\ A VOZ PORTALEGRENSE: novembro 2015

terça-feira, novembro 24, 2015

Fernando Correia Pina

APOLO E NEPTUNO NAS RUAS DE PORTALEGRE

Relação das festas que se fizeram na cidade de Portalegre
na canonização de Santo Inácio de Loyola e de São Francisco Xavier

21, 22, 23 e 24 de Agosto de 1622

As festas que se fizeram nesta cidade à honra do glorioso padre Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, e de S. Francisco Xavier companheiro seu, e apóstolo das Índias foram muitas e muito várias porque, além dos muitos disfarces que os estudantes e mancebos nobres e graves da terra fizeram por sua devoção, se fez uma encamisada e um alardo muito lustroso em louvor dos santos com cuja vista se alegrou e alvoroçou muito a cidade e muitos dos que tinham voto na matéria confessaram não haver visto nela melhor cousa.
Houve fogo muito e bom que deu o corregedor Manuel Rogado de Sotomayor, a quem a Companhia não está só nesta obrigação, mas noutras muitas. Houve touros e canas reais que os fidalgos da terra e outros de fora da cidade correram com muita destreza e arte.
Houve prémios e preços vários, aqueles para as danças, chacotas e invenções; estes para os de cavalo, de dentro e fora da cidade, que foram muitos porque até de Castela veio muita gente principal a ver as festas que a todos contentaram de maneira que disseram não haverem visto, nem esperarem de ver outras melhores.
A igreja se armou por conta de um nosso antigo devoto e amigo que já noutra ocasião semelhante se esmerou no conserto dela, o que principalmente levou os olhos e corações de todos foi a vista dos nossos santos mártires, com cujos painéis se ornou a igreja, concorrendo tanta gente todos os dias de festa para os ver que era muito para louvar ao Senhor a piedade e devoção com que todos se punham ao comtemplá-los.
Houve também pontifical que o senhor bispo Dom Frei Lopo de Sequeira Pereira fez na nossa igreja, assistindo o reverendo cabido, com toda a música da sé que o senhor bispo trouxe consigo e assim ele como os mais senhores do cabido jantaram esse dia em nossa casa e para o jantar mandou sua ilustríssima senhoria dar uma boa esmola, por ser a casa pobre e a maior parte do ano viver de esmolas.
No mesmo dia do pontifical, que foi aos 21 de Agosto, houve pregação que fez com satisfação e aceitação o deão desta santa sé, Dionísio Pousadas de Brito.
Ao dia seguinte pregou o reverendo padre guardião de S. Francisco e no discurso do sermão mostrou bem o zelo que tem da honra de Deus e de seus santos e a particular devoção e respeito às coisas da nossa Companhia. Trouxe também consigo a música do convento, com todos os religiosos graves que oficiaram missa com muita solenidade e assim o padre guardião como os mais se agasalharam em nossa casa com muita caridade.
À terça-feira 23 de Agosto também houve missa cantada com todos os instrumentos músicos e charamelas de que nos fez mercê o senhor Gonçalo Rodrigues de Sousa, fidalgo bem conhecido neste reino e fora dele por sua muita nobreza e piedade. Pregou nesse dia o reverendo prior de Castelo de Vide grande devoto dos da Companhia por se criar com eles na Universidade de Évora, pessoa de boas letras e de muito exemplo e virtude e que no discurso do sermão mostrou bem a devoção e afeição que tem às coisas da Companhia, que na verdade é muita e muito grande.
Aos 24 do mês de Agosto, que foi dia de S. Bartolomeu, se fez a procissão na tarde do mesmo dia que foi tudo o que se podia pedir e desejar. A forma da procissão foi a seguinte:
Diante de tudo ia a Fama a cavalo, tocando uma trombeta. Aos lados dela duas carrancas ou selvagens cobertas todas de hera, também a cavalo. Após a Fama ia Portalegre, com trajo rico, aos lados levava dois anjos armados, o do reino e o seu. Detrás desta figura seguia-se a Serra de Portalegre, com suas ribeiras, as quais ao som que a mesma serra fazia, teciam uma dança tão linda e tão airosa que levou os olhos de todos após si, porque além das ribeiras irem trajadas com toda a curiosidade e propriedade possível, cantavam e dançavam com tanta arte e majestade que se não fartava a gente de as ver e de as ouvir.
A primeira máquina que foi nesta procissão era um carro da Companhia feito com tanta arte e majestade que os que viram outros em terras grandes lhe davam muita vantagem. Ia neste carro por figura principal a Companhia com uma cruz alta e lustrosa na mão direita e na esquerda uma palma, na cabeça uma trunfa de muito preço, por timbre um Jesus muito grande cercado de raios. No mesmo carro iam os quatro votos da Companhia vestidos ricamente com suas divisas e insígnias nas mãos. Tiravam por ele duas feras enfreadas, figuras da idolatria e heresia cujas rédeas levava na mão esquerda a santa doutrina que no topo do carro dianteiro ia vestida de branco, muito custoso, com uma cana curiosa na mão direita e de uma e outra parte dois meninos com suas salvas de prémios nas mãos, com que convidavam todo o mundo. Diante do carro iam as sete artes liberais em cavalos muito bem ajaezados e detrás as nove musas com seu Apolo, dançando airosamente.
Na segunda paragem da procissão foi uma nau que por ser a primeira que se viu em Portalegre causou notável alvoroço e alegria em toda a gente de fora e da cidade e na verdade a peça saíu tão perfeita e acabada que com louvor de quem a fez podia aparecer em toda a parte. Nesta nau ia embarcado apara a Índia o santo padre Francisco Xavier em companhia do vice-rei Martim Afonso de Sousa, com quem o santo passou ao Oriente. Havia uma música de marinheiros que com notável graça cantavam prosas e versos pertencentes ao santo e às obras que Deus obrou por ele. Na proa, bem sobre o garupés, se via uma sereia que encantou a cidade e ainda os de fora dela, porque o duque de Bragança pela fama que teve do menino o mandou buscar para a sua capela. Cantava a sereia os milagres que o santo Xavier fez no mar e rematava os pés da canção dizendo:

