\ A VOZ PORTALEGRENSE: julho 2024

terça-feira, julho 30, 2024

Entre a Última Ceia e a Festa dos Deuses

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ENTRE A ÚLTIMA CEIA E A FESTA DOS DEUSES

Na sequência da polémica causada por uma das cenas da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, muitos sabichões, inclusive comentadores das nossas televisões como Ana Gomes, criticaram a reacção dos católicos que se indignaram. Então esses católicos não sabiam que essa cena era uma adaptação de um quadro de um pintor neerlandês sobre o tema "O Festim dos deuses" e que não tinha nada a ver com a "Última Ceia" de Leonardo da Vinci?? Pois bem, fiz uma pequena investigação que agora partilho convosco com as respectivas imagens.

Quadro 1 - Leonardo da Vinci pinta a fresco em Milão "A Última Ceia" (1495). Com o passar do tempo esta imagem torna-se um ícone desse episódio estruturador do Cristianismo. De acordo com o Evangelho, a Eucaristia foi instituída por Cristo nesse momento, que os católicos celebram sempre na Quinta Feira Santa.

Quadro 2 - Rafael, em 1515, usa o mesmo envolvimento para pintar o festim dos deuses, num período em que a obra de Leonardo ainda não tinha ganho a fama. Estamos no apogeu do Renascimento, no mesmo ambiente intelectual que ainda vai ser usado, por exemplo, por Camões em "Os Lusíadas" e a Igreja está sedenta de reforma.

Mas essa reforma, desencadeada por Lutero a partir de 1517 vai trazer mais do que a reforma das instituições, que quase todos desejavam. Lutero nega a maior parte dos sacramentos, incluindo a Eucaristia e o mistério da consubstanciação.

Certamente por isso, os artistas que continuaram a pintar o Festim dos Deuses, colocaram-no antes num jardim, separando a tradição greco-romana das novas polémicas suscitadas pela Reforma. A memória da Última Ceia ganhou um novo sentido desde então e passou a ser preservada.

Quadro 3 - O festim dos deuses por Ticiano (1490-1576) (iniciado por Bellini (1436-1516), mas terminado por Ticiano que pintou precisamente a envolvência)

Quadro 4 - O festim dos deuses por Rubens (1577-1640)

Quadro 5 - O festim dos deuses atribuído a Jan van Balen e a Hendrik van Kessel, moradores na católica Antuérpia em meados do século XVII

Outros temas semelhantes, como o triunfo de Baco por Velasquez (1629) também foram pintados na envolvência de um jardim.

Os nossos simpáticos e inocentes organizadores dos Jogos desconhecem toda esta tradição católica ou pura e simplesmente ignoraram-na. Rubens? Ticiano? pfff

Entretanto, em 1635, Jan Harmensz van Bijlert, neerlandês calvinista estabelecido em Utrecht, que visitara Itália e se deixou influenciar por Caravaggio, resolveu também pintar o festim dos deuses, mas ao contrário do que faziam os seus colegas católicos de Antuérpia, resolveu repor o Festim em torno de uma mesa, ao modo da icónica "Última Ceia".

Resumindo:

O quadro de Bijlert não é "a" representação original do Festim dos deuses, que foi pintado em plena contra-reforma por católicos num outro enquadramento.

O quadro de Bijlert, produzido em plena Guerra dos Trinta Anos, quando católicos e protestantes se enfrentavam cruelmente nos campos de batalha e disputavam sem quartel as questões teológicas nos púlpitos e nos livros, tem de ser entendido num enquadramento de afrontamento contra o mundo católico. Bijlert, que viajara por Itália, sabia o que estava a fazer.

Os simpáticos organizadores dos Jogos talvez não soubessem esta pequena História que aqui vos alinhavei, mas a sua ignorância não os torna inocentes. Já os comentadores televisivos são de facto, na sua grande maioria, inocentes ignorantes.

João Paulo Oliveira e Costa

sexta-feira, julho 26, 2024

AA O caso de Olivença

O caso de Olivença

Olivença é o símbolo de um Iberismo permanente. O Iberismo está vivo em cada castelhano, e só não é mais agressivo porque a Catalunha, o País Basco e a Galiza mantêm fortes aspirações nacionais, e desviam o foco de Portugal. Não muito recentemente o partido VOX espalhou um cartaz de propaganda política no qual a Península Ibérica era um só Estado, Portugal estava ‘incluído’ na Espanha.

Fala-se muito do Tratado entre a Alemanha Nazi de Hitler e a Rússia Soviética de Estaline, o Pacto Ribbentrop – Molotov de 1939, que fazia a partilha da Polónia, Países Bálticos e outros. Mas não se fala do Tratado de Fontainebleau de 1807, assinado entre a França de Napoleão e a Espanha Bourbónica, no qual Portugal era divido em três partes, o Reino da Lusitânia Setentrional (Entre-Douro e Minho) destinado à Rainha da Etrúria, o Principado dos Algarves (Alentejo e Algarve) concedido a Manuel de Gody ministro de Carlos IV, e a parte restante (Trás-os-Montes, Beira, Estremadura) ficaria ‘em depósito até à paz’.

