Jaime Nogueira Pinto - Os novos inquisidores
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Avelino Bento esteve na Guiné, onde participou na chamada
Guerra Colonial, expressão utilizada para estigmatizar um acontecimento da
História de Portugal entre 1961 e 1974.
A Guerra em África neste período temporal acabou com a capitulação
dos políticos, contrária à realidade militar no terreno.
Os Militares combateram com Honra. Poucos foram os
desertores, os cobardes, e ainda menos os traidores. Mas houve traidores,
cobardes e desertores!
O Autor fala de forma frontal e directa da sua passassem
pelo palco de guerra da Guiné. Em momento algum há desânimo. Discorre na
primeira pessoa. E é nítido que a memória daquele tempo nunca se extinguiu,
assumindo-a como uma experiência que sempre o irá acompanhar.
Para situar no espaço a sua memória da Guiné, recorre-se da
personagem de Emílio Félix, feliz, na qualidade de professor reformado da Universidade de Évora. Sara Manuel, doutoranda em Artes, estudante do primeiro ano do
Curso de Doutoramento em Artes na Universidade de Évora, é a personagem feminina
que faz a ligação entre a memória passada e o presente.
Se a recordação da Guiné funciona como uma catarse do Autor,
o enredo do romance gira à volta do amor, o amor impossível, que a consumar-se
seria incestuoso.
Évora é o palco, a Universidade o local de eleição, e as
artes, a Arte, são o fio condutor.
Avelino Bento nasceu em Sacavém e reside nos Fortios,
freguesia do concelho de Portalegre. É professor jubilado do Ensino Superior,
doutor em Sociologia da Cultura, especialização em Comunicação e Arte, e também
é actor-encenador e animador sociocultural.
Tem editado «Teatro e Animação – outros percursos do desenvolvimentos
sócio-cultural no Alto Alentejo», edições Colibri, 2003, «O meu blog deu-me o
mundo – Antologia de textos sobre Cultura, Educação, Arte e Animação.
Tributos», Instituto Politécnico de Portalegre, 2010, «No Rio… Quando Começa O
Mar», Filigrana Editora, 2019, «A Geração que quis ser Feliz», com posfácio de
Luís Miguel Cardoso, Edições Filigrana, 2020. E tem no prelo «Os Últimos Putos
Neo-Realistas».
Depois da Cultura, «Teatro…», a Mundovisão, «O meu blog…», a
Poesia, «No Rio…», a Memória da guerra, «A Geração…», e proximamente Histórias
de infância e adolescência, «Os Putos…».
Avelino Bento é um Homem da Cultura e de Cultura. Este seu
romance é de um português escorreito, de leitura agradável, construtiva.
O Autor é um Homem Feliz. Avelino Bento tem um percurso
académico notável, e como escritor, transmite cultura, conhecimento, e acima de
tudo a Felicidade de se sentir bem consigo próprio.
No presente, felizmente, esses níveis terão atingido os seus
máximos em todas as barragens citadas, à excepção de uma, a Barragem do Caia, e
esta dificilmente atingirá o seu máximo de armazenamento, por razões que se
conhecem.
Contudo, há na notícia um parágrafo, que se transcreve, que
merece atenção:
_ A albufeira de Póvoa e Meadas, em Castelo de Vide, que
dispõem de uma capacidade de armazenamento de 22 milhões de metros cúbicos de
água, mas que não está a ser aproveitada totalmente por questões de segurança
relacionadas com o paredão, já começou a efectuar descargas.
A pergunta é:
_ Há quantos anos, décadas mesmo, se sabe que o paredão da
Barragem de Póvoa e Meadas está com problemas estruturais?
Pois é. À memória vem o acidente da ponte de Entre-os-Rios,
que aconteceu em 4 de Março de 2001.
E se um dia o paredão cede, o que irá acontecer?
Sabia-se do estado da ponte de Entre-os-Rios, como se sabe o
estado do paredão da Barragem de Póvoa e Meadas.
Nada se fez na ponte de Entre-os-Rios, como nada se está a
fazer no paredão da Barragem de Povoa e Meadas.
