nós -hoje- a legenda e a imagem mobilizadoras:
- A Alma do Homem é que dá Corpo à Cidade.

Do necessário e urgente projecto cultural mobilizador de Portalegre e dos portalegrenses terão de ser radicalmente afastados todos os mercenarismos e todas as partidarites que, em passados próximos ou remotos, nos têm condenado à vulgaridade e ao retrocesso.
Para tal luta e nestas condições estarei, mais do que disponível, firmemente disposto.
Portalegre, Fevereiro de 2010
António Martinó de Azevedo Coutinho

domingo, fevereiro 21, 2010

Luís Filipe Meira

Porque Hoje é Domingo…
Estamos em Fevereiro e em Portalegre Fevereiro é Mês de Jazz.
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O Jazz não é apenas musica pois tem implicações importantíssimas ao nível duma sociedade.
O Jazz é uma maneira de viver e essa foi a maneira que eu escolhi para toda a minha actividade básica, principalmente na parte musical e cultural.
Luís Villas-Boas
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Para Ouvir…
1 – Laurent Filipe & Orch. Som do Mundo – Villas Vanguard
Ad Lib (itum) vol. 1 / 1995 - c/ Maria João-Voz; Mário Laginha-Piano; Bob Sands – Sax Tenor

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2 – Joe Lovano Us Five - Powerhouse
Folkart / 2009
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3 – Freddie Hubbard – Father & Son
Here to Stay / 1962 - c/ F. Hubbard – Trumpet; W.Shorter – S.Tenor; C. Walton- Piano; R. Workman – Bass; P.Joe Jones-Drums

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4 – Charles Mingus – Goodbye Pork-Pie Hat
Mingus AH Um / 1959 c/ C. Mingus – Bass; J. Handy- Sax Alto; B.Ervin-Sax Tenor; J. Kneper- Trombone; H.Harlan- Piano; D.Richmond-Drums
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5 – Gianluca Petrella – Jazz Has Just Left the Building and Now is Fighting Against Me.
Kaleido / 2007 c/ G.Petrella- Trombone; F.Bearzatti-Sax Tenor;P.Dalla Porta-Bass; F.Accardi-Drums
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6 – e.s.t. Esbjörn Svensson Trio – Jazz
Leucocyte / 2008 c/ E.Svensson-Piano;D.Berglund-Bass M.Östrom – Drums
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7 – Miles Davies – So What
Kind of Blue / 1959 c/ M.Davies – Trumpet;J. Cannonball Aderley-Sax Alto; J.Coltrane-Sax Tenor; W.Kelly-Piano;B.Evans-Piano; P.Chambers-Drums; J.Cobb-Bass
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8 – John Coltrane – Part 1 Acknowledgement
A Love Supreme / 1964 c/ J.Coltrane-Sax Tenor;M. Tyner-Piano;J.Garrison- bass ; E.Jones- Drums
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9 – Sonny Rollins – St. Thomas
Colossus / 1956 c/ S.Rollins-Sax Tenor;T.Flanagan-Piano D. Watkins-Bass;M.Roach-Drums
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10 – Keith Jarrett – Paris Part III
Paris / London – Testament / 2009 c/ K.Jarrett-Piano Solo
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No meu leitor de DVD também se vê e ouve JAZZ...

Bird (O Fim do Sonho) - Realização de Clint Eastwood c/ Forrest Whitaker / 1988
A história tragicamente gloriosa de Charlie Parker, um dos maiores músicos de Jazz de sempre, indicada para a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1988.
“Uma apaixonante (e apaixonada) incursão na vida e arte do lendário saxofonista Charlie Parker, interpretado admiravelmente por Forrest Withaker”

Manuel Cintra Ferreira, in Expresso

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Kansas City - Realização de Robert Altman c/ Jennifer Jason Leigh e Harry Belefonte / 1996
Em 1934 Kansas City é uma das raras cidades americanas que escapa à crise. O jogo embora ilícito impõe a sua presença e o jazz confere-lhe ritmo e energia. O amor, o crime, o racismo e a política também aqui são explorados magistralmente por Altman mas a pedra de toque desta fita é a música afinal a razão do filme. As jam sessions no Hey Hey Club são absolutamente fantásticas ou não fossem elas interpretadas por grandes músicos como Joshua Redman – no papel de Lester Young - Craig Handy, Ron Carter, Don Byron – que esteve no Portalegre JazzFest em 2007 – James Carter ou David Murray entre muitos outros.
Kansas City, um óptimo thriller com uma banda sonora magnífica.
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Da minha estante – recordando sempre que Fevereiro é mês de Jazz em Portalegre – retirei dois velhos livros assaz curiosos...
Grande Musica Negra, de Jorge Lima Barreto
Edições Rés Limitada / 1975
A Grande Musica Negra é dedicada a José Duarte e foi escrita em pleno fervor revolucionário logo no prólogo apresenta vários parágrafos que são autênticas pérolas.
Por exemplo:
(…) Se o povo não “gosta” de Jazz e continua a suportar a mixórdia da música ligeira é porque a repressão não lhe permitiu que a entendesse. Os fascistas só davam merda ao povo, também porque eles nada tinham para oferecer (…)
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Abaixo de Cão, a autobiografia de Charles Mingus
Edições Assírio & Alvim /1982
“Abaixo de Cão” é a autobiografia de Mingus que conta com ajuda de Nel King, um dos maiores contrabaixistas da história do jazz, foi originalmente editada em 1971 e é pouco mais que curiosa.
Luís Filipe Meira

