Dead
Combo no CAEP
Lisboémia
séc. 21
Há
poucos dias um fotógrafo de Portalegre dizia-me, a propósito da diversidade dos
momentos que mais gostava de fotografar, que gostava do mercado, do bulício das
pessoas ao sábado de manhã, da mistura de cheiros, de cores e de gentes, e que
só tinha pena que a máquina fotográfica não captasse os cheiros…
Na noite
de sábado passado este pensamento assaltou-me por diversas vezes durante o
concerto dos Dead Combo no CAE, já que a peculiaridade da música de Pedro
Gonçalves e Tó Trips, pejada de imagens sonoras, tem uma forte componente
cinemática que nos convida a dar largas à imaginação, faltando, poderia dize-lo,
apenas os cheiros para completar um quadro sobre histórias manhosas de uma
Lisboa, multicultural e boémia que vai sobrevivendo no limiar da transgressão.
Passaram
dez anos sobre o momento em que Tó Trips e Pedro Gonçalves se encontraram
fortuitamente num concerto de Howe Gelb. Como nenhum tinha carro
regressaram a pé ao Bairro Alto, conversando e pensando que talvez valesse a
pena, juntar os fracassos, as desilusões e os desencantos em que ambos andavam
mergulhados para darem força a um projeto em que o céu seria o limite.
Foi o princípio
de qualquer coisa que, a partir de Lisboa, foi crescendo paulatinamente entre histórias
de faca e alguidar, de heróis e vilões, alguns reais, outros de banda desenhada,
embaladas em sons do mundo. Qualquer coisa que se transformou num projeto de
bases sólidas que chegou a “A Bunch of
Meninos”, álbum editado há pouco mais de um mês que entrou diretamente para
o primeiro lugar do top português de discos mais vendidos, bem como para o número
1 do iTunes e do Meo Music.
“A Bunch of Meninos” foi a base do concerto que os Dead Combo trouxeram a Portalegre no
último sábado. A sala estava praticamente lotada por um público entusiástico e
vibrante. No palco, uma espécie de altar iluminado com um imponente ramo de
rosas no meio e rodeado por uma inaudita quantidade de violas, tudo enquadrado
por uma tela para projeção de pequenos filmes ladeada por dois painéis gigantes
com fotografias e quadros antigos. O cenário era fascinante e aumentava de
alguma forma as expetativas e a curiosidade de ver ao vivo as músicas do novo
álbum dos Dead Combo, que pela 1ª vez
entravam diretamente para o top nacional de vendas.
O
concerto começou tranquilo com “ Povo que
Cais Descalço” e “ Waiting For Nick
at Rick´s Café” - esta última
numa clara alusão à tentativa frustrada de ter Nick Cave no disco a ler um poema de Pessoa - passando a um registo
mais acelerado com a entrada no universo
adolescente de “Miudas e Motas”; e no imaginário cinéfilo em “Mr.
Eastwood”; seguindo as homenagens a Tom
Waits, Edward Snowden, ao mítico Pacheco
- guitarrista de Hermínia Silva - e à “Dona
Emília”, senhora da limpeza da Galeria ZDB. Em Cachupa Man sentimos o perfume de África; em Rumbero provamos o rum manhoso que os turistas bebem na Brasileira; em Lusitânia Playboys assistimos
à luta entre dois músicos de jazz e uns marinheiros no velho Cais do Sodré e em
B.Leza houve uma tentativa, mais ou
menos bem conseguida, de aproximar a morna ao fado. O tempo ia passando, mas ainda
houve tempo para evocar Amália em “Esse
Olhar que Era Só Teu” e homenagear a família, num recatado momento acústico
em “Zoe Llorando” e “Welcome Simone”. Como sequência final
tivemos três momentos poderosos com a recuperação de, “Eléctrica Cadente”, um dos primeiros temas da banda; uma
aventura meio manhosa com mexicanos e mescal em “Dos Rios”; e o tema que dá nome ao álbum “A Bunch of Meninos”, título inspirado num governo holandês de 2008,
mas que se pode perfeitamente aplicar ao governo português de 2014.
O
primeiro encore evocou a desaparecida
Feira Popular e os condenados carrinhos de choque em “Malibu Fair” e o grand finale
chegou com “Lisboa Mulata”, o tema
título do álbum anterior.
Foi um
grande, grande concerto. A música dos Dead
Combo está enraizada numa Lisboa boémia mas encontra-se em movimento
permanente e em atualização constante. Tó Trips diz que qualquer coisa cabe na
música da banda, “bebem uns shots no
porto e depois arrancam para outro
lado”. Se “Lisboa Mulata” cruzava
os sons de uma Lisboa cosmopolita que, cada vez mais, recebe e mistura
tradições, raças e credos num caldeirão global de grande densidade e riqueza
cultural, “A Bunch of Meninos” é mais
contido, mais íntimo e acústico tendo no entanto um lado bastante frenético e é
neste compromisso entre o som das ruas dos bairros populares frequentadas por
lisboetas malandros e o som dos quartos de pensões baratas que albergam emigrantes
chegados de toda a parte, que a música dos Dead
Combo se vai modelando.
O mês de
Abril começou em grande para os melómanos de Portalegre e tudo à volta. Se no
sábado tivemos os magníficos Dead Combo,
que entraram para o 1º lugar do top de vendas discográficas e têm esgotado as
salas por onde têm passado, amanhã, 5ª feira, é dia para The Legendary Tigerman apresentar no CAE o álbum, True, o novo 1º lugar do top de vendas nacional.
Tigerman acabou de chegar de uma bem
sucedida digressão que o levou a França, Suíça e Inglaterra e desde que chegou
a Portugal tem também vindo a esgotar as salas por onde passa…
Até lá.