António Martinó de Azevedo Coutinho
Outra das ameaças que actualmente pendem sobre o ensino do Português dá pelo nome de Acordo Ortográfico.
Como é lógico, o livro que tem servido de suporte -ou pretexto- a estas crónicas não o considera, precisamente porque ainda escrevemos “à antiga portuguesa”. Por enquanto, salvo se algum bom senso impedir, ou adiar, a concretização da ameaça... Como, aliás, aconteceu por diversas vezes. Daí a minha fundada esperança...
No entanto, Maria do Carmo Vieira também já deixou bem clara a sua posição sobre o Acordo, numa carta divulgada no jornal Público, em 19 de Abril de 2010. Transcrevemo-la na íntegra:
“Parece quase uma fatalidade comportamental não acreditarmos que a persistência em qualquer luta deve manter-se, enquanto os seus objectivos não forem atingidos. Nunca supusemos, por exemplo, que o que suavemente se preparava em matéria de pedagogia, na década de 80, raiando o ridículo e o absurdo, acabaria por se impor no ensino. Quando quisemos reagir de modo mais consistente, já era tarde demais. Felizmente, e como é natural no ser humano, a vontade de agir sobreveio e a luta pela qualidade do ensino recomeçou. Situação semelhante vivemos com o Acordo Ortográfico de 1990, urdido por um grupo de linguistas portugueses e brasileiros, indiferentes às críticas dos seus pares e à opinião dos falantes. Ainda que tenha surgido uma petição muito participada e entregue na AR, subscrita por 32.000 cidadãos, e que a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, no relatório emitido (08.04.09), lembrasse que ‘as preocupações e os alertas dos peticionários devem ser tidos em devida conta, do ponto de vista técnico e político, a curto e médio prazo’, a recomendação não obteve qualquer resultado prático.
É certo que podemos insurgir-nos contra este paternalismo democrático, que a todo o momento reclama por cidadania, mas encara os cidadãos como crianças a quem se deve dar a oportunidade de ‘brincar ao faz de conta’, mas convenhamos que fomos nós próprios os culpados porquanto desistimos de uma luta convicta. Felizmente, reacendeu-se através de publicações (o linguista António Emiliano, ou Francisco Miguel Valada), e da Iniciativa Legislativa de Cidadãos, com força de projecto de lei, uma ideia que se deve a um dos assinantes da petição, João Pedro Graça. Sendo a ILC já uma realidade, cujo texto e documentação para recolha de assinaturas pode ser consultado em http://ilcao.cedilha.net, apelamos a quem não concorda com este Acordo Ortográfico que assine e recolha assinaturas, pois serão necessárias 35.000 em papel, de acordo com a lei. Simultaneamente, haverá sessões de debate, a primeira das quais a 24 de Abril, na Voz do Operário, pelas 21h30.”
O problema essencial do chamado Acordo Ortográfico é ser inútil, desnecessário e inoportuno. Baseia-se em falácias e meias verdades, sendo as regras ultrapassadas pelas excepções, quase nada tendo de científico e muito assentando no político. A história dos acordos e desacordos linguísticos entre Portugal e o Brasil constitui, aliás, uma longa lista de avanços e recuos, de banalidades e de pormenores, onde as contradições constituem a regra fundamental.
Um dos “pais” lusos do actual Acordo, o professor Malaca Casteleiro, é citado no Ciberdúvidas, como tendo afirmado que “a língua portuguesa é a única com duas variantes que têm de ser traduzidas nas Nações Unidas”. Acontece -simplesmente-que o Português não é língua oficial das Nações Unidas, pelo que não há aí qualquer obrigatória necessidade de tradução...
Um assessor especial do ministro da Educação do Brasil, de nome Carlos Alberto Xavier, declarou em 28 de Outubro de 2004 que “para facilitar a cooperação na África e no Timor, por exemplo, é fundamental essa universalização. Não dá para uma professora dizer ‘dictado’, seguindo um livro de Portugal, e ‘ditado’ quando utilizar um livro do Brasil.” Não deveria ser preciso utilizar tão grosseiras mentiras para justificar o injustificável...
Mia Couto, o apreciado escritor moçambicano, disse à Agência Lusa, em 14 de Fevereiro de 2008, não haver a mínima necessidade do Acordo porque “tem tanta excepção, omissão e casos especiais que não traz qualquer mudança efectiva.”
Volto a Miguel Sousa Tavares, aqui reproduzindo uns parágrafos do seu artigo “Eu prefiro Chávez”, publicado no Expresso de 26 de Novembro de 2007: “Há mais de dez anos que vivemos com esta espada suspensa sobre a cabeça: quando não têm mais nada com que se entreter para exibir a sua importância, os senhores da Academia das Ciências (de Lisboa) e os ministros dos Estrangeiros gostam de nos ameaçar com o acordo ortográfico, cujo objectivo único é pôr-nos a escrever como os brasileiros, assim lhes facilitando a sua penetração e influência nos países de expressão portuguesa. Como disse Vasco Graça Moura, o acordo é um ‘diktat’ neo-colonial, em que o mais forte (o Brasil) determina a sua vontade ao mais fraco (Portugal). Alguém imagina os Estados Unidos a ditarem à Inglaterra as regras ortográficas da língua inglesa? Ou o Canadá a ditar as do francês à França ou a Venezuela as do espanhol a Espanha? Dizem que isto vai facilitar a penetração da literatura portuguesa no Brasil, mas ninguém perguntou a opinião aos autores portugueses. Há quatro anos atrás, publiquei um livro no Brasil e, contra a opinião de alguns ‘sábios’ e as várias insistências da editora brasileira, o livro reza assim na ficha técnica: ‘A pedido do autor, foi mantida a grafia da edição original portuguesa’. Apesar dos agoiros do desastre que essa teimosia minha implicaria, o livro vendeu até hoje cerca de 50.000 exemplares no Brasil. Perdoem-me a imodéstia, mas orgulho-me de ter feito bem mais pela nossa língua no Brasil do que todos esses que se dispõem a vendê-la como coisa velha e descartável.”
Continuarei a explicitar o meu desacordo.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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