Mandai Neptuno aos
Tritões venham todos
festejar Xavier que do vosso
mar lançará fora os tufões

Neptuno que diante da nau ia a cavalo chamava pelos tritões. Eles, obedecendo a sua voz e mando, travavam uma dança muito airosa que por ser nova na terra foi de todos muito aceite e festejada.
Na terceira paragem ia o carro de Santo Inácio, igual ao primeiro na arte e majestade e o santo triunfando em pé e glorioso, cuja figura fez um mancebo tão admiravelmente que foi espanto e não faltou quem cuidasse que a figura não era viva pela rara modéstia e composição de corpo e rosto com que foi em todo o tempo e discurso da procissão. Iam também neste carro as quatro virtudes cardeais e as três teologais, trajadas custosamente. Tiravam por este carro quatro leões, sobre os quais iam os quatro elementos vestidos com muita propriedade. Diante dos elementos os sete planetas, a cavalo, com suas insígnias nas mãos. Detrás do carro, o Mundo, Diabo e Carne, vencidos e triunfados.
Na última paragem da procissão se viam todos os andores da cidade orna dos com muita curiosidade, levados pelos irmãos das confrarias e neles muitas relíquias de santos e nos dois principais as imagens de vulto dos dois santos Inácio e Xavier, uma das quais já estava feita e outra se fez de novo. Debaixo do pálio levou a Misericórdia um braço de Santo Inácio. As varas levaram os senhores do governo com outros fidalgos da cidade. O senhor bispo e cabido também foram na procissão com toda a mais clerezia e diante dela os religiosos de S. Francisco que com toda a vontade nos ajudaram a celebrar os nossos santos.
Por toda a procissão decorriam muitas e várias danças e invenções que contendiam sobre o prémio que as melhores levaram, entre as quais se avantajou notavelmente uma folia de estudantes que na letra e na toada foi o que podia ser de boa.
A procissão foi bem ordenada por tomarem isso à sua conta o corregedor e juiz de fora, pessoas de muito porte, beneméritas da Companhia e particularmente desta casa. Finalmente, o sucesso foi tudo o que se podia desejar, a Deus graças, e aos amigos que Deus nos deixe viver por muitos anos. i

i Texto adaptado da obra RELAÇÕES DAS SUMPTUOSAS FESTAS COM QUE A COMPANHIA DE JESUS DA PROVÍNCIA DE PORTUGAL CELEBROU A CANONIZAÇÃO DE S.IGNACIO DE LOYOLA E S.FRANCISCO XAVIER NAS CASAS, E COLLEGIOS DE LISBOA, COIMBRA, EVORA, BRAGA, BRAGANÇA, VILLA VIÇOSA,PORTO, PORTALEGRE, E NAS ILHAS DA MADEIRA, E TERCEIRA

Desabafos, 2015/2016 - IV

Nesta Terceira República, a Direita não tem grandes datas para celebrar ou comemorar. Então, encontrou uma, o ‘25 de Novembro de 1975’, como comemorável ou celebrável.
É um facto que na falta de outra efeméride, esta data merece ser lembrada como o Thermidor do PREC. Mas, realmente, o que foi o ‘25 de Novembro de 1975’?
Para responder a esta questão recorre-se ao “Diário da Índia” do Embaixador Marcello Duarte Mathias, que na página 264 escreve:
_ De resto, o 25 de Novembro levou, de início, muita gente ao engano. Julgou tratar-se de um embate entre esquerda e direita, de que esta teria triunfado. Deste equívoco se alimentou durante uns tempos o 25 de Novembro. O que, na realidade, se verificou foi simplesmente o confronto entre uma extrema esquerda anarco-revolucionária e a esquerda socialista e maçónica, tendo esta última prevalecido.
Esta interpretação está datada de 1995, há vinte anos, portanto, mas mantém toda a clareza e verdade do que realmente se passou naquele ‘Verão Quente’ de 1975.
Se o ‘11 de Março de 1975’ foi uma quartelada, cuja História continua por fazer, o ’28 de Setembro de 1974’ representa a ida para o Gueto da Direita portuguesa, de onde ainda não conseguiu sair.
A força que então tinha o PP – Partido do Progresso naquele outono de 74, é semelhante à que viria a ter o PDC – Partido da Democracia Cristã naquele final de inverno de 75. Ambos, temidos pela Esquerda totalitária dominante, foram proibidos pelo poder radical vigente, e desde então, como que à vez, CDS-PP e PPD-PSD representam a área da Direita em Portugal sem que alguma vez se assumissem como de Direita, melhor, colhendo os seus votos, mas renegando-a.
Assim, os quarenta anos do ’25 de Novembro de 1975, que passam na próxima quarta-feira, mais não são do que a memória de um tempo de chumbo, que nem em nota de rodapé da centenária História de Portugal será no futuro próximo lembrado.
Mário Casa Nova Martins
23 de novembro de 2015, Rádio Portalegre
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sexta-feira, novembro 13, 2015