Riccardo Marchi

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sábado, fevereiro 20, 2010

António Martinó de Azevedo Coutinho

Festa de Homenagem a João Tavares (22-5-1973)
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Os pupilos do senhor Reitor
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Se falarmos com qualquer dos que foram alunos no antigo Liceu, quando este funcionou no Corro, qualquer deles recordará, pelo menos, um de dois Reitores: ou o velho Dr. Albino Honório de Freitas ou o jovem Dr. António Luís Marcão.
Um e outro nunca se encontraram, pois o tempo e o espaço separaram-nos; o Dr. Honório deixou Portalegre alguns anos antes da chegada do Dr. Marcão. Porém, estão ambos bem juntos, desde há dias e para todo o sempre, na grata memória de muitos de nós, no lugar onde guardamos as melhores recordações.
O velho Reitor impôs-se sempre pelo profundo e quase familiar humanismo que dele irradiava, enquanto o jovem Reitor teve de enfrentar e vencer as lógicas dificuldades inerentes ao precoce desempenho de um cargo de considerável significado académico e social. E a verdade é que cumpriu com insuperável competência todas as responsabilidades ligadas a esse lugar cimeiro no Liceu de Portalegre, deixando-lhe associada uma incontestável e prestigiada marca pessoal.
Depois de um percurso profissional e de uma vida social exemplares, o Dr. António Marcão retirou-se tranquila e discretamente como sempre, dedicando-se aos seus e também aos amigos, nesta terra que adoptou como sua, onde se radicara e constituíra família. Mas não foi esquecido pela comunidade portalegrense -e não apenas pela académica- que publicamente lhe dedicou uma sentida e sincera homenagem. A esse momento de festa associaram-se muitos amigos, nomeadamente da sua Coimbra natal, onde crescera e se formara.
Desaparecendo agora do nosso convívio e deixando ainda mais pobre esta terra, permanecerá no entanto, em cada um de nós, na lembrança do homem superior que foi e que contribuiu de forma decisiva para o crescimento cultural e humano de inúmeros alunos e amigos.
Por isso e ainda que alguns não tenhamos beneficiado directamente da generosa partilha dos seus múltiplos saberes, todos legitimamente nos sentimos pupilos do senhor Reitor.
António Martinó
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in, Fonte Nova, 20 de Janeiro de 2010, p.2
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Mário Silva Freire

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António Luís Marcão: o reitor e o educador
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Dar o testemunho de alguém que nos deixou para sempre e a quem muito admirámos e estimámos, é tarefa contraditoriamente difícil e fácil. Difícil, porque nos tornamos mais conscientes de que a ligação que tínhamos com essa pessoa deixou de existir. É certo que a sua memória perdurará enquanto a nossa própria memória subsistir e isso, até certo ponto, torna-a viva dentro de nós. Mas tal não basta para suprir a sua presença física.
Por outro lado, esse testemunho torna-se fácil porque, evocando alguém como o Dr. Marcão, sem esforço nos vêm à mente as suas qualidades humanas e profissionais, o seu estilo de liderança e a sua faceta de educador.
Fui um colaborador muito próximo de António Luís Marcão. Tive, pois, oportunidade, quase quotidiana, de testemunhar a sua conduta como reitor do Liceu de Portalegre, como professor, como educador e como pessoa, na sua acepção mais lata.
Ele soube ser, numa altura em que nem sempre era fácil terem-se ideias próprias, o reitor que pugnava pelo qualidade do ensino, que se solidarizava com as posições que os professores, publicamente, tomavam a favor de um ensino mais qualificado e de um corpo docente mais dignificado.
O Dr. Marcão era um líder nato. Ele procurava o diálogo e a opinião dos outros para a tomada das suas decisões. Mas isso não lhe retirava a prerrogativa de apresentar com clareza as suas posições, assumindo as responsabilidades que delas decorressem. Ele foi um inovador e um facilitador da inovação. Na primeira parte da década de 70, o liceu de Portalegre era considerado, pelas turmas experimentais em várias disciplinas, por experiências pedagógicas levadas a cabo, pela renovação de muito equipamento e material didáctico, especialmente no domínio dos audiovisuais, um dos estabelecimentos de ensino de referência do País.
Mas que dizer das suas relações com os alunos? Ele foi o pai para alguns, o confidente para muitos e um amigo para todos. Essa amizade, contudo, nunca pôs em causa o cumprimento das normas que ele, como educador, soube incutir nos alunos.
A sua pessoa calma, afectuosa, delicada não pode desligar-se do reitor respeitador mas que se fazia respeitar, do homem cumpridor mas que exigia que se cumprisse, do professor que estudava mas que motivava o aluno a estudar e a aprender, da pessoa boa e afável que induzia nos outros a amizade e o respeito.
Todos nós, professores, alunos e funcionários não apagaremos da nossa memória o senhor reitor Dr. Marcão. Foi uma pessoa de eleição que desapareceu mas um exemplo de bondade, de competência e de cidadania que ficou!

