\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

terça-feira, maio 22, 2012

António Martinó de Azevedo Coutinho

Terminou a época anual do pontapé na bola indígena. Um ano, excepto quanto ao FCP, para esquecer... Outros, mais filosoficamente, dirão: para lembrar. São os pedagogos, que acham haver sempre lições a reter. Pois, seria verdade, se alguém pudesse registar os resultados dessa aprendizagem, o que não parece ser o caso, tal a regularidade com que as coisas vão acontecendo, sempre cada vez mais iguais a si próprias. Digo coisas para homenagear o senhor ministro da dita coisa que instituiu e dignificou o vocábulo, onde passa a caber tudo sem nada lá caber...
Porém, este ano futebolístico terminou sob o signo da contestação ao nível dos chamados “dois grandes” lisboetas e, vá lá, nacionais... As inscrições murais, ainda que diversamente motivadas, revelaram o descontentamento latente. Pode até afirmar-se que não representam o sentir de todos os sportinguistas e de todos os benfiquistas, mas reflectem, certamente, o sentir de quem já está farto de promessas não cumpridas, de objectivos jurados sem qualquer concretização. Quando a vitória é o fim último visado pela competição, sobretudo no mundo do futebol, então pode afirmar-se que, de derrota em derrota ou de empate em empate, se chegou à frustração definitiva. Para o ano será melhor - transformou-se esta frase na expectativa ou na ladaínha de cada época, pobre sinal de tempos onde a desilusão do presente se acumula aos fatalismos de recentes passados com reflexos no próprio futuro...
Todos trauteamos a velha máxima dos vencidos e conformados, aquela que reza ser mais importante competir do que vencer. Pois, mesmo sendo isto teoricamente verdade, ganhar de vez em quando não é de todo incompatível com tal princípio, provavelmente de origem olímpica, quase de certeza grega, o que não lhe confere grande credibilidade nos tempos que passam...
Mas o que poderemos reter do que agora entra em pausa, sem esquecer a próxima saga colectiva dos nossos melhores (isso é outra história!), o que deve ficar como corolário da coisa?
Basicamente, que o Benfica foi capaz de perder um campeonato que esteve como nunca ao seu alcance e que o Sporting passou uma lamentável época em que foi sucessivamente desperdiçando todas as oportunidades com que sonhou. A amarga cereja no topo do verde bolo foi a Taça de Portugal, que a briosa Académica amplamente mereceu.
Para mim, tanto na Luz como em Alvalade aconteceram coisas bem mais graves do que estas públicas frustrações.
Mesmo sem grandes aprofundamentos, basta pensar um pouco no facto de todos os 66 golos marcados pelo SLB terem assinatura estrangeira. Repito: nenhum golo do Benfica foi marcado por um português. Quando pensa nos Eusébios, nos Águas, nos Torres ou nos Nunos Gomes dos anais da sua história clubista, entre resíduos de um sobrevivente orgulho, algum adepto do “glorioso” pode encarar este fenómeno internacionalista com fundada esperança?
Escrevia recentemente um analista destas coisas que apenas um jogador benfiquista -Nélson Oliveira- foi agora seleccionado, porque a equipa encarnada parece ter sido organizada para disputar muito mais a Taça dos Libertadores da América do que a europeia Champions! De facto, devia haver limites legais para esta “orgia” hispano-americana, sobretudo quando protagonizada por um clube que até 1979 apenas inscrevera atletas nacionais.
Isto é o resultado duma política desportiva errada que persegue apenas os efeitos a curto prazo, descurando os valores da sua própria e digna tradição... Afinal, com os resultados à vista.
Pelo lado do Sporting, não é mais brilhante o panorama. Pode dizer-se que quase metade dos actuais seleccionados foi formada na Academia leonina, mas também se perguntará quantos ainda moram em Alvalade e o porquê. Nem todos os golos da época tiveram marca holandesa, é verdade, mas para lá caminhamos...
Porém, como sportinguista, aquilo que neste momento mais me preocupa tem a ver com recentes declarações do treinador Sá Pinto. Quando este acaba de censurar as palavras dum jovem jogador da casa, emprestado à Académica, parece ter de súbito negado todo um surpreendente percurso actual em que vinha revelando um equilíbrio, uma competência e uma maturidade que poucos poderiam ter antecipado em alguém dotado duma personalidade quase sempre dominada pela impetuosidade e por uma certa irreflexão. Mas este estádio, infelizmente, pareceu ter regressado em tão infeliz episódio.
Quando Adrien Silva declarou que tudo iria fazer pela sua actual camisola, negra,
Sá Pinto censurou-o asperamente, explanando com azeda ironia o seu “apreço” pelo optimismo e pela vontade de ganhar assumidos por um atleta emprestado pelo Sporting. E acrescentou que este falara, apesar da indicação em contrário, a de não prestar declarações que envolvessem o seu clube de origem. Tudo isto foi duplamente grave, quer pela forma censória que implicou, quer pela infeliz e despropositada insinuação de que um atleta não deve bater-se pela sua camisola... Então, que é feito da honra, do brio pessoal ou do profissionalismo?
A resposta foi digna e justa: Adrien Silva foi, no unânime entender dos que sabem da coisa, o melhor jogador em campo. Quase me apetece dizer: - Bem feito!!!
Apenas me preocupa um pormenor com sérias incidências no futuro. Espero que a serenidade regresse de vez à magnífica prestação de Sá Pinto e que este infeliz episódio tenha sido uma excepção na sua actual norma de conduta.
Quero com isto dizer: espero que Adrien Silva (e outros promissores quadros sportinguistas por aí emprestados) possa trabalhar e jogar nas próximas épocas na Academia e em Alvalade. Deixem que outros vasculhem o Brasil ou a Argentina, o Chile ou o Paraguai, o Sahara ou o Bangladesh, dispensando dispendiosas buscas em longes terras por aquilo que existe aqui mesmo à mão, e muito mais em conta...
Então o que é nacional já não é bom?
Enfim, o fado lusitano, lamentavelmente e como é sabido, nem sempre acaba bem.
António Martinó de Azevedo Coutinho