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Primavera Cultural
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Teve início na passada quarta-feira dia 24 de Março o ciclo de conferências promovido pelo Instituto Politécnico de Portalegre (IPP), intitulado “Ciclo de Conferências de Senadores” e com o subtítulo “A República e o Mundo”.
Está a celebrar-se o Centenário da implantação da República em Portugal, facto político que o IPP entendeu dar relevo através de uma iniciativa que se reputa das mais importantes em Portalegre nas últimas décadas, quiçá a única em toda esta Terceira República.
E, começando justamente por acima se dizer que se está na Terceira República, o Conferencista de ontem, António Arnaut, recusa esta denominação porque considera que o Estado Novo não foi uma República, o que não é correcto.
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Antes de se falar propriamente na Conferência, é importante começar por se dizer que Portalegre e o IPP não estão, ou nunca estiveram, de ‘costas voltadas’. Mas a verdade é que o IPP nunca teve grande ‘apetência’ para se abrir à Comunidade em que se insere, e a Cidade em tempo algum compreendeu a importância desta Instituição.
É importante que Portalegre e o seu Instituto Politécnico formem como que uma task force, no sentido de tentarem inverter o declínio em que mergulhou este concelho do Alto Alentejo.
Este ciclo de conferências é um importante contributo para melhorar a imagem de uma Região. Ele representa uma aposta no Ensino e na Cultura, na interligação da Escola com a Sociedade Civil, mas aposta que não é acompanhada pela principal componente política, a Câmara Municipal de Portalegre, dada a menoridade que hoje representa esta Instituição, por força de uma liderança e composição deveras limitada.
Indiscutivelmente, há hoje no IPP uma ‘leitura’ nova do papel que este deve desempenhar na Sociedade de Portalegre. Com tal novo sentido, muito tem a ganhar a Cidade se souber corresponder a este ‘chamamento’.
A nova liderança do IPP, nova também no campo geracional, decidiu que o Tempo presente não se compadece com indefinições, e está a construir um Futuro assente na valorização científica e na credibilização da Instituição, atraindo a ela elementos exógenos, vindos de ‘fora’, a que neste momento chama “Senadores da República” para que com ela reflictam e a ela tragam nova Gente, vinda da tal Sociedade Civil, perante a qual e da qual esteve muito, demasiado dir-se-á, tempo afastada.
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Joaquim Mourato
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A conferência começou com palavras do Presidente do IPP, Joaquim Mourato, que enunciou os objectivos deste ciclo, apresentando a ideia de que «Valores e Princípios são hoje compreendidos como moda ou tendências», facto que é urgente corrigir, colocando os Princípios e os Valores no lugar que lhes é devido.
Este desiderato será o objectivo principal deste ciclo de conferências, através da enunciação e defesa dos Ideais da República, ela também hoje tão diferente do que os seus próceres a idealizaram.
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António Arnaut e Casimiro Meneses
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Em seguida, o Moderador apresentou o Conferencista. Pode-se dizer que esta fase não foi a mais conseguida, dado o Moderador, Casimiro Meneses, não ter entendido o significado de ‘Senador’ no presente acto.
Ao insistir no facto de António Arnaut ter sido o responsável pela criação do actual Sistema Nacional de Saúde (SNS) e ao querer que o SNS fosse o assunto principal, se tal tivesse acontecido esvaziaria toda a riqueza intelectual e cívica do Protagonista.
O facto de ser médico de profissão e de ser ideologicamente comunista, muito terá pesado em ter sempre nas diversas intervenções, recordando inclusive uma visita feita a Inglaterra para ver in loco o Sistema de Saúde inglês, tentado conduzir a Conferência para a temática do SNS.
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António Arnaut é, como bem disse o Moderador, «uma figura nacional de grande prestígio», e que é um profissional no campo da advocacia notável. Casimiro Meneses realçou as facetas de escritor, poeta e ensaísta, lembrou a sua qualidade de Maçon e de ex-Grão Mestre da Maçonaria irregular, do Grande Oriente Lusitano (GOL) e não deixou de falar do papel que António Arnaut teve na Oposição ao Estado Novo.
