António Martinó de Azevedo Coutinho
Não escrevo
estas linhas porque perdemos no jogo do pontapé na bola contra a Turquia. Até foi
a feijões...
Escrevo-as
porque se tem criado um clima emocional altamente indesejável. Rodeou-se a
nossa selecção de uma expectativa claramente superior ao seu perfil. O estágio
de Óbidos decorreu e sobretudo terminou num ambiente de euforia com tonalidades
medievais, entre muralhas e pendões, carroças engalanadas, ranchos de inocentes
crianças a cantar o hino e patéticos discursos inflamados, bem recheados de juramentos
e de promessas, a cumprir com juros nos campos da honra...
Novos cruzados
dos tempos modernos, preparam-se os nossos “zeróis” para rumar à sua terra
santa, apenas um pouco mais a norte do que a “clássica”, pelas distantes plagas
polacas e ucranianas. Até levam por isso estampada nos seus uniformes uma
emblemática cruz, como noutros históricos tempos.
Se deixarmos de
lado as emoções (quem as tenha sentido, claro!), verificaremos que quase tudo
foi feito ao contrário. Onde devia ter imperado o bom senso e a humildade
acentuou-se o exagero e a arrogância. A visita ministerial ao estágio foi a
cereja no topo deste azedo bolo na clara busca de uma patética e interesseira colagem
onde devia ter permanecido uma legítima (e inteligente) separação de poderes, o
desportivo e o político.
Nunca fui capaz
de ligar o futebol à Pátria. Toquem o hino a rodos, desfraldem as bandeiras ao
vento, enverguem todos os uniformes verde-rubros, enfim, exibam a simbologia
nacional a propósito e também a despropósito, que nada disso me sensibiliza. Sobretudo,
e afinal é o que aqui verdadeiramente conta, creio que a Pátria também não
motiva os elementos da selecção portuguesa de futebol.
Pensemos um
pouco, apenas um pouco, para não cansar. Os homens até há dias reunidos em
Óbidos aí ostentaram a sua cara colecção de carros espampanantes e de mulheres
sensacionais (pode trocar-se a ordem dos adjectivos que bate certo na mesma).
Até aqui tudo seria normal, ou quase; o pior é que eles estão habituados (salvo
raras e honrosas excepções) a trocar frequentemente uns e outras. A isto parece
resumir-se a lista dos mais profundos objectivos dos “zeróis” lusitanos, desde
que não lhes faltem os milhões obtidos a troco de umas regulares assinaturas.
Então por que esperar que uma qualquer bandeira, um simples hino ou uma vulgar camisola
os possam agora sensibilizar, entusiasmar, motivar?
Pode ser que
tudo corra muito bem nos jogos a doer, já que nada bateu certo no disputa dos
feijões. Pode ser...
Nem sequer isso
alteraria a minha forma de pensar, pois este pessimismo vai sendo confirmado
sempre que está em causa a nossa representação futebolística de alto nível (!?)
no confronto com os outros. Apenas recordo que até perdemos ingloriamente uma
única, fácil e irrepetível oportunidade de sermos campeões...
O mais certo, e
convém assumir esta possibilidade como a mais lógica, é a de regressarmos, sem
honra nem glória, logo após a primeira fase, a de grupos. E isso nem deveria
ser considerado como um resultado censurável, porque os nossos parceiros são
poderosos e sempre valeram mais do que nós. Mas o clima criado deixou
irreparáveis sequelas, pois inflaccionou-se o valor dos nossos atletas, como aliás
vem sendo prática quase incontornável nos mais diversos sectores da vida
nacional.
A crise restaurou
os valores tradicionais que fizeram carreira no “estado novo”, conferindo
renovadas roupagens aos três “efes” desses tempos de nula saudade: Fátima, fado
e futebol. Quanto à primeira, basta recordar a tinta que fez correr a ainda
recente peregrinação de Maio, quando se explicou a impressionante massa humana
de peregrinos pela descrença dos “fiéis” nos homens e pela esperança de que
noutras paragens, não terrenas, se encontre a solução para o crescente
desespero colectivo. O fado -talvez seja conveniente usar a maiúscula- o Fado
acabou de receber uma consagração cultural, e internacional, do mais alto nível.
Quanto ao futebol -aqui conservo a minúscula porque não há forma mais
insignificante de tratamento- o futebol impera, contraditoriamente, nos mimos
trocados entre os Pintos das Costas e Luíses Filipes Vieiras, no censurável comportamento
de certos elementos das claques do Benfica e do Sporting, no obsceno
esbanjamento de milhões, na “qualidade” dos dirigentes federativos, liguistas e
clubistas, na contínua dança dos treinadores, na “isenção” dos jornais diários
e nos índices de audiência dos programas televisivos da especialidade, na
“competência” dos árbitros...
O pior, o pior
de tudo, ainda bem pior do que toda esta triste figura atrás patenteada é o
facto de, nesta moderna versão, o trio dos “efes” se arriscar a ser incompleto.
Agora, passando a indesejável quarteto, oxalá não tenhamos de lhe juntar a...
fome!
Isso, de facto,
seria bem pior do que fazer uma passageira má figura nos campos do pontapé na
bola.
António Martinó
de Azevedo Coutinho
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