Escrevia Vasco Pulido Valente [Público, 12/3/2006, pg. 64] que ‘os códigos administrativos descentralizadores – o de 1836 (Passos Manuel), o de 1878 (Rodrigues Sampaio), o de 1886 (José Luciano de Castro) – duraram pouco tempo e deram invariavelmente muito mau resultado: aumento da corrupção, endividamento descontrolado das câmaras, domínio do caciquismo’. E, mais adiante, afirmava que ‘depois do “25 de Abril”, o poder local, ressuscitado e livre, gozou durante anos de grande prestígio. Mais recentemente começaram a aparecer dúvidas. Por aqui e por ali, voltaram as velhas taras do passado: os caciques, claro, os negócios de favor, o tráfico de influência, o dinheiro mal gasto e, como de costume, as dívidas. Pior ainda, há Câmaras que são o maior empregador do concelho e que exercem uma verdadeira tirania sobre uma população inerte e dependente’.
Algum tempo antes, o Expresso [4/3/2006, pg. 14], num texto de Graça Rosendo, escrevia em título ‘Nas mãos do Estado’ e em subtítulo ‘o concelho de Lamego tem menos de 30 mil habitantes e cerca de 80% trabalham na administração pública ou em instituições que vivem de subsídios do Estado. O hospital e a Câmara são os maiores empregadores, a dependência do Estado é quase total’.
Estes dois parágrafos encerram o grande tema que o regime saído da ‘Revolução dos Cravos’ tem que debater no curto prazo. De facto, o apelidado ‘Poder Local’, certamente instituído com a melhor das intenções, tem-se tornado ao longo das últimas três décadas no maior problema com que se debate o país.
O endividamento autárquico, muitas das vezes ligado a mais do que discutíveis investimentos que, se por um lado são improdutivos, por outro transformam-se em verdadeiros ‘elefantes brancos’ que consomem os cada vez mais parcos recursos das autarquias, cresce desordenadamente, e sem que o Estado central tenha coragem política para intervir.
A incapacidade das autarquias em atraírem investimento privado, verdadeiro gerador de riqueza, faz com que elas se tornem as maiores empregadoras do concelho, tornando dependentes em termos de trabalho famílias inteiras, e criando uma mão-de-obra não reivindicativa, submissa, o que propicia o nepotismo.
O distrito de Portalegre, com um envelhecimento populacional muito acima da média do país, com uma mão-de-obra pouco qualificada, longe dos principais centros decisórios económicos e políticos, é campo fértil para frutificar o que de mais negativo tem o dito ‘Poder Local’.
Sem se chegar a casos como os de Felgueiras, Gondomar ou Oeiras, até ver!, os denominados representantes eleitos do ‘Poder Local’ estão cada vez mais desfasados da realidade do próprio país, em termos de políticas de desenvolvimento e crescimento económico local ou regional. Vivendo em pequenos ‘condados’, ‘comprando’ consciências, rodeados de ‘cortesãos’ que os adulam cinicamente, são eles próprios ‘pequenos’ na pequenez dos seus actos, que, quer queiram, quer não, os vindouros julgarão, impiedosamente!
Por sua vez, o Estado tem que tomar medidas, e com urgência, para que o que de bom tem o ‘Poder Local’ não fique definitivamente subvertido pelo que de mal se tem feito, em nome dos sãos princípios que os seus primitivos legisladores o nortearam. A impopularidade que trará ao governo a moralização do ‘Poder Local’ por parte dos que o subvertem será largamente compensada pelo agradecimento do povo! [mj]