Mário Freire
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in, Fonte Nova, 20 de Fevereiro de 2010, p.2
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Mário Silva Freire

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In memoriam – António Luís Marcão
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O senhor reitor, como alguns o apelidavam, recordando os tempos em que desempenhou aquela função no Liceu de Portalegre, deixou-nos!
Fui colaborador próximo dele durante vários anos naquele estabelecimento de ensino e pude constatar as qualidades humanas e profissionais de que sempre o Dr. Marcão deu provas. De uma delicadeza cativante, era daqueles líderes que procurava encontrar as soluções para os problemas mediante o diálogo, mas que não o impedia de tomar as decisões difíceis, assumindo, sem receios, a responsabilidade pelas mesmas, quando tal lhe era exigido.
Embora ocupasse um cargo de nomeação governamental, nunca ele deixou de pugnar pelas causas públicas que os professores defendiam e que, naqueles tempos, nem sempre eram fáceis de assumir. Dois exemplos, talvez pouco conhecidos, que ilustram esta faceta solidária e corajosa do Dr. Marcão:
- foi o primeiro subscritor de uma exposição de professores, no Liceu, dirigida ao Governo, em que eles expunham as suas razões, manifestavam a sua discordância pelo estatuto de menoridade em que eram tidos e solicitavam uma remuneração compatível com as responsabilidades que lhes eram cometidas;
- facilitou a angariação de assinaturas para a revista “O Professor” que, antes do 25 de Abril, se constituía como um órgão de luta pela melhoria do ensino e da condição docente.
Para muitos alunos chegou a ser um verdadeiro confidente, que nele viam o Homem justo, bondoso e amigo. Sempre os alunos tiveram o apoio e a colaboração do Dr. Marcão para iniciativas culturais ou, simplesmente, recreativas. Mas era, também, o educador sereno que, sem demagogias ou subserviências, tentava esclarecer os alunos quando via que as suas pretensões não estavam de acordo com os fins educativos da escola que frequentavam.
O Dr. Marcão, durante os treze anos em que esteve à frente do Liceu de Portalegre, fez dele um estabelecimento de ensino aberto à inovação pedagógica, com inúmeras iniciativas, e contribuiu para a renovação do equipamento e do seu material didáctico. Mas ele foi, também, com o seu exemplo e a sua palavra, o amigo que nenhum aluno, funcionário ou professor jamais o poderá esquecer.

Mário Freire
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in, O Distrito de Portalegre, 18 de Fevereiro de 2010, p.4

