Jazz em Fevereiro
. O Portalegre Jazzfest vai cumprir dentro de dias a sua 8.ª edição, terá sido - hoje não sei - a manifestação cultural mais importante do Norte Alentejano com referências em toda a comunicação social nacional generalista. O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa chegou mesmo a elogiar o festival na sua habitual intervenção de domingo à noite na televisão, Nuno Rogeiro fez o mesmo em diversas publicações, os grandes jornais nacionais e a própria televisão faziam a cobertura do evento. Hoje naturalmente que ainda há imensas referências ao festival, mas com menor expressão e há quem diga que o acontecimento já viu melhores dias até porque a cidade nunca considerou o Portalegre JazzFest como uma manifestação própria de vitalidade cultural, naturalmente que as opiniões dividem-se e por isso procurámos saber o que algumas pessoas, referências na vida cultural da cidade e que acompanham de perto o festival, pensam sobre o assunto.
Há duas semanas publicámos o testemunho de Joaquim Ribeiro, director artístico do CAEP, a semana passada foi a vez de António Eustáquio, músico de múltiplas facetas entre as quais o Jazz e de José Polainas, vereador da cultura no último mandato autárquico. Hoje é Luís Pargana (LP), vereador da cultura no primeiro mandato de Mata Cáceres e o principal responsável pela criação do Portalegre JazzFest que nos deixa a sua opinião.
Luís Filipe Meira
.
AA: Como surge a ideia de um festival de Jazz numa cidade sem tradição no género?
LP: Quando o Portalegre Jazzfest nasce, em 2003, o principal objectivo não se prendia apenas com uma lógica de programação cultural, mas era parte integrante da estratégia política desenvolvida pelo Pelouro da Cultura de então, para a cidade de Portalegre.
Um festival internacional de Jazz, em Portalegre, era parte importante de uma estratégia que pretendia afirmar a Cidade como território cosmopolita de culturas contemporâneas, por um lado, consolidando o seu papel de capital de distrito também no plano cultural e, por outro lado, permitiria formar públicos para o Centro das Artes do Espectáculo (CAEP) que estava, então, em projecto, bem como para os equipamentos culturais do Município.
Acima de tudo, pretendia-se contrariar os anos de apatia cultural que pareciam ser uma fatalidade de Portalegre, e imprimir novas dinâmicas de fruição, mas também de criação cultural.
É claro que a aposta no jazz era um risco, mas houve a preocupação, desde a primeira hora, de delinear estratégias de envolvimento da Cidade, estabelecendo parcerias com escolas, associações culturais e até empresas do concelho, organizando workshops variados, associando-lhe ciclos de cinema, exposições ou jam sessions nos bares e nos cafés da Cidade. O Jazzfest assumiu, assim, características únicas no panorama dos festivais de Jazz que se realizam em Portugal, o que atraiu as atenções dos principais órgãos de comunicação nacionais que aqui deslocavam os seus jornalistas que se misturavam com os músicos e com os públicos, passeavam pelas ruas da nossa cidade, interessavam-se pelas obras do Polis que então decorriam, provavam a nossa gastronomia nos nossos restaurantes e, sobretudo, conversavam com as pessoas.
Enfim, o Jazzfest era pretexto para a nossa descoberta e para o aumento da nossa auto-estima.
Como se sabe, a partir de 2006 a política cultural do Município alterou-se substancialmente, passando a desenvolver-se em torno de dois eixos restritos: a programação do Centro das Artes do Espectáculo e a Fundação Robinson.
Desde aí, o Portalegre Jazzfest tem vindo diluir-se na programação geral do CAEP, perdendo os seus traços identitários originais e tornando-se apenas mais um espectáculo entre os demais.
Parece-me que essa será a principal explicação para o “sentimento de perda” implícito na tua pergunta.
AA: Continua a justificar-se um investimento expressivo numa manifestação que está longe de mobilizar a cidade?
LP: O investimento na cultura é sempre o investimento nas pessoas e no progresso da nossa civilização. Este investimento não se pode reduzir aos números mas, deve ter em conta os retornos que daí advêm.
Recordo que o primeiro Jazzfest, com toda a sua programação e envolvimento da Cidade teve um custo mais barato do que o cachet de uma qualquer girlsband internacional da moda. E teve um retorno enorme que dura já há 8 anos.
Se deixou de mobilizar a cidade há que reflectir as razões e definir as melhores estratégias para alterar a situação.
AA: A perda de gás que se tem vindo a notar em relação às primeiras edições é real?
LP: Não tenho dúvida de que temos qualidade no programa desta 8.ª edição do Portalegre Jazzfest.
Mas a qualidade não é um valor absoluto. A qualidade é sempre relacional. Depende do valor que lhe é reconhecido pelos outros, por aqueles a quem se destina e que pretende cativar.
Depende muito da capacidade em fazer perceber esse valor, atribuindo-lhe significado e intencionalidade. As coisas só têm significado quando são apropriadas pelas pessoas, quando se lhes entende o sentido. Ora, para isso é fundamental contextualizar o Festival na sua intencionalidade primeira e subsequentes. É imprescindível estabelecer relações e alimentá-las.
É isso que está a falhar, na minha opinião. O Portalegre Jazzfest é tratado como se não tivesse história nem memória e essa é a causa principal para a falta de relação com a cidade.
Um festival que pretende ser a Festa do Jazz de Portalegre precisa tanto de cumplicidades como de espectadores. Precisa tanto da festa como do espectáculo. É este o gás, (para usar a tua expressão) que pode sustentar um evento desta natureza. A sua alma!
