\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, maio 25, 2012

António Martinó de Azevedo Coutinho

III – as palavras são boas de dizer
(ou de escrever) e más de cumprir

No passado ano, a propósito das Legislativas que conduziram à formação do actual governo, os diversos partidos políticos com assento parlamentar apresentaram os respectivos programas eleitorais.
Partindo da fraseologia utilizada por cada um deles, foi um grupo de professores universitários convidado para analisar as palavras mais usadas nesses programas, assim tentando perceber as linhas gerais de orientação política aí apresentadas.
O trabalho conduziu à formação de “nuvens” de palavras, informaticamente organizadas, contabilizando os termos mais frequentes na redacção dos textos programáticos.
Admitindo que as palavras podem ser neutras e até assumirem sentidos opostos, o sentimento comum remete para uma geral preocupação devida à criese económica. Os investigadores não ficaram surpreendidos pelas palavras-chave dominantes, embora tenham considerado uma certa componente demagógica nas mensagens, uma vez que estas se destinavam ao consumo dos eleitores que, afinal, decidiriam o resultado.
Eis os “mapas” relativos às palavras dominantes em cada programa eleitoral, organizados em função da sua frequência relativa. Torna-se interessante comparar a quantidade e a variedade das palavras mais usadas, patentes nestas “nuvens”.
O “mapa” anterior é relativo ao Bloco de Esquerda, enquanto o seguinte é da responsabilidade da CDU, coligação que engloba o Partido Comunista e os Verdes.
Segue-se a súmula que traduz a terminogia usada pelo CDS/PP.
Torna-se desde já curioso comparar o universo das palavras utilizadas, saltando à vista a maior diversidade usada pela CDU, sendo um pouco mais “económica” a colecção vocabular empregada pelo Bloco e pelos centristas. Aqui difere sensivelmente a temática dominante, Estado, dívida, economia, milhões, deve, trabalho, esquerda, euros, da parte dos bloquistas, contra Estado, CDS, social, Portugal, sistema, empresas, deve, gestão, por banda dos populares. A CDU, por seu lado, privilegiou as palavras política, trabalho, social, direitos, trabalhadores, desenvolvimento e Estado.
Segundo os estudiosos, as linhas de orientação relativas ao BE e à CDU traduzem a pujança de directrizes programáticas assentes em fortes ideologias, parecendo mesmo sobrelevarem os meros objectivos de doutrinação e propaganda.
Falta apresentar as “nuvens” de palavras estabelecidas a partir dos programas do PS e do PSD. Eis a primeira destas, onde se destacam os termos economia, social, política, desenvolvimento, Portugal, serviços, Estado, PS, sistema, reforço...
Confronte-se agora com o esquema relativo ao PSD. Saltam à vista desarmada as palavras Estado, empresas, PSD, desenvolvimento, gestão, Portugal, sistema, forma, medidas, economia e outras.
Na opinião dos docentes universitários convidados para a análise comparativa, estes esquemas revelam objectivos mais esbatidos e compromissórios. Enquanto a CDU, e também o CDS, mostravam palavras semelhantes nas suas propostas, como política, trabalho, direitos e trabalhadores (embora com significados seguramente diversos), estes termos estão praticamente ausentes nos programas do PS e do PSD. A palavra Estado surge destacada pelo PSD e pelo BE, ainda que reflectindo linhas ideológicas opostas.
A convicção dos analistas é a de que o PS pareceu, pela sua terminologia, o partido mais optimista. Todos os outros balançariam entre o discurso da crise e o da expectativa em relação ao efeito das medidas assumidas para a ultrapassar.
Esta dicotomia, logicamente, até foi normal em tempos de campanha eleitoral. Afinal, todos os discursos partidários, praticamente sem excepções, são tendencialmente optimistas quando pretendem projectar o futuro, uma vez que o eleitorado costuma valorizar quem lhe incute alguma esperança.
As promessas foram escritas. Falta apenas cumprir a palavra.
António Martinó de Azevedo Coutinho