Manuel Isaac Correia

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Morreu o Dr. Marcão
Viva o Senhor Reitor
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Não foi inesperada a notícia, mas a cidade e a região ficaram muito mais tristes na segunda-feira de manhã, quando se soube do falecimento do dr. Marcão.
António Luís Botelho Chichorro Marcão contava 82 anos, feitos a 30 de Novembro. Nasceu em Coimbra, onde se licenciou em Ciências Matemáticas na Faculdade de Ciências, tendo anteriormente frequentado Engenharia Geográfica na Universidade e Lisboa. Estagiou no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, e em Portalegre, desde Abril de 1959, foi professor e Reitor do Liceu Nacional de Portalegre, primeiro a dar aulas de desenho e matemática, depois só matemática, sendo nomeado Reitor em 29 de Setembro de 1960.
O funeral realizou-se a meio da manhã de terça-feira, de Portalegre para Monforte, onde ficou em jazigo de Família.
É difícil ser-se imparcial a falar do Dr. António Luís Marcão, pois estamos perante uma pessoa a diversos títulos extraordinária.
O Reitor do Liceu Nacional de Portalegre, o professor de Matemática, e explicador de tantas gerações, o homem profundamente inteligente, a pessoa discreta, o professor e Reitor amigo, o vizinho, o portalegrense, o amigo, para cada um de nós o Dr. Marcão é um pouco de cada parte e simultaneamente de tudo isto.
É difícil encontrar uma figura com este denominador comum. Alguém de quem todos nós gostássemos e que tanto respeitássemos.
Mesmo contando com a cumplicidade da D. Mary, ficou por fazer aquela entrevista que o Mário e eu tínhamos combinado fazer ao Dr. Marcão e que era para acontecer “por Acaso”, numa manhã de há uns tempos atrás na Praça da República.
A doença do Dr. Marcão e o Inverno anteciparam-se. Queríamos fazer uma entrevista de vida, passe o pretensiosismo, sem que parecesse sê-lo. Para memória futura.
Mas a memória do Senhor notável, dos mais notáveis que conhecemos na vida, perdurará enquanto perdurarem os nossos filhos e netos.
O fumo inveterado será o culpado, mas alguma coisa havia de ser.
O Dr. Marcão sentiu aproximar-se o final e de tudo tratou, como nos contava a sua esposa extremosa, companheira de vida, a Senhora D. Mary.
Partiu o Dr. Marcão, o mais emblemático Reitor de que ouvimos falar, o senhor que não teve só os cargos que não quis, pois se quisesse teria uma carreira política de vulto, e tanto mais.
Escolheu ser Professor. E foi o Senhor Reitor do Liceu Nacional de Portalegre.
Perante a sua memória, o seu exemplo e o seu percurso, curvamo-nos com um respeito imenso e uma amizade eterna.
Partir o Dr. António Luís Marcão. À Senhora D. Mary Robinson da Silveira, aos filhos Francisco, Pedro e Sílvia, aos netos Pedro, Tiago, Margarida, José Nuno, Sofia, Tomás, Inês e Francisco, e a toda a Família, AA apresenta as mais sentidas condolências, curvando-nos perante um verdadeiro Senhor, de uma grandeza inultrapassável que nos distinguiu com a sua amizade e palavra amiga.
Manuel Isaac Correia
Director do semanário Alto Alentejo
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in, Alto Alentejo, 17 de Fevereiro 2010, p.6
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Dr. António Luís Marcão

Corpo redactorial do jornal Capas Negras
(15-11-1967 a 4-6-1968)
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Em 11 de Junho de 1999

