\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, maio 11, 2012

António Martinó de Azevedo Coutinho

um – generalidades sobre a estupidez política

É assim. Está a gente mais ou menos intranquila, tão intranquila quanto pensar nesta triste sina obriga, na triste sina de sermos europeus, portugueses e ainda por cima portalegrenses, e num repente há coisas que ainda mais nos intranquilizam.
Costumo ler jornais, um luxo quotidiano cada vez mais complicado de cumprir, e há dias apeteceu-me correr de ponta a ponta um artigo -melhor dito: uma entrevista- que incluia um senhor estrangeiro de nome complicado, Rob Riemen. Confesso que nunca tinha sequer ouvido falar neste filósofo e ensaísta holandês (fiquei depois a saber quem era o senhor), mas fui desde logo provocado pelo título: O primeiro combate é contra a estupidez dentro de nós próprios.
Reli o texto, após um primeiro e atento contacto. Tornei a reler. E apreendi as bases, tudo mais ou menos organizado, de como funcionamos a este nível. Acho que o senhor tem razão neste aviso que nos deixa.
Rob Riemen fundou e dirige o Nexus Institut, que se dedica à reflexão intelectual sobre a herança cultural da Europa e sobre os grandes desafios que a civilização europeia hoje enfrenta. Está, portanto, habituado a pensar sobre questões sérias que os comuns cidadãos, que somos quase todos, não costumam incluir no rol dos seus interesses imediatos.
Vale a pena correr o risco de citar, desligadas do notável contexto onde se inserem, algumas frases do entrevistado. Por isso, aqui ficam.
A nossa classe dirigente nunca conseguirá resolver os nossos problemas porque ela é o principal problema. É de tal maneira estreita de espírito que apenas consegue concentrar-se nas questões que não são verdadeiramente importantes. Em vez de salvar os bancos, devia preocupar-se em dar às pessoas uma boa educação, os instrumentos que lhes permitam conduzir as vidas, facultar-lhes o acesso à arte, à cultura, aos livros... para que possam tornar-se seres humanos críticos.”
Atenção, o entrevistado falava da Europa, mas a verdade é que, neste particular, os nossos dirigentes, embora indígenas, são retintamente europeus! A salvação da banca, à nossa exclusiva custa tal como eles entendem, implica a asfixia, ainda que lenta, da educação e da cultura...
Mas qual é a grande mentira? É que criámos um sistema de educação que não está interessado em dar a toda a gente a oportunidade de desenvolver os seus talentos. Porque deixámos de nos interessar pelas humanidades, pela filosofia. Só nos interessa um sistema de ensino que seja bom para a economia e para o Estado. Ou seja, que seja útil para uma classe de privilegiados. E a grande mentira é que dizemos que isto é a democracia porque temos direito ao ensino.”
Aqui, prefiro dar voz aos professores e aos seus sindicatos, para que avaliem e critiquem, como aliás têm feito e com rigor, o estado e os caminhos da nossa Educação...
E também convém lembrar a palavrosa argumentação de alguns políticos caseiros (Isaltinos, Felgueiras, Valentins e outros) sobre a sua legitimidade democrática...
Em Novembro de 1848, Victor Hugo, que era membro do Parlamento francês, protestou veementemente contra os cortes orçamentais que o Governo queria fazer na cultura. Argumentou que era a coisa mais estúpida que se poderia fazer. Porque não resolveria os problemas financeiros da França e, além disso, destruiria as instituições que eram mais necessárias, como bibliotecas, museus, teatros, universidades. Porquê? Porque há um perigo maior que a pobreza, que é a estupidez e a ignorância. E é isso que estamos a fazer...”
Chegou a vez de lamentarmos a despromoção oficial sofrida pela nossa Cultura, incluindo a decepcionante prestação do respectivo secretário de Estado...
E, desgraçadamente, todos estamos cientes do progressivo abandono dos bens culturais públicos assim como da falta de apoio às instituições privadas que vivem da e para a Cultura.
“(a alternativa) É uma forma diferente de pensar. E isso significa que as pessoas que votam têm de ter uma oportunidade para compreender se devem ou não acreditar nas pessoas que lhes pedem a sua confiança. E não estou a falar apenas no mundo da política, estou a falar no mundo dos media, da cultura, da educação. Temos de voltar à raiz dos problemas, o que quer dizer que as pessoas têm de voltar a compreender aquilo que faz as suas vidas terem sentido e de que instituições precisamos para garantir que toda a gente pode viver em dignidade. E isso quer dizer mais do que ter um emprego.”
Pois, todos nós temos sido forçados a comparar as promessas e garantias (o antes) de quem nos governa com as efectivas medidas tomadas (o depois), constatando as mais abjectas mentiras ou a mais indesculpável ignorância. Até quando?
A nossa verdadeira crise não é financeira, é uma crise de civilização. E, mais uma vez, fomos avisados para isso. Albert Camus e outros grandes pensadores disseram-nos que não cometêssemos o erro de pensar que, só porque a economia ia bem, tudo corria bem. Por baixo dessa aparência, estava a acontecer qualquer coisa que tem a ver com os valores morais. (...) Toda a gente começou a acreditar na ideia de que se é alguém pelo que se usa e pelo que se tem e já não sobre aquilo que realmente se é. O nosso sistema político passou a basear-se nesta ideia falsa. O que é que andámos a dizer às pessoas nos anos 80 e 90? Quem são os nossos heróis? Não são os poetas, os artistas ou os pensadores. São as pessoas que são ricas.”
Creio que, aqui, o pensador cometeu uma ligeira falha: na lista destes “heróis” nacionais, neste momento encabeçada por Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos e Belmiro de Azevedo, ele esqueceu-se, pelo menos, de Cristiano Ronaldo e de José Mourinho...
Mas Rob Riemen tem ainda algumas reflexões para partilhar connosco.
António Martinó de Azevedo Coutinho