António Martinó de Azevedo Coutinho
III – as
palavras são boas de dizer
(ou de escrever) e más de cumprir
No passado ano, a propósito das Legislativas que conduziram à formação do actual governo, os diversos partidos políticos com assento parlamentar apresentaram os respectivos programas eleitorais.
Partindo da
fraseologia utilizada por cada um deles, foi um grupo de professores
universitários convidado para analisar as palavras mais usadas nesses
programas, assim tentando perceber as linhas gerais de orientação política aí
apresentadas.
O trabalho
conduziu à formação de “nuvens” de palavras, informaticamente organizadas,
contabilizando os termos mais frequentes na redacção dos textos programáticos.
Admitindo que as
palavras podem ser neutras e até assumirem sentidos opostos, o sentimento comum
remete para uma geral preocupação devida à criese económica. Os investigadores
não ficaram surpreendidos pelas palavras-chave dominantes, embora tenham
considerado uma certa componente demagógica nas mensagens, uma vez que estas se
destinavam ao consumo dos eleitores que, afinal, decidiriam o resultado.
Eis os “mapas”
relativos às palavras dominantes em cada programa eleitoral, organizados em
função da sua frequência relativa. Torna-se interessante comparar a quantidade
e a variedade das palavras mais usadas, patentes nestas “nuvens”.
O “mapa”
anterior é relativo ao Bloco de Esquerda, enquanto o seguinte é da
responsabilidade da CDU, coligação que engloba o Partido Comunista e os Verdes.
Segue-se a
súmula que traduz a terminogia usada pelo CDS/PP.
Torna-se desde
já curioso comparar o universo das palavras utilizadas, saltando à vista a
maior diversidade usada pela CDU, sendo um pouco mais “económica” a colecção
vocabular empregada pelo Bloco e pelos centristas. Aqui difere sensivelmente a
temática dominante, Estado, dívida, economia, milhões, deve, trabalho, esquerda, euros, da parte dos bloquistas, contra Estado, CDS, social, Portugal, sistema, empresas, deve, gestão, por banda dos populares. A CDU, por seu lado, privilegiou
as palavras política, trabalho, social, direitos, trabalhadores, desenvolvimento e Estado.
Segundo os
estudiosos, as linhas de orientação relativas ao BE e à CDU traduzem a pujança
de directrizes programáticas assentes em fortes ideologias, parecendo mesmo
sobrelevarem os meros objectivos de doutrinação e propaganda.
Falta apresentar
as “nuvens” de palavras estabelecidas a partir dos programas do PS e do PSD.
Eis a primeira destas, onde se destacam os termos economia, social, política, desenvolvimento, Portugal,
serviços, Estado, PS, sistema, reforço...
Confronte-se
agora com o esquema relativo ao PSD. Saltam à vista desarmada as palavras Estado, empresas, PSD, desenvolvimento, gestão, Portugal, sistema, forma, medidas, economia e outras.
Na opinião dos
docentes universitários convidados para a análise comparativa, estes esquemas
revelam objectivos mais esbatidos e compromissórios. Enquanto a CDU, e também o
CDS, mostravam palavras semelhantes nas suas propostas, como política, trabalho, direitos e trabalhadores (embora com significados
seguramente diversos), estes termos estão praticamente ausentes nos programas
do PS e do PSD. A palavra Estado surge
destacada pelo PSD e pelo BE, ainda que reflectindo linhas ideológicas opostas.
A convicção dos
analistas é a de que o PS pareceu, pela sua terminologia, o partido mais
optimista. Todos os outros balançariam entre o discurso da crise e o da
expectativa em relação ao efeito das medidas assumidas para a ultrapassar.
Esta dicotomia,
logicamente, até foi normal em tempos de campanha eleitoral. Afinal, todos os
discursos partidários, praticamente sem excepções, são tendencialmente
optimistas quando pretendem projectar o futuro, uma vez que o eleitorado
costuma valorizar quem lhe incute alguma esperança.
As promessas
foram escritas. Falta apenas cumprir a palavra.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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