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O Último Príncipe
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Era uma ‘notícia anunciada’ o falecimento do Dr. António Luís Botelho Chichorro Marcão, ocorrido na passada segunda-feira dia 15 de Fevereiro. Sabíamos que estava gravemente doente, e desde o primeiro momento em que o soubemos que uma tristeza de nós se apoderou. Sem que em tempo algum tivéssemos pertencido ao seu inner circle, o facto é que conhecíamos desde a nossa tenra adolescência o Dr. António Luís Marcão. E ao longo do tempo foi por nós compreendida e admirada a sua personalidade impar.
É mais vendo o filme de Luchino Visconti do que lendo a obra de Tomasi di Lampedusa, Il gattopardo, que a imagem do Dr. António Luís Marcão nos aparece mais ‘nítida’. A personagem de D. Fabrício, Príncipe de Salina, ‘confunde-se’ com a figura deste último Príncipe. O seu porte, a sua cultura, a sua percepção da importância quer social, quer política e acima de tudo profissional do saber estar na sociedade do seu tempo, ‘aproxima-os’, ‘confunde-os’.
Não é fácil viver uma Vida, e saber vivê-la. E menos vivê-la com responsabilidade, com coerência e sempre com princípios. A verticalidade do carácter, o saber ouvir, o aconselhar, conseguir ver ‘mais além’ prevendo o Futuro, só é apanágio de uma minoria, de uma elite. E as elites de Portalegre nunca primaram por estes atributos, salvo a excepção que confirma a regra. Pois, o Dr. António Luís Marcão foi ao longo da sua Vida a excepção.
Há três momentos distintos em que tivemos o privilégio de nos aproximar do Dr. António Luís Marcão. Em muitos dias de férias brincámos em sua Casa, e quando o víamos sempre para nós tinha uma palavra gentil. Depois foi o nosso Reitor no Liceu Nacional de Portalegre. E nesta qualidade tivemos por várias vezes que o visitar, e sempre nos desculpou, contudo, sem que não deixasse de nos fazer pensar e responsabilizar pelos actos que cometêramos. Já no nosso final do percurso liceal a seu lado estivemos, sempre certos de que a razão que nos assistia era a certa, e a lealdade que sempre demonstrámos honra-nos hoje e sempre.
Quando regressámos a Portalegre tivemos duas experiências na área da política, a primeira na Real Associação de Portalegre e a segunda no Partido do Centro Democrático e Social. Encontrámos o Dr. António Luís Marcão na RAP e no CDS, e aqui sempre connosco esteve. Nestes dois episódios foi possível um diálogo já ‘adulto’, e então conhecemos mais uma faceta, a de um Homem íntegro, de forte sentido Humanista e Personalista, em que a Tradição era uma trave-mestra da sua formação Cívica. A partir de então, para nós o Dr. António Luís Marcão passou a ser um Homem Completo na filosófica acepção de Henri Bergson.
Não queremos deixar de lembrar um outro momento, que foi o da passagem dos vinte e cinco anos em que terminámos o Liceu. Uma Comissão, da qual fizemos parte, criou as condições para que a efeméride fosse celebrada. E desde a primeira hora que, juntamente com outros nossos Professores, o nosso Reitor a ela se associou.
Com o tempo foi diminuindo o contacto com o Dr. António Luís Marcão. As nossas posteriores conversas aconteceram principalmente no Café Alentejano, e de entre elas não esqueceremos o apoio que nos deu quando da nossa passagem num cargo directivo em O Distrito de Portalegre, as palavras simpáticas como se referia à revista Plátano. Também se associou à Homenagem ao Padre José Dias Heitor Patrão em Maio de 2009, mas já problemas de saúde o impediram de estar presente.
Hoje não é só a Cidade de Portalegre que está mais pobre com o desaparecimento do Dr. António Luís Marcão. Também uma certa concepção de Vida está mais frágil, porque um Elo da sua constituição nos deixou. É verdade que o que o Dr. António Luís Marcão representa para as Gerações que com ele de alguma maneira privaram, pertence a ‘um Mundo de Ontem’, como o que vivera Stefan Zweig na sua Áustria, feito de Certezas e de Princípios que a sociedade relativista, hedonista, de hoje, como que condena. A moral, a ética e a estética, do Tempo em que o Dr. António Luís Marcão foi Gente d’Algo, hoje não é a dominante, mas tal foi por Ele pré-monitoriamente sentida.
Por tudo, se compreende que o Dr. António Luís Marcão é O Último Príncipe.

Esta é a Homenagem que o Respeito pela Memória do Dr. António Luís Marcão nos permite. Pouca coisa será, mas é feita com a consciência livre de quem a sente como um Dever cumprido.
Que a Sua Alma descanse em Paz.
Mário Casa Nova Martins
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in, Alto Alentejo, 17 de Fevereiro 2010, p.6
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António Luís Botelho Chichorro Marcão

António Martinó de Azevedo Coutinho
Jornal Fonte Nova
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Mário Silva Freire
Jornal Fonte Nova
Manuel Isaac Correia
Jornal
Alto Alentejo
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Mário Casa Nova Martins
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'Falta' a capa do semanário O Distrito de Portalegre.
Contudo, neste jornal a única referência à Pessoa e ao falecimento do Dr. António Luís Marcão foi o Texto do Dr. Mário Freire, e que vem no seu interior.
Que fique aqui dito que o Dr. António Luís Marcão era uma figura pública de Portalegre, e assumia-se como Católico praticante, sendo presença na missa semanal celebrada na Sé catedral de Portalegre.
Como jornal dito de inspiração cristã, lamenta-se tal omissão por parte do semanário, da responsabilidade de quem não soube compreender o valor de um facto ocorrido em Portalegre, mostrando desconhecer a realidade social da cidade da qual o centenário jornal O Distrito de Portalegre é parte integrante.
Mário Casa Nova Martins
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Luís Filipe Meira

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Portalegre JazzFest
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Capitulo 1
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Teve início a noite passada no Centro de Artes a 8.ª edição do Portalegre JazzFest. Como já aqui foi referido, as honras de abertura foram para Carlos Barretto (CB) e o projecto Lokomotive, que conta com José Salgueiro na bateria e o guitarrista Mário Delgado. É recorrente dizermos que Barretto é um dos melhores músicos de Jazz portugueses. Mas CB é muito mais que isso. É um músico enorme que conhece o seu contrabaixo perfeitamente e que consegue potenciar um instrumento de tão difícil execução para níveis elevadíssimos. Perfeita foi também a unidade demonstrada por todo o grupo a que não é alheio certamente o facto de estarem na fase final da gravação de um novo disco. Grande concerto.

