António Martinó de Azevedo Coutinho
dois – a
estupidez sob a forma de poema
Continuo na conveniente
e oportuna companhia do filósofo holandês Rob Riemen, através da sua
entrevista, concedida a Teresa de Sousa e inserida no suplemento 2 (Público, 29 de Abril de 2012).
“... pessoas como Mário Soares, Willy Brandt,
François Mitterrand eram, no mínimo, gente extremamente erudita, que tinha
ideias, com as quais podíamos discordar, que cometia erros, alguns até bem
grandes, mas era fácil reconhecer neles a dimensão de estadistas. Quem, entre a
actual classe dirigente, você consegue definir como um estadista? Diga-me! Li
recentemente um comentário muito interessante de alguém que dizia que quando,
daqui a 100 anos, as pessoas olharem para o nosso tempo vão perguntar-se: por
que era esta gente no final do século XX e no início do século XXI estúpida ao
ponto de pensar que tudo se resumia à economia, à economia, à economia?”
Ainda há dias, a
outro propósito mais ou menos convergente, aqui se recordava o comportamento
político entre nós dominante, que reduz as pessoas a números e os objectivos sociais
a estatísticas... Tudo com a cumplicidade da nossa colectiva estupidez!
“Recentemente, citei Federico Fellini, o
grande realizador italiano que no fim da vida avisou: eu conheci o mundo do
fascismo e a sua raiz é a estupidez. Foi o lado frustrado e provinciano de nós
próprios que lhe conferiu legitimação política. Fellini disse que a primeira
coisa que temos de combater para garantir que isto não se repetirá é a
estupidez dentro de nós próprios. E, de novo, qual é o sistema que criámos? Uma
classe dominante que depende da estupidez das pessoas. Se as pessoas fossem um
pouco mais espertas, essa gente nunca conseguiria obter votos ou vender os seus
programas e os seus produtos.”
Somos assim
confrontados com a nossa própria responsabilidade, por pura abdicação do exercício
do espírito crítico, pela comodista prática da estupidez nativa. O poder reside
no povo, que somos todos nós, excepto quando exercemos, repetidamente, a nossa colectiva
estupidez.
Deixemos por ora
Rob Riemen e a sua lúcida lição.
Proponho a
poesia, como exercício complementar, naquilo que até poderia ser interpretado
como uma fuga à realidade. Esta reacção seria estúpida, se não fosse fortemente
motivada pelo tema em apreço...
Robert William
Service (1874-1958) foi um poeta inglês com vida aventurosa, repartida pelaEuropa e pela América. Deixou-nos uma obra considerável, embora -segundo julgo-
não esteja editada em Portugal. Há uns tempos, deparei-me com um poema da sua
autoria, que guardei por me ter impressionado, apesar de o ter lido no
original, em língua inglesa, que não é propriamente o meu forte... Pertenço a
uma geração que ainda celebrou a França como pátria, por excelência, da cultura
europeia. Com inteira justeza, acrescente-se.
O poema em
apreço denomina-se, precisamente, Stupidity.
Se soubesse ser o seu autor um contemporâneo de Rob Riemen, diria que militavam
na mesma causa. Assim, trata-se apenas duma convergência do pensamento crítico
de ambos.
Traduzi, pelos
meus próprios recursos (não cursei Inglês
Técnico!), o poema Estupidez.
Será, muito provavelmente, um trabalho pouco rigoroso, até porque neste domínio
da tradução de poesia as coisas são sempre complicadas, mesmo a nível
profissional. Mas posso garantir que nesta modestíssima versão pessoal, em
português, me esforcei por nada atraiçoar do espírito e das intenções do autor.
Estupidez, com a tua tranquilidade,
Sê gentil e conforta a minha mente;
Suaviza as rugas do meu rosto,
Torna-me tão despreocupado como uma vaca,
Contente por dormir, comer e beber
E nunca pensar
Estupidez, deixa-me ser cego
Para com todos os males da Humanidade;
Preenche-me com o sentimento simples
De andar pelos caminhos por onde o meu pai passou;
Ensina-me a suar com mecânicas danças,
Sob o jugo.
Estupidez, mantém no seu lugar
As sofredoras multidões da minha raça,
E ordena à massa humilde
Que seja modesta como um povo deve ser;
Instrui os nosssos pacientes corações, peço-te,
Na obediência aos Senhores.
Estupidez e ignorância,
Sejai o amparo da nossa pouca sorte;
Ensinai-nos a fazer a vossa vontade,
E a eliminar outras pessoas estúpidas;
Iludi-nos com a esperança da vida futura,
Grande deus a quem curvamos os joelhos,
-Oh, ESTUPIDEZ !
Sê gentil e conforta a minha mente;
Suaviza as rugas do meu rosto,
Torna-me tão despreocupado como uma vaca,
Contente por dormir, comer e beber
E nunca pensar
Estupidez, deixa-me ser cego
Para com todos os males da Humanidade;
Preenche-me com o sentimento simples
De andar pelos caminhos por onde o meu pai passou;
Ensina-me a suar com mecânicas danças,
Sob o jugo.
Estupidez, mantém no seu lugar
As sofredoras multidões da minha raça,
E ordena à massa humilde
Que seja modesta como um povo deve ser;
Instrui os nosssos pacientes corações, peço-te,
Na obediência aos Senhores.
Estupidez e ignorância,
Sejai o amparo da nossa pouca sorte;
Ensinai-nos a fazer a vossa vontade,
E a eliminar outras pessoas estúpidas;
Iludi-nos com a esperança da vida futura,
Grande deus a quem curvamos os joelhos,
-Oh, ESTUPIDEZ !
Deixando estes
versos para salutar meditação, volto em breve ao tema.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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