Em seguida, o Conferencista começou por falar no SNS, mas desde logo fazendo questão de dizer que não era esse o assunto principal da sua prelecção.
António Arnaut disse nunca se ter sentido Senador mas que é «um militante cívico dos Direitos Humanos», e acrescentou ter «um sentido de tolerância maçónica e republicana» e que por isso vinha fundamentalmente falar dos Direitos Individuais e Direitos Sociais.
Ao fazer uma resenha dos primórdios da República, cujos ‘inícios’ remontam ao Primeiro Liberalismo com a Constituição de 1820, fruto da pena de Maçons e dos Ideais Maçónicos, reconhece que o mais negativo na Primeira República foi o falhanço da ideia do Sufrágio Universal e o aspecto mais positivo é ela que tornara a Instrução Primária gratuita e obrigatória.
António Arnaut considera que «os ideais da República confundem-se com a Maçonaria», e como tal recusa chamar ao Estado Novo ‘Segunda república’, estribando-se em que os Historiadores assim o defendem, facto profundamente falso. E considerou a tese do Estado Novo como «a longa noite fascista» uma frase feita, uma frase estafada e que não correspondia à realidade histórica.
Outras das ideias que António Arnaut defendeu foi a existência de uma «Sociedade pelo Mérito», que «só há Liberdade entre iguais», que «a República não está realizada», que «a institucionalização do SNS é um contributo forte para a construção da República».
Mas a dado passo formula a pergunta: _ «A República é constituída por Republicanos?». Sob fortes aplausos da assistência, que enchia literalmente a sala, disse que cultiva «uma utopia face à República», fala do conceito de Res Publica e afirma que «hoje na República há Princípios que não são republicanos». Por diversas vezes cita Miguel Torga, homenageia António Sérgio como seu Mestre, e termina a alocução com um «Viva a República!», sonoro e sentido.
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Seguiu-se o período de ‘perguntas e respostas’, no qual o Moderador voltou a insistir na temática do SNS, mas a farta assistência e o Conferencista não corroboraram.
Três questões foram então formuladas, e António Arnaut a todas elas deu a sua opinião. Neste período falou-se principalmente da Globalização, considerando que Portugal sofre com dois tipos de Globalização, a global e a europeia. Assume que hoje na Europa o poder político está subordinando ao poder económico, lembrou o Fórum de Porto Alegre que é contrário à Globalização e alternativo às reuniões dos chamados Países Mais Ricos do Mundo, e implicitamente considerou que a Globalização conduz a um Governo Mundial, o que reprova, mas que no fundo é uma Ideia Maçónica, ideia que desde os seus primórdios é por ela acarinhada se não defendida.
Tendo antes questionado se no actual partido Socialista há socialistas, facto que motivou a aprovação em alguns dos presentes, António Arnaut vai terminar este período falando da actual Constituição da República, referindo as sucessivas revisões constitucionais, e ao mesmo tempo que diz que para ele «o Socialismo é uma Ética» defende a economia portuguesa como uma Economia Social de Mercado, no fundo um pressuposto da Doutrina Social da Igreja que é tão caro ao Ideário Democrata-Cristão.
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Olga Ribeiro (Directora da Biblioteca Municipal de Portalegre)
António Martinó de Azevedo Coutinho e Mário Silva Freire
. O final daquela tarde de quarta-feira foi sem dúvida um tempo de enriquecimento cívico. Se a Sociedade Civil de Portalegre correspondeu a este ‘chamamento’ que o IPP lhe fez, dizemos claramente que não. Sem a menor dúvida, afirmamos que foram mais as ‘ausências’ que as ‘presenças’. É verdade que Portalegre não está habituada a estes acontecimentos que ultrapassam a própria dimensão da urbe. Também é verdade que hoje a Cidade não tem elites, sejam de ordem económica ou social e muito menos cultural.
Mas que fique para memória futura que a Conferência de António Arnaut foi excelente, e que os responsáveis pelo Ciclo de Conferências de Senadores, Albano Silva, Vice-Presidente do IPP, Avelino Bento, Professor na Escola Superior de Educação (ESE-IPP), e Joaquim Mourato, Presidente do IPP, merecem os maiores encómios!
Mário Casa Nova Martins