António Martinó de Azevedo Coutinho
quatro – é a
cultura, estúpido!
A frase rigorosamente
histórica não é a reproduzida no título. Recordo o episódio original onde
nasceu o popular estribilho que agora corre o mundo.
Foi na campanha
para as eleições presidenciais norte-americanas de 1992. James Carville, um
colaborador próximo de Bill Clinton na sua disputa com George Bush (pai), preparou
certo discurso que terminaria com uma sintética frase-paródia: “É a economia, estúpido!”. Logo este
provocatório estribilho se popularizou, ganhando diversas variantes, entre as
quais “É a cultura, estúpido!”, que
até já deu origem a uma série de interessantes iniciativas no Teatro São Luiz,
em Lisboa.
O mais curioso é
que cultura e estupidez em princípio se repelem, porque se situam nos antípodas
da mesma e una realidade humana. Assim, a cultura seria uma arma de combate
contra a estupidez, enquanto a ausência do acesso à cultura faria permanecer,
ou agravar-se, essa estupidez.
Afirmam alguns
investigadores da neurologia científica que a estupidez é parcialmente genética
e parcialmente adquirida. Na primeira parcela integra-se a programação cerebral
com que nascemos, sede de comportamentos mamíferos (logo, humanos) mais ou
menos automatizados. Na segunda parcela, esses cientistas incluem a denominada
enculturação, processo pelo qual o nosso sistema nervoso sofre os efeitos
(positivos ou negativos) do ensino, da cultura, das aprendizagens, das
imitações, etc.
Segundo estas
teorias, a estupidez define-se como uma espécie de bloqueio na habilidade de
receber, integrar e transmitir rapidamente novos sinais ou de elaborar
respostas adequadas a novos estímulos.
O treino e o desenvolvimento
das diversas modalidades da inteligência, sensorial, emocional, lógica,
dedutiva, intuitiva e outras constituem, obviamente, uma forma de conter ou
corrigir a estupidez.
Com toda a
probabilidade, tudo isto será infinitamente mais complexo do que aqui fica nesta
dúzia e meia de linhas. Foi, no entanto, o que sumariamente apreendi.
Alguns teóricos
destas coisas complicadas chegam mesmo a afirmar que, apesar dos instrumentos colocados
em acção nesta prolongada luta, como a Democracia, a Cultura, a Alfabetização,
o Experimentalismo, a Psicanálise e outros, não puderam ser evitadas, ao longo
da História da Humanidade, algumas graves epidemias mundiais de estupidez. Ironicamente,
deduzem estes especialistas que a estupidez, tal como a morte ou a pobreza,
esteve tanto tempo connosco, que a maioria das pessoas não pode conceber a vida
sem ela. Há alguma dose de verdade prática nesta polémica afirmação, porque
todos sabemos que a doença e a pobreza (também o desemprego!) carregam os seres
humanos com marcas de cobardia, tornando-os mais sensíveis para uma quase inevitável
aceitação da estupidez como norma de vida, deixando por isso aos iluminados -os
“chefes”- a responsabilidade de tudo decidirem em seu nome.
E aqui voltamos
a reencontrar o universo da política. E a encontrar, também, as secretas
motivações de certas intervenções ditas políticas, afinal destinadas a fixar a
estupidez colectiva como base indispensável à prolongada manutenção, dita
“democrática”, de alguns líderes.
Torna-se
fundamental reflectir sobre estas questões e actuar em conformidade, para se produzir
a inversão da lógica vigente nos comportamentos de um qualquer candidato a
político que se sente “autorizado” a cumprir,
no poder, o contrário daquilo que, em campanha, jurara. É excessivo, e
escandaloso, o que a este respeito tem vindo a acontecer entre nós, sobretudo
nos finais do século XX e nestes inícios do XXI. E como na Europa globalizada
acontece mais ou menos o mesmo, todos estamos a sofrer os terríveis efeitos derivados
da irresponsabilidade destes políticos de baixo perfil e das suas medíocres
políticas, onde sobra o materialismo e falta o espírito humanista. A Democracia
tem as costas largas...
Ficam por aqui
estas reflexões. Como seu termo, creio ser adequada a proposta de visionamento
duma peça musical da autoria de um já desaparecido grupo brasileiro, “de
intervenção”, aliás pouco conhecido entre nós: Legião Urbana.
O grupo, extinto
após a prematura morte do seu principal fundador, Renato Russo (1960-1996),
dedicou-se a um estilo próximo do pop
e do rock, com um reportório pleno de
crítica social e política, sobretudo virado para a realidade brasileira.
Escolhi o
videograma Perfeição (da autoria de
Renato Russo) por dois motivos convergentes: assenta na “celebração” da
estupidez humana e ostenta a sua própria letra, o que me dispensa de aqui a
reproduzir. Qualquer semelhança entre esta mensagem e a nossa realidade será
mera coincidência? Que cada um conclua...
E saibamos
encarar de frente a estupidez como algo que pertence à nossa própria condição.
Mas saibamos também que, como desvio ou “doença” do carácter, é passível de
fases, com estádios mais ou menos inócuos alternando com sérias crises, e que,
embora não dispondo de vacinas seguras, até tem cura, e radical. Esta está ao
nosso alcance, ainda que tal perspectiva muito custe a suportar a certos
políticos da nossa praça...
Pudera!
António Martinó de Azevedo Coutinho
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