Se um dia o paredão colapsar, como diz o povo, ‘a culpa
morrerá solteira’.
Já agora, por certo a esta altura a Barragem do Pisão,
melhor, a fantasmagórica Barragem do Pisão já deve também ter atingido a sua
quota máxima!
15 de Fevereiro de 2021
Declarações do Alferes Comando, MARCELINO DA MATA, sobre a
sua prisão e tortura sofridas no RALIS.
_ No dia 17/5/75, quando me encontrava em Queluz Ocidental, ouvi pela rádio ser comunicado que me encontrava preso, no RALIS. Perante tal absurdo, dirigi-me ao Regimento de Comandos da Amadora, Unidade onde estava colocado, e falei com o oficial de serviço, capitão Ribeiro da Fonseca, ao qual contei o que acabara de ouvir e pedi que esclarecesse a situação.
O capitão Ribeiro da Fonseca, na minha presença, telefonou
para o RALIS e falou com o tenente-coronel Leal de Almeida, tendo o mesmo
respondido que me deviam levar imediatamente escoltado para esta Unidade.
Telefonou ainda o capitão Fonseca para o COPCON falando directamente com o
brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, o qual confirmou que me devia entregar ao
RALIS pois estavam concentradas todas as operações nesta Unidade.
Foi assim que, escoltado por tenente comando e duas praças,
fui levado para o RALIS.
Uma vez chegado à Unidade referida e enquanto o tenente que
me escoltava se dirigia ao oficial de serviço, aproximou-se de mim um furriel
armado que me disse ter ordens para me levar para a casa da guarda e manter-me
aí incomunicável.
Apareceu entretanto um aspirante que me levou para uma sala
do edifício do Comando onde permaneci sozinho até às 24.00.
Apareceu depois das 24.00 um indivíduo alto, forte e de
cabelo e barba compridos que, intitulando-se segundo comandante do RALIS, mas
que depois vim a saber que se tratava de um militante do MRPP conhecido por
“RIBEIRO”, me estendeu um papel para aí eu escrever tudo o que sabia sobre o
ELP.
Mais tarde apareceu um aspirante e um furriel chamado DUARTE
e o capitão [Manuel Augusto Seixas Quinhones de Magalhães] QUINHONES que
tornaram a fazer a mesma pergunta.
Uma vez que jamais tinha ligação com o ELP, ou qualquer
outra organização, respondi-lhe negativamente.
Entrou então o capitão QUINHONES MAGALHÃES. Disse-me que me
ia fazer o mesmo que se fazia na Guiné aos “turras” quando não queriam falar e
puxou do seu cinturão, no que foi secundado pelo furriel DUARTE.
Saiu o capitão QUINHONES e regressou acompanhado de outro
indivíduo, baixo e forte, que também vim a saber ser do MRPP e conhecido por
“JORGE”, e mais outro furriel, aos quais o capitão QUINHONES ordenou que me
fossem batendo à bruta até que eu confessasse.
Apareceu então o tenente-coronel LEAL DE ALMEIDA que me
disse que os pretos só falavam quando levavam porrada e eram torturados, e que
não tinha outra solução senão ordenar que me fizessem isso.
Ordenou o capitão QUINHONES que me encostassem à parede e
despisse a camisa, o que tive que fazer. Após isto fui agredido sete vezes com
uma cadeira de ferro nas costas, o que me provocou vários ferimentos. Não
resistindo, caí, mas o capitão QUINHONES disse que me pusesse de joelhos e um
outro indivíduo que entrou, intitulando-se oficial da marinha, agrediu-me mais
duas vezes com a cadeira. Após isto o capitão QUINHONES e o furriel DUARTE, um
de cada lado, agrediram-me com o cinturão por todo o corpo, e eu, que já sentia
dores na coluna, senti dores nas costelas e caí novamente no chão.
O capitão QUINHONES ria-se e dizia que o tenente-coronel
LEAL DE ALMEIDA queria que eu falasse, nem que eu ficasse todo partido, e que
ele ia mesmo fazer-me falar.