Mais complicada foi a actuação do Pocketbook of Lightning, o duo de Nuno Rebelo e Marco Franco, aqui com a colaboração do saxofonista Tom Chant. Assente em conceitos estéticos perto da música electrónica e do free jazz, vagamente inspirados em compositores como Edgar Varêse ou John Cage, este trio praticou uma música já de si de grande complexidade e que pode afugentar o ouvinte menos avisado quando exibida sem condições ou seja num espaço de Café Concerto que naturalmente tem um ruído ambiente que só prejudica a concentração dos músicos e dos espectadores interessados, pois os mirones não dão por nada. Para projectos deste tipo o pequeno auditório é definitivamente o local ideal.

Para hoje temos pelas 18 horas José Duarte o decano dos críticos de Jazz portugueses que promete manter com os interessados uma conversa informal sobre Jazz
Pelas 21.30h teremos o muito aguardado concerto do José James Quartet que aglutina o melhor da música negra da Soul ao Jazz, dos Blues ao Hip Hop.
No espaço Café-Concerto temos mais um After Hours com o Trio Lisboa Berlim, outro grupo que se dedica à música improvisada e experimental. Podemos ter aqui outro bico-de-obra pelas razões expostas atrás.

A ver vamos e… lá nos encontramos!
Luís Filipe Meira

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Luís Filipe Meira

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JAZZ em FEVEREIRO
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PRÓLOGO
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O 8.º JazzFest Portalegre teve ontem pelas 14:30h o seu prólogo com a actuação do colectivo Open Gate 5, um interessante projecto de mistura sonora de objectos corriqueiros.
Desde o som que a água emite ao ser manipulada, ao som dum balão cheio a ser apertado, ao sopro numa mangueira tudo serve para este grupo se exprimir. Afinal mais não fazem do que explorar o som dos objectos à imagem do que qualquer criança faz, daí a assistência ser maioritariamente formada por crianças em idade de infantário.
Não sei se este é o espectáculo ideal para um público na faixa dos 4 / 5 anos, agora o que é um facto é que a pequenada aguentou firme a performance durante quase 1 hora.
Ora sendo o Jazz um género musical de livre expressão e cuja base tem muito de improviso, julgo pois que esta foi uma feliz escolha para prólogo de um festival que começa formalmente esta noite com o Trio de Carlos Barretto.
Barretto, que se apresenta com Mário Delgado na guitarra e José Salgueiro na bateria, foi o primeiro director artístico do festival e tem quota-parte importante na implantação, no sucesso e no prestígio que o Portalegre JazzFest tem angariado ao longo destas oito edições. Barretto actua pela terceira vez no festival, e na memória ainda perduram os concertos de 2003 com Alexandre Frazão e Bernardo Sassetti e em 2006 com Zé Eduardo e Carlos Bica.
Tudo leva a crer que iremos ter uma grande noite de jazz que se irá estender ao espaço café-concerto onde num after-hours irão actuar os Pocket of Lightning de Nuno Rebelo e Marco Franco, com a participação em estreia de Tom Chant, membro da excelente Cinematic Orchestra.
Lá nos encontrarão!
Luís Filipe Meira

