\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

segunda-feira, maio 28, 2012

António Martinó de Azevedo Coutinho

A DILUIÇÃO E  O ENFRAQUECIMENTO ?

O texto é da autoria da senhora ex-ministra da Justiça, Celeste Cardona, e foi publicado em 24 de Maio passado, no Diário de Notícias. Sinceramente, achei o artigo em causa uma espécie de bem intencionada redacção, porém redundante, algo vazio de propósitos consistentes e de objectivos concretos. O título é A CONSOLIDAÇÃO E O CRESCIMENTO e o mais interessante que nele encontrei -foi precisamente o me chamou a atenção- residiu na ilustração aí implantada, a perfeito despropósito.
Sobre a legenda “Não é possível crescer sem recursos disponíveis para financiar o crescimento. Para dispor de tais recursos, ou pedimos emprestado ou produzimos”, a imagem não deixava dúvidas: o inconfundível par de altas e esguias chaminés da nossa “fábrica da rolha”, isto é, da fábrica Robinson, de boa e saudosa memória portalegrense...
O texto e aquela sua aparente ilustração nada têm a ver um com a outra. Não são complementos, não se referem reciprocamente, nem ali existe qualquer ligação lógica que recomende tal justaposição. É uma imagem perfeitamente neutra, despropositada na sua relação com o conteúdo do artigo ou, então, tratou-se duma simbólica aliança, misterioso elo que se destinaria a suscitar interrogações ou a levantar dúvidas, no entanto reduzidas ao universo dos leitores portalegrenses do tal artigo da senhora ex-ministra.
Implicará a legenda que se coloque à Robinson a questão, ali expressa, de como poderá ela crescer sem recursos disponíveis para financiar o seu crescimento?
E será legítimo lembrar à Robinson que para dispor de tais recursos terá de pedir emprestado ou de produzir?
Ora este assunto, económico, está ultrapassado. Infelizmente, para toda a comunidade portalegrense e não só, já não existe a fábrica Robinson (na citada imagem ainda funcionando com os tais fumos negros e brancos que durante décadas encharcaram os céus lagóias com “abençoada” poluição!); poderá implicar aquela “provocação” que se coloquem as expressas questões (ou conselhos!?) a uma outra Robinson, de certo modo herdeira das gloriosas e honradas tradições que uma nobre família inglesa aqui implantou e desenvolveu?
A Fundação Robinson, embora bem mais recente, é uma instituição local com provas dadas. A sua consolidação e o seu crescimento interessam a toda a comunidade e não têm passadas despercebidas algumas das actividades e realizações de diversos tipos, como os sucessivos “dezassetes de Setembro”, dias em que anualmente se mostra em particular (para de novo “hibernar”!?), ou como a renovação patrimonial a que se tem vindo a entregar e que está à vista, por simples e magnífico exemplo, no caso de São Francisco. É muito, é pouco, é o possível, é o desejável? Isso não o sabemos bem, porque nos falta uma adequada informação.
Em termos de opinião pública, e publicada, a última oportunidade de acesso aos projectos em curso, por parte do seu principal mentor, ficou contida numa interessante entrevista divulgada n’O Distrito de Portalegre e datada de 26 de Julho de 2007. Quase cinco anos depois -é tempo mais do que suficiente- apetece deixar aqui algumas interrogações sobre os projectos, objectivos e ambições ali patentes, ou implícitos:
·                    Onde e como poderão os interessados ter acesso, fruir, e sobretudo adquirir as publicações da Fundação?
·                    Como poderão ser consultados, ou a eles se ter acesso directo ou on line, os arquivos prometidos e, certamente, entretanto elaborados e devidamente organizados?
·                    Onde está a “fábrica aberta”, em pleno funcionamento e com os próprios operários, no proclamado espaço de cultura? Quando é inaugurado o Museu de Arqueologia Industrial Robinson?
·                    O financiamento continua a vir da própria Fundação e da Câmara Municipal de Portalegre? Qual é o papel, aí, da aportação do Conselho de Curadores, da Região de Turismo e do Instituto Politécnico de Portalegre? Qual é a dimensão das sucessivas e múltiplas candidaturas aos fundos comunitários europeus? Que outras muitas potencialidades e que outros muitos atractivos para a Fundação se têm efectivamente concretizado?
·                    Que montantes foram envolvidos, quando e como se gastaram, em que projectos e com que implicados?
·                    Que pessoal altamente classificado, de dentro ou de fora de Portalegre, se tem constituído como quadros da Instituição, uma vez que os semi-amadores e os profissionais medianos não foram (e muito bem!) considerados?
·                    Quantos dos diversos nichos de emprego desencadeados -São Francisco, a Escola de Hotelaria, a página WEB, o Museu de Arqueologia Industrial, os Auditórios, a Realidade Virtual, os espaços para passear, etc- quantos desses nichos contribuiram para compensar, entre nós, a praga do desemprego?
·                    Quando devidamente se instalarão os Novos Habitantes no Espaço Robinson, transformando este numa Fábrica de Cultura? Cito os “candidatos”, da própria fonte oficial: Associação Juvenil Verdades, Escola de Artes do Norte Alentejano-Conservatório Regional de Música, Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre-Turismo de Portugal (este Novo Habitante já está efectivamente instalado!), Grupo Folclórico e Cultural da Boavista, Orfeão de Portalegre, O Semeador-Grupo de Trabalho e Acção Cultural de Portalegre, Qualifica-Associação Nacional de Municípios e de Produtores para a valorização e qualificação dos Produtos Tradicionais Portugueses, Sociedade Musical Euterpe e Teatro d’O Semeador-Associação de Animação Cultural e Produção Teatral.
·                    Para além do extenso painel mural sobre o arquitecto Souto Moura, há meses estendido sobre a fachada da velha fábrica, que dignidade lhe foi efectivamente concedida, em que realidade se transformaram, de facto e não virtualmente, os seus projectos?
Em boa verdade, muitas outras interrogações poderiam ser aqui e agora também formuladas, mas estas são suficientes e representativas. Como é óbvio, não espero nenhum tipo de resposta, nem isso tem qualquer importância. Apenas alarguei ao papel (ou à WEB) pensamentos e dúvidas que perpassam pelo espírito de qualquer vulgar cidadão portalegrense minimamente interessado pelo futuro da sua terra.
As angústias a que vamos estando habituados vão-nos afastando, quase insensivelmente, do interesse pelo conhecimento e pela discussão dos destinos da nossa comunidade. Temos de inverter essa tendência, quase natural, e exigir contas a quem dirige, a quem promete, a quem gere os cada vez mais escassos fundos comuns. Este é um inalienável direito de cidadania, em vivência democrática. O alheamento colectivo tem conduzido a nossa terra, e também o nosso país, pelos rumos infelizmente bem conhecidos... Queremos continuar por aí?
Inspirado nos ínvios ou talvez proféticos caminhos de um vulgar artigo de jornal, faço votos de que, em vez de consolidação e crescimento, não constatemos na Fundação Robinson mais um caso local de diluição e enfraquecimento. É que nenhum de nós, e sobretudo Portalegre, ganharia com isso...
António Martinó de Azevedo Coutinho