Vou dar um exemplo: No programa da 8.ª edição do Portalegre Jazzfest anuncia-se o concerto do trio de Carlos Barretto, como se de mais um concerto se tratasse. Só que não é. Não pode ser!
O Carlos Barretto foi o director artístico deste Festival nas suas primeiras 4 edições. Foi ele que, comigo, demos o nome ao Festival e concebemos o seu formato (que se mantém, no essencial, com a componente nacional, europeia e americana). Foi ele que criou o seu logótipo: o piano com as letras por cima. Foi ele que tocou nos concertos de inauguração do Festival, com o Bernardo Sassetti e o Alexandre Frazão, em 2003, e do Auditório da Câmara Municipal, em 2006, com o Zé Eduardo e o Carlos Bica. Enfim, não é um artista qualquer a quem se paga um cachet para vir fazer um concerto a Portalegre. E as pessoas deviam sabê-lo e ao sabê-lo sentirem-se motivadas a verem o seu espectáculo.
Podia dar outros exemplos: Há um combo de músicos portalegrenses que nasceu a partir de um workshop realizado no Festival de 2005. Pois bem, esse grupo – o Grupetto - nunca actuou no CAEP apesar de já andar na estrada há algum tempo. Porque não estreá-lo no Jazzfest integrando-lhe a componente local que se procurava dinamizar nas primeiras edições?
Aparentemente seriam meras opções de programação mas, efectivamente, são cumplicidades que, ao perderem-se empobrecem esta Festa do Jazz.
AA: Será que este formato de estender o festival por dois fins-de-semana é correcto? E as datas são as mais aconselháveis?
LP: Já disse atrás que a programação do Jazzfest 2010 é inatacável, do ponto de vista da qualidade e do equilíbrio das correntes estéticas do Jazz. É uma programação amadurecida ao longo de oito anos e que conjuga o Jazz mais lírico com o mais libertário, garantindo a novidade e a inovação que se pretende num Festival desta natureza.
Pode discutir-se se falta, ou não, um nome de uma corrente mais mainstream, que era preocupação das primeiras edições, como foram os casos de Mulgrew Miller, de Dee Dee Bridgewater, ou até de Jacinta que foi o maior êxito de público de todas as edições do Jazzfest.
Pode discutir-se se é, ou não, boa opção substituir as originais jam sessions que permitiam que músicos locais interagissem com músicos consagrados, por concertos after-hours, de carácter marcadamente free e experimental.
Pode, enfim, discutir-se se é, ou não, correcto dividir o Festival em dois fins-de-semana, se deve acontecer em Fevereiro ou em Novembro, se na Primavera ou no Verão, articulando-o com a potencial atractividade turística desta região e fazendo-o transbordar para fora das paredes do Centro das Artes do Espectáculo.
No entanto, essas discussões serão sempre estéreis se não forem acompanhadas de um pensamento estratégico da Cidade e das relações que se pretendem estabelecer, potenciando as dinâmicas que é possível gerar.
AA: Será que o Portalegre Jazzfest traz algum valor acrescentado substancial à promoção turística da região e será que essa ligação tem sido bem gerida?
LP: O Portalegre Jazzfest nasceu numa altura em que a vida cultural da cidade procurava afirmar-se numa dimensão de capital de distrito que, até então, nunca tinha existido. Como já disse, esta busca de identidade resultava de uma opção de política cultural protagonizada pelo Pelouro da Cultura de então e assumida por todo o Executivo Municipal como uma linha de acção prioritária capaz de gerar progresso e impulsionar o desenvolvimento.
Ou seja, o Portalegre Jazzfest não era uma mera opção de programação cultural, mas antes uma opção política estratégica que assumia a cultura como um factor fundamental para o desenvolvimento de Portalegre e para a sua afirmação no plano regional e nacional.
E como era isto possível? Organizar um evento que fosse reconhecido a nível nacional, que atraísse públicos de todo o País, mas também do estrangeiro, nomeadamente de Espanha e, sobretudo, da vizinha Estremadura, mas, principalmente, que estimulasse a nossa auto-estima e nos mobilizasse em torno de um evento de referência, capaz de gerar dinâmicas nos mais variados sectores, não apenas a nível cultural, mas também social e económico, nomeadamente no sector turístico.
Aparentemente este pensamento estratégico deixou de existir e o planeamento do Festival deixou de fazer parte de uma estratégia global entendida como motor e parte integrante do desenvolvimento do concelho e da região, rentabilizando as mais-valias que um evento desta natureza poderia representar para Portalegre.
Não é demais recordar que o mérito inicial do Portalegre Jazzfest foi, precisamente, a sua capacidade em mobilizar a Cidade em torno de um evento que transformava as contrariedades de então (a inexistência de uma sala de espectáculos adequada a um evento internacional de referência, o frio do mês de Fevereiro em Portalegre, a insipiência de públicos, a contingência dos orçamentos, a falta de instalações hoteleiras, etc.) em recursos potenciadores de um Festival diferente, com identidade própria.
Ora a mais-valia turística assenta nas identidades próprias, na capacidade de diferenciação das ofertas e na respectiva promoção. É um trabalho de articulação que está por fazer, em Portalegre.
AA: Finalmente, deve esta aposta ser mantida?
LP: Não tenho a menor dúvida.
Está ainda tudo por fazer em torno deste evento, como de outros, num perspectiva integrada e articulada, para o desenvolvimento de Portalegre.
.