Luís Filipe Meira

Jazz em Fevereiro
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O Portalegre Jazzfest vai cumprir dentro de dias a sua 8.ª edição, terá sido - hoje não sei - a manifestação cultural mais importante do Norte Alentejano com referências em toda a comunicação social nacional generalista. O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa chegou mesmo a elogiar o festival na sua habitual intervenção de domingo à noite na televisão, Nuno Rogeiro fez o mesmo em diversas publicações, os grandes jornais nacionais e a própria televisão faziam a cobertura do evento. Hoje naturalmente que ainda há imensas referências ao festival, mas com menor expressão e há quem diga que o acontecimento já viu melhores dias até porque a cidade nunca considerou o Portalegre JazzFest como uma manifestação própria de vitalidade cultural, naturalmente que as opiniões dividem-se e por isso procurámos saber o que algumas pessoas, referências na vida cultural da cidade e que acompanham de perto o festival, pensam sobre o assunto.
Há duas semanas publicámos o testemunho de Joaquim Ribeiro, director artístico do CAEP, a semana passada foi a vez de António Eustáquio, músico de múltiplas facetas entre as quais o Jazz e de José Polainas, vereador da cultura no último mandato autárquico. Hoje é Luís Pargana (LP), vereador da cultura no primeiro mandato de Mata Cáceres e o principal responsável pela criação do Portalegre JazzFest que nos deixa a sua opinião.
Luís Filipe Meira
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AA: Como surge a ideia de um festival de Jazz numa cidade sem tradição no género?
LP: Quando o Portalegre Jazzfest nasce, em 2003, o principal objectivo não se prendia apenas com uma lógica de programação cultural, mas era parte integrante da estratégia política desenvolvida pelo Pelouro da Cultura de então, para a cidade de Portalegre.
Um festival internacional de Jazz, em Portalegre, era parte importante de uma estratégia que pretendia afirmar a Cidade como território cosmopolita de culturas contemporâneas, por um lado, consolidando o seu papel de capital de distrito também no plano cultural e, por outro lado, permitiria formar públicos para o Centro das Artes do Espectáculo (CAEP) que estava, então, em projecto, bem como para os equipamentos culturais do Município.
Acima de tudo, pretendia-se contrariar os anos de apatia cultural que pareciam ser uma fatalidade de Portalegre, e imprimir novas dinâmicas de fruição, mas também de criação cultural.
É claro que a aposta no jazz era um risco, mas houve a preocupação, desde a primeira hora, de delinear estratégias de envolvimento da Cidade, estabelecendo parcerias com escolas, associações culturais e até empresas do concelho, organizando workshops variados, associando-lhe ciclos de cinema, exposições ou jam sessions nos bares e nos cafés da Cidade. O Jazzfest assumiu, assim, características únicas no panorama dos festivais de Jazz que se realizam em Portugal, o que atraiu as atenções dos principais órgãos de comunicação nacionais que aqui deslocavam os seus jornalistas que se misturavam com os músicos e com os públicos, passeavam pelas ruas da nossa cidade, interessavam-se pelas obras do Polis que então decorriam, provavam a nossa gastronomia nos nossos restaurantes e, sobretudo, conversavam com as pessoas.
Enfim, o Jazzfest era pretexto para a nossa descoberta e para o aumento da nossa auto-estima.
Como se sabe, a partir de 2006 a política cultural do Município alterou-se substancialmente, passando a desenvolver-se em torno de dois eixos restritos: a programação do Centro das Artes do Espectáculo e a Fundação Robinson.
Desde aí, o Portalegre Jazzfest tem vindo diluir-se na programação geral do CAEP, perdendo os seus traços identitários originais e tornando-se apenas mais um espectáculo entre os demais.
Parece-me que essa será a principal explicação para o “sentimento de perda” implícito na tua pergunta.

AA: Continua a justificar-se um investimento expressivo numa manifestação que está longe de mobilizar a cidade?
LP: O investimento na cultura é sempre o investimento nas pessoas e no progresso da nossa civilização. Este investimento não se pode reduzir aos números mas, deve ter em conta os retornos que daí advêm.
Recordo que o primeiro Jazzfest, com toda a sua programação e envolvimento da Cidade teve um custo mais barato do que o cachet de uma qualquer girlsband internacional da moda. E teve um retorno enorme que dura já há 8 anos.
Se deixou de mobilizar a cidade há que reflectir as razões e definir as melhores estratégias para alterar a situação.

AA: A perda de gás que se tem vindo a notar em relação às primeiras edições é real?
LP: Não tenho dúvida de que temos qualidade no programa desta 8.ª edição do Portalegre Jazzfest.
Mas a qualidade não é um valor absoluto. A qualidade é sempre relacional. Depende do valor que lhe é reconhecido pelos outros, por aqueles a quem se destina e que pretende cativar.
Depende muito da capacidade em fazer perceber esse valor, atribuindo-lhe significado e intencionalidade. As coisas só têm significado quando são apropriadas pelas pessoas, quando se lhes entende o sentido. Ora, para isso é fundamental contextualizar o Festival na sua intencionalidade primeira e subsequentes. É imprescindível estabelecer relações e alimentá-las.
É isso que está a falhar, na minha opinião. O Portalegre Jazzfest é tratado como se não tivesse história nem memória e essa é a causa principal para a falta de relação com a cidade.
Um festival que pretende ser a Festa do Jazz de Portalegre precisa tanto de cumplicidades como de espectadores. Precisa tanto da festa como do espectáculo. É este o gás, (para usar a tua expressão) que pode sustentar um evento desta natureza. A sua alma!
Vou dar um exemplo: No programa da 8.ª edição do Portalegre Jazzfest anuncia-se o concerto do trio de Carlos Barretto, como se de mais um concerto se tratasse. Só que não é. Não pode ser!
O Carlos Barretto foi o director artístico deste Festival nas suas primeiras 4 edições. Foi ele que, comigo, demos o nome ao Festival e concebemos o seu formato (que se mantém, no essencial, com a componente nacional, europeia e americana). Foi ele que criou o seu logótipo: o piano com as letras por cima. Foi ele que tocou nos concertos de inauguração do Festival, com o Bernardo Sassetti e o Alexandre Frazão, em 2003, e do Auditório da Câmara Municipal, em 2006, com o Zé Eduardo e o Carlos Bica. Enfim, não é um artista qualquer a quem se paga um cachet para vir fazer um concerto a Portalegre. E as pessoas deviam sabê-lo e ao sabê-lo sentirem-se motivadas a verem o seu espectáculo.
Podia dar outros exemplos: Há um combo de músicos portalegrenses que nasceu a partir de um workshop realizado no Festival de 2005. Pois bem, esse grupo – o Grupetto - nunca actuou no CAEP apesar de já andar na estrada há algum tempo. Porque não estreá-lo no Jazzfest integrando-lhe a componente local que se procurava dinamizar nas primeiras edições?
Aparentemente seriam meras opções de programação mas, efectivamente, são cumplicidades que, ao perderem-se empobrecem esta Festa do Jazz.