O Diabo

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O medo
Há a hipótese de as Esquerdas se unirem, permitindo a formação de um governo que se pretende de legislatura.
Tal experiência político-ideológica aconteceu nos Liberalismos e na Primeira República. Sabe-se que os resultados não foram os melhores, pelo contrário, mas tal estudo há muito que foi feito, pelo que no momento não importa repetir factos.
Perante a hipótese formal de um governo das Esquerdas, porque em termos académicos há muito que foi apresentada, a Direita do regime junto com os eurocratas de serviço, diaboliza a ideia, trazendo fantasmas do passado, como o PREC.
O PREC foi um período de guerra civil latente, no qual o Partido Comunista Português, seguindo a táctica leninista, tentou implantar uma ditadura de tipo soviético. Mas hoje os tempos são outros, tal como são os diferentes protagonistas e figurantes políticos.
Todavia, ao criar-se a figura do medo face a um governo das Esquerdas, parece que o tempo parou, quer em Portugal, na Europa e no Mundo. E a quem convém este clima de medo?A mentira que a Direita do regime propaga, segundo a qual a crise económica está vencida, no fundo ajudá-la-á num futuro próximo, quando o dito governo das Esquerdas não conseguir implementar as promessas de altos salários e pensões, baixa de impostos, saúde gratuita e outras promessas utópicas. O futuro é de penúria, que ninguém tenha ilusões.
Então, o costumado descontentamento popular, perante o fracasso do governo das Esquerdas, virar-se-á para a Direita. Mas não para a Direita do regime, só se a Direita extra-parlamentar o deixar.
O tempo é de reajustamentos político-ideológicos. Apenas os mais fortes terão futuro.
in, Semanário O Diabo, 3 de novembro de 2015, pg. 19

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terça-feira, novembro 10, 2015

Desabafos, 2015/2016 - III

Palavras para quê!
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Em Portugal trata-se melhor um cão ou um gato do que um sem-abrigo. Um sem-abrigo tem hoje em Portugal menos direitos que um gato ou um cão. Parece um paradoxo, mas é a realidade, nua e crua.
Quanto os animais elegem representantes seus para um parlamento, está tudo dito. Quando os animais são considerados ao mesmo nível do Homem, que mais dizer?
O negócio dos animais gera milhões, basta ver o espaço que os alimentos e acessórios animalescos ocupam nas grandes superfícies comerciais. Os alimentos para animais situam-se em locais contíguos aos alimentos dos humanos. Aliás, talvez não fosse de menor relevância perceber-se, descobrir-se se não haverá uma relação, directa ou indirecta, do partido político denominado PAN [Pessoas-Animais-Natureza, uma mistura exótica, dir-se-á], com o lóbi das indústrias de produtos, do mais variado género, para animais.
E os ditos parlamentares representantes dos animais defendem a criação de uma lei da república que proíba a zoofilia. Ora se os ditos acham necessário a existência de uma lei anti-zoofilia, é porque ela é praticada, e, quiçá, muito. Que tempos estes.
Todavia, que se diga que os animais têm quem os defenda, ao contrário da Vida Humana.
Enquanto os animais são defendidos, o crime do aborto é legalizado, inclusive promovido e defendido, por incrível que pareça quer pelos defensores dos animais, como por uma turba ululante de gentes anti-sociais e anti-humanas.
Hoje em Portugal tem mais valor, em termos de ética, um animal que o ser humano que é vítima de aborto.
Mas, o humano que pratica o aborto tem hoje, segundo o papa Francisco I, perdão. A Vida Humana deixou de ser inviolável, segundo a doutrina do papa jesuíta. Fumos de Satanás enchem os salões do Vaticano.
Os outrora comportamentos desviantes são hoje, como o foram no período da decadência grega e romana, sinal de modernidade e de progresso. O povo que tanto gosta, como os decadentes romanos, de pão e circo, está feliz. Que continue, afinal não merece mais, melhor, tem o que merece.
Mário Casa Nova Martins
9 de novembro de 2015, Rádio Portalegre