Passados uns momentos, quando me encontrava novamente
sentado, e como fizesse tenção de reagir às agressões, algemaram-me e
perguntaram-me se eu conhecia uns indivíduos, os quais haviam entrado mais ou
menos quando me começaram a agredir com a cadeira de ferro.
Como eu dissesse que conhecia alguns deles e outros não,
foram-me dizendo os nomes apontando para eles e enunciaram um COELHO DA SILVA,
um doutor MAURÍCIO, que não conhecia, e o JOÃO VAZ, ALVARENGA AUGUSTO FERNANDES
(BATICAN) e o ARTUR, todos africanos, os quais já conhecia da Guiné.
Então o capitão QUINHONES ordenou ao tal “JORGE” que pegasse
num fio eléctrico e me torturasse, tendo-me este dado choques nos ouvidos, sexo
e no nariz. Pela terceira vez que me fizeram isto, desmaiei, pois não aguentei.
Quando recuperei tornaram, o capitão QUINHINES e o furriel
DUARTE, tornaram a agredir-me com os cinturões e a cadeira de ferro, sentindo
eu nessa altura que devia estar com fractura da coluna e costelas, e tinha
vários ferimentos grandes em todo o corpo. Mais uma vez não aguentei e
desmaiei.
Ao recuperar os sentidos encontrava-me todo molhado e
ensanguentado, não tinha movimentos nas pernas e quase não podia respirar, além
de fortes dores em todo o corpo.
Por volta das 6 horas do dia 18 trouxeram para junto de mim e dos outros indivíduos que estavam ali presos e já mencionados, o FERNANDO FIGUEIREDO ROSA, também da Guiné, ao qual agrediram com a cadeira de ferro e arrastaram para fora da sala. Entretanto entrou também uma senhora que dizia sr mulher do COELHO DA SILVA, à qual o furriel apalpou as nádegas e seios e outras partes do corpo, frente ao marido.
Fui algemado logo a seguir à entrada da senhora, e conduzido à prisão, onde um furriel encheu com água a cela, até ao nível dos tornozelos.
Por volta das 23.00 fui retirado da prisão, e vi o tenente fuzileiro CORTE REAL e o ex-tenente fuzileiro FALCÃO LUCAS cá fora, os quais ao ver o meu estado me disseram que a eles também lhes tinham dado um “bom tratamento”, mas não tanto como o meu.
Fui metido, a seguir, numa Chaimite e levado para Caxias,
onde cheguei já pelas 01.00 ou 02.00 do dia 19/5/75.
Chegado a Caxias, o capitão tenente [João Eduardo da Costa
Xavier] XAVIER, e o qual conhecia da Guiné, tratou-me com termos ordinários e
obscenos, e mandou-me levar para uma cela, apesar de ver o estado em que me
encontrava e de me ter queixado e afirmado que necessitava ser assistido
clinicamente.
Só no dia 21/5/75, e depois de muito insistir com pedidos ao
oficial de serviço, aspirante da Marinha, FERNANDES, fui levado à enfermaria de
Caxias onde me fizeram os primeiros tratamentos, mas quando era necessário ser
radiografado faziam-no sempre às zonas do corpo que não eram aqueles de que me
queixava.
Permaneci 150 dias em Caxias, e só quando fui libertado e colocado com residência fixa, consegui ser trado convenientemente, e soube ter tido fractura de duas costelas e da coluna.
Lisboa, 24 de Janeiro de 1976
MARCELINO DA MATAALF. COMANDO
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_ De Conakry ao M.D.L.P. ‘dossier secreto’, Alpoim Calvão,
INTERVENÇÃO, 1976, pgs 233 a 236
https://www.facebook.com/albertononaslima
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_ Antologia: O
Pensamento de António Sardinha
Alberto de
Araújo Lima, ‘Contra-Corrente’, 2020, 250 pg.
https://editoracontracorrente.wordpress.com/.../antologi.../
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_ Uma Vida, Uma
Voz: Alfredo Pimenta – Modo de usar
Alberto de
Araújo Lima, ‘Contra-Corrente’, 2020, 444 pg.
https://editoracontracorrente.wordpress.com/.../uma-vida.../
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