António Martinó de Azevedo Coutinho
Confesso que Miguel Sousa Tavares não é, ao contrário do seu pai, uma figura da minha particular simpatia. Embirro com o ar pedante, auto-convencido e por vezes fundamentalista que assume ao sustentar as suas posições. O tabagismo e o clubismo, por exemplo, são temas onde estas suas características pessoais mais “brilham”. Não deixo, no entanto, de lhe reconhecer uma certa coragem e algum mordaz desassombro na defesa dos seus pontos de vista. Por isso, nem sequer hesito em recorrer e um seu escrito público para sublinhar uma das críticas de Maria do Carmo Vieira à TLEBS.
Foi publicado no semanário Expresso, no dia 25 de Novembro de 2006, sob o curioso título Reflexões sobre o futuro do meu cão. Daí retiro duas curtas citações:
(...) “Mas não: não sei se cão ainda é cão, mas substantivo é que já não. Um misterioso grupo de sábios linguistas (brrrr!) acaba de propor, para passar a vigorar em todas as escolas do país, que ‘cão’ já não é substantivo: é sim um ‘nome comum, contável, animado e não humano’. E o meu - que é tudo menos comum, tem coisas que não se podem contar, é francamente pouco animado e tem a mania que é humano? Vinha ouvindo falar sobre essa coisa estranha que responde pelo eloquente nome de TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário), julgando que se tratava de uma querela residual de linguistas, coisa de que costumo fugir como diabo da cruz. (...) E depois fui pesquisar o que queriam ao certo fazer à minha velha gramática, companheira de tantos milhares e milhares de páginas produzidas não sei bem para quê. E declaro que descobri coisas fantásticas, sem dúvida impressionantes, todavia incompreensíveis, pelo menos sem uma acção de formação radical. Descobri que o simples artigo, o velho artigo definido, é promovido a ‘determinante artigo’: não percebo a vantagem, mas até aí ainda vou. O pior é quando me propõem designações como a ‘coerência pragmática ou funcional’, o ‘modificador’, o ‘designador rígido’, o ‘anafórico’, a ‘catáfora’, a ‘meronímia’, o ‘ataque da sílaba’, a ‘coda da sílaba’, o ‘agentivo’, ou uma coisa entre todas misteriosa chamada ‘ordem OVS’. Isto para já não falar do ‘género epiceno’, que tem a particularidade de se poder dividir em ‘variantes comuns’ ou ‘comuns de dois’. Caramba, importam-se de falar português?”
Já referi, atrás, Álvaro Gomes. Uma sua curta e incisiva citação, cuja exacta origem -confesso- não consegui identificar, corre o nosso universo da comunicação social e faz sucesso. Já a tenho encontrado citada pelos mais diversos autores que se preocupam com este magno problema da TLEBS, pelo que a reproduzo:
“Nenhum pediatra diz a uma criança com dores de barriga: você tem uma crise gástrica moxirreica. Isto é uma questão de senso-comum, considera. No entanto, crianças de seis anos podem ser confrontadas com questões como: Explicite o valor anafórico do conector. Que benefícios é que isso vai trazer?”
No entanto, sobre a mesma precisa questão, um ex-director-geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, de seu nome Luís Capucha, assumiu uma posição rigorosamente contrária:
“Não há nenhum risco de que uma criança de seis anos seja confrontada com um palavrão desse tipo. O que nós pretendemos é que o professor entenda o termo, de forma a poder transmitir o conhecimento da língua aos seus alunos.”
Vá lá ser-se sacristão nesta paróquia...!!! Uma vez mais, como aliás costuma acontecer, é atribuído aos professores o papel mais ingrato nesta burlesca encenação.
Confesso que não conheço a TLEBS; porém declaro com toda a ênfase ao meu alcance que nada, rigorosamente nada, dela quero conhecer! O que vou sabendo, fragmentário e marginal, basta-me. Acredito naquilo que entendidos no assunto têm proclamado. Creio na autenticidade dos depoimentos, informados e insuspeitos, de inúmeras personalidades de diversa formação e de distintos quadrantes filosóficos e políticos, unidos no essencial na firme denúncia dessa aberração pseudamente gramatical designada por TLEBS. Fizeram-no em 20 de Novembro de 2006, com Maria do Carmo Vieira, num abaixo-assinado dirigido à ministra da Educação: Jorge Morais Barbosa, Maria Alzira Seixo, Vasco Graça Moura, Helena Buescu, Eduardo Prado Coelho, Manuel Gusmão, Maria Alice Gomes da Costa, José Saramago e outros.
Termino, por hoje, com mais uma esclarecedora citação alusiva, voltando ao livro O Ensino do Português:
“‘Modificadores’ é a nova denominação para os advérbios, subdivididos em várias subclasses que se designam por: advérbios disjuntos (advérbios de frase), adjuntos (advérbios de predicado) e conectivos. E repare-se nas várias subclasses semânticas em que se agrupam os advérbios disjuntos:
• advérbios disjuntos avaliativos - felizmente;
• advérbios disjuntos modais - possivelmente;
• advérbios disjuntos reforçadores da verdade da asserção - evidentemente;
• advérbios disjuntos restritivos da verdade da asserção - supostamente.
São ainda os alunos obrigados a consciencializar actos de fala, os actos ilocutórios, divididos em cinco categorias: Assertivos, Directivos (subdivididos ainda em Directos e Indirectos), Compromissivos, Declarativos, Expressivos. Outra nova exigência é o novo conhecimento das relações semânticas de hiperonímia e hiponímia, meronímia e holonímia, conceitos que os alunos terão de adquirir e cujos exemplos retirei de um manual do 10.º ano (havendo-os também no 7.º ano): Cão é um hipónimo de animal; assim, animal é hiperónimo de cão; nariz faz parte do rosto; assim, nariz é merónimo de rosto, sendo rosto holónimo de nariz. E o que dizer em relação às diferentes classificações do aspecto verbal: Incoativo, inceptivo, cessativo, iterativo, frequentativo?”
Basta! Alguém percebeu? Eu também não.
Declaro que acabo de pedir asilo político ao meu velho manual de Gramática.
Quando puder, se puder, prometo voltar.
Sem TLEBS...
António Martinó de Azevedo Coutinho
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