António Martinó de Azevedo Coutinho
II – não há má
palavra se a puserem no seu lugar
Quando se aborda
a questão do uso das palavras, nomeadamente das palavras escritas, lembro-me de
certos episódios das crónicas jornalísticas indígenas em tempos febris, quando
determinados títulos de um diário nacional de grande expansão fizeram algum
furor.
Aí, as palavras
boas, más ou eventualmente neutras (se as há!), desempenharam um influente
papel em capas do Correio da Manhã. As
suas deliberadas (e habilidosas) montagens gráficas pretenderam induzir
sentidos ou interpretações orientadas para precisos fins eleitorais, num nítido
desvio da imparcialidade a que um órgão de comunicação deveria, eticamente, estar
obrigado.
No primeiro
caso, o garrafal título VAMOS VOTAR NO PRIMEIRO (para evitar um segundo
“escrutínio”), aponta claramente para o primeiro (candidato) na ordem da
coluna vertical logo à direita. No entanto, aparentemente, uma mensagem nada
teria a ver com a outra!
No caso
seguinte, o título (lido na vertical) informa, inocentemente, que Eanes quer
que todos votem. Para Solidificar Democracia,
patriótico estribilho colocado logo abaixo, implica a continuação da anterior leitura:
PSD... Duas frases, portanto, com uma sugestão de lógica
complementaridade, em maiúsculas.
O terceiro
exemplo mostra-nos como se pode fazer um claro apelo ao dever do voto na AD
(Aliança Democrática), pela simples e
“inocente” coincidência de ficarem justapostos os títulos de duas notícias
“perfeitamente” distintas...
O último caso de
propaganda eleitoral diz-nos que a AD vencerá, desta feita jogando apenas
com maiúsculas dentro dum mesmo título.
E estes
exemplos, apenas alguns escolhidos numa densa “selva” povoada por inúmeros
casos similares, aconteceram em Democracia; logo, imagine-se o grau de
manipulação da palavra susceptível de suceder em contextos ditatoriais...
Reflicta-se
agora sobre a qualidade e o rigor informativos disponibilizados sobre um mesmo
facto, utilizando apenas os títulos de primeira página de cinco vespertinos
lisboetas -Diário Popular, Diário de Lisboa, A Luta, A Capital e Jornal Novo (todos já desaparecidos!)- alusivos
a uma greve da Função Pública. As palavras usadas relatam o maior dia de
greve depois do 25 de Abril, uma adesão maciça, dois fracassos
e até adesões variáveis, portanto avaliações para todos os gostos...
Quem tenha lido apenas um dos títulos terá ficado com uma opinião parcial,
truncada, verdadeira, falsa, distante ou talvez aproximada sobre uma mesmíssima
realidade. Qual foi, de facto, a verdade? A que serviço esteve a palavra? Que
lugar, bom ou mau ou talvez assim-assim, lhe foi atribuído?
Pensemos nisto.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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