Existe hoje em Espanha, como no passado, uma literatura abertamente na defesa do Iberismo, da integração de Portugal na ‘Grande Hespanha’. Entre outros exemplos, tem-se «Iberia, 9 dezembro 2022, por Jorge Ruiz Morales», «Iberismo: Hacia la unión de España y Portugal (Historia), 31 janeiro 2023, por Javier Martínez-Pinna (Coredactor)», «Repensar Iberia: Del Iberismo Peninsular al Horizonte Europeu (Ensaio), 12 fevereiro 2024, por Ramon Villares». Em Portugal também há quem defenda o Iberismo, mas sem o vigor dos espanholistas.

Mas enquanto Madrid ‘sonha’ com a União Ibérica, e quer ‘recuperar’ Gibraltar, ‘esquece’ os enclaves marroquinos de Ceuta e Melilla. Interessante ler «Ceuta, Melilla, Olivenza y Gibraltar: ¿Dónde acaba España? (Sociologia y Politica), 1 outubro 2003, por Máximo Caial (Autor), Sebastián García Schnetzer (Diseño gráfico), Alejandro Garcia Schnetzer (Diseño gráfico)».

Recorde-se que em 1704, as forças anglo-holandesas capturaram Gibraltar à Espanha durante a Guerra da Sucessão Espanhola, e que esse território foi cedido à Grã-Bretanha em perpetuidade ao abrigo do Tratado de Utrecht em 1713.

Quanto a Olivença, o Tratado de Alcanizes de 1297, estabelecia Olivença como parte de Portugal. Em 1801, através do Tratado de Badajoz, denunciado em 1808 por Portugal, Olivença foi anexada. Em 1817 a Espanha reconheceu a soberania portuguesa subscrevendo o Congresso de Viena de 1815, comprometendo-se à entrega do território o mais prontamente possível. Até aos dias de hoje, não aconteceu.

Mário Casa Nova Martins

domingo, julho 14, 2024

Henrique Barrilaro Ruas e Camões

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Passam hoje vinte e um anos que faleceu Henrique Barrilaro Ruas (Figueira da Foz, 2-3-2021 / Cascais, 14-07-2003).
Neste ano das Comemorações do V Centenário do Nascimento de Luis Vaz de Camões, é justo lembrar o Camoniano Henrique Barrilaro Ruas, e a Obra que escreveu e editou sobre o Poeta.

sexta-feira, julho 12, 2024

AA Manuel António Baptista Casa Nova

Manuel António Baptista Casa Nova

(Portalegre, 15-10-1945 – Santarém, 2-7-2024)

A nossa geração de primos direitos Casa Nova era constituída por uma rapariga e quatro rapazes. Cronologicamente, o MA, o JJ, o AC, a MC, o MJ. A diferença etária entre o mais velho, o Manel, e o mais novo, eu, era dez anos e nove meses. Nascemos e vivemos a nossa infância e juventude em Portalegre. Os nossos Pais fizeram com que esse tempo fosse bom. Um tempo de crescer despreocupadamente. Tudo tivemos, nada nos faltou.

A nossa grande referência era a Avó Joana. Ela unia toda a Família, e quando nos deixou, foi o fim de um tempo.

Quando acabámos o Liceu, três foram para Lisboa, um para Santarém, e outro para Coimbra. A partir daí tudo foi diferente. A última vez que os cinco estivemos juntos foi no funeral da Tia Ascensão, que dos nossos Pais foi a última a deixar-nos.

Diz-se que em todas as famílias há uma ‘bête noire’. Lamento, mas nenhum dos cinco o foi ou é.

Mas, também, há sempre nas famílias um ‘patinho feio’. E na nossa geração de primos, o ‘patinho feio’ era o Manel.

Porventura o Manel seria o melhor dos cinco. Coração grande, generoso, confiável, sempre presente. Despretensioso, cordato, afável, criava Amizades que perduraram. Sério, integro, profissional competente. Marido, Pai, Avô. Viveu habitualmente.

O Manel era a Memória viva da Família. Sabia os parentescos, as datas, as histórias. Qualquer dúvida, ele tirava.

Literatura e cinema, as suas grandes paixões. Em Portalegre pertenceu ao cine clube da época, sabia de cinema como poucos. Nunca deixou de ler e ver cinema. Dos mais cultos de nós.

Quando esteve em Angola não perdeu a ligação a Portalegre. A Avó Joana enviava-lhe todas as semanas «O Distrito de Portalegre», a «Rabeca», assim como a «Vida Mundial». Muitas vezes eu é que ia ao correio fazer o envio.

Residindo em Santarém a maior parte do tempo, nunca esqueceu Portalegre. Acompanhava o viver da cidade através dos jornais locais, hoje o «Alto Alentejo», e da «Rádio Portalegre». Quantas vezes o Manel me dava as notícias do que por cá se passava. Amou Portalegre.

Depois da MC, é o Manel que parte. Que vazio!

Senti uma grande necessidade de exteriorizar a dor desta perda de forma pública. Não é meu hábito. É a Vida. Que continua.

Mário Casa Nova Martins