AA: Será que este formato de estender o festival por dois fins-de-semana é correcto? E as datas são as mais aconselháveis?
LP: Já disse atrás que a programação do Jazzfest 2010 é inatacável, do ponto de vista da qualidade e do equilíbrio das correntes estéticas do Jazz. É uma programação amadurecida ao longo de oito anos e que conjuga o Jazz mais lírico com o mais libertário, garantindo a novidade e a inovação que se pretende num Festival desta natureza.
Pode discutir-se se falta, ou não, um nome de uma corrente mais mainstream, que era preocupação das primeiras edições, como foram os casos de Mulgrew Miller, de Dee Dee Bridgewater, ou até de Jacinta que foi o maior êxito de público de todas as edições do Jazzfest.
Pode discutir-se se é, ou não, boa opção substituir as originais jam sessions que permitiam que músicos locais interagissem com músicos consagrados, por concertos after-hours, de carácter marcadamente free e experimental.
Pode, enfim, discutir-se se é, ou não, correcto dividir o Festival em dois fins-de-semana, se deve acontecer em Fevereiro ou em Novembro, se na Primavera ou no Verão, articulando-o com a potencial atractividade turística desta região e fazendo-o transbordar para fora das paredes do Centro das Artes do Espectáculo.
No entanto, essas discussões serão sempre estéreis se não forem acompanhadas de um pensamento estratégico da Cidade e das relações que se pretendem estabelecer, potenciando as dinâmicas que é possível gerar.

AA: Será que o Portalegre Jazzfest traz algum valor acrescentado substancial à promoção turística da região e será que essa ligação tem sido bem gerida?
LP: O Portalegre Jazzfest nasceu numa altura em que a vida cultural da cidade procurava afirmar-se numa dimensão de capital de distrito que, até então, nunca tinha existido. Como já disse, esta busca de identidade resultava de uma opção de política cultural protagonizada pelo Pelouro da Cultura de então e assumida por todo o Executivo Municipal como uma linha de acção prioritária capaz de gerar progresso e impulsionar o desenvolvimento.
Ou seja, o Portalegre Jazzfest não era uma mera opção de programação cultural, mas antes uma opção política estratégica que assumia a cultura como um factor fundamental para o desenvolvimento de Portalegre e para a sua afirmação no plano regional e nacional.
E como era isto possível? Organizar um evento que fosse reconhecido a nível nacional, que atraísse públicos de todo o País, mas também do estrangeiro, nomeadamente de Espanha e, sobretudo, da vizinha Estremadura, mas, principalmente, que estimulasse a nossa auto-estima e nos mobilizasse em torno de um evento de referência, capaz de gerar dinâmicas nos mais variados sectores, não apenas a nível cultural, mas também social e económico, nomeadamente no sector turístico.
Aparentemente este pensamento estratégico deixou de existir e o planeamento do Festival deixou de fazer parte de uma estratégia global entendida como motor e parte integrante do desenvolvimento do concelho e da região, rentabilizando as mais-valias que um evento desta natureza poderia representar para Portalegre.
Não é demais recordar que o mérito inicial do Portalegre Jazzfest foi, precisamente, a sua capacidade em mobilizar a Cidade em torno de um evento que transformava as contrariedades de então (a inexistência de uma sala de espectáculos adequada a um evento internacional de referência, o frio do mês de Fevereiro em Portalegre, a insipiência de públicos, a contingência dos orçamentos, a falta de instalações hoteleiras, etc.) em recursos potenciadores de um Festival diferente, com identidade própria.
Ora a mais-valia turística assenta nas identidades próprias, na capacidade de diferenciação das ofertas e na respectiva promoção. É um trabalho de articulação que está por fazer, em Portalegre.

AA: Finalmente, deve esta aposta ser mantida?
LP: Não tenho a menor dúvida.
Está ainda tudo por fazer em torno deste evento, como de outros, num perspectiva integrada e articulada, para o desenvolvimento de Portalegre.
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in, Alto Alentejo – 17 de Fevereiro 2010 – Terra a Terra – 11