António Martinó de Azevedo Coutinho
um – generalidades
sobre a estupidez política
É assim. Está a
gente mais ou menos intranquila, tão intranquila quanto pensar nesta triste
sina obriga, na triste sina de sermos europeus, portugueses e ainda por cima
portalegrenses, e num repente há coisas que ainda mais nos intranquilizam.
Costumo ler
jornais, um luxo quotidiano cada vez mais complicado de cumprir, e há dias
apeteceu-me correr de ponta a ponta um artigo -melhor dito: uma entrevista- que
incluia um senhor estrangeiro de nome complicado, Rob Riemen. Confesso que
nunca tinha sequer ouvido falar neste filósofo e ensaísta holandês (fiquei
depois a saber quem era o senhor), mas fui desde logo provocado pelo título: O primeiro combate é contra a estupidez
dentro de nós próprios.
Reli o texto,
após um primeiro e atento contacto. Tornei a reler. E apreendi as bases, tudo
mais ou menos organizado, de como funcionamos a este nível. Acho que o senhor
tem razão neste aviso que nos deixa.
Rob Riemen
fundou e dirige o Nexus Institut, que
se dedica à reflexão intelectual sobre a herança cultural da Europa e sobre os
grandes desafios que a civilização europeia hoje enfrenta. Está, portanto,
habituado a pensar sobre questões sérias que os comuns cidadãos, que somos
quase todos, não costumam incluir no rol dos seus interesses imediatos.
Vale a pena
correr o risco de citar, desligadas do notável contexto onde se inserem,
algumas frases do entrevistado. Por isso, aqui ficam.
“A nossa classe dirigente nunca conseguirá
resolver os nossos problemas porque ela é o principal problema. É de tal
maneira estreita de espírito que apenas consegue concentrar-se nas questões que
não são verdadeiramente importantes. Em vez de salvar os bancos, devia
preocupar-se em dar às pessoas uma boa educação, os instrumentos que lhes permitam
conduzir as vidas, facultar-lhes o acesso à arte, à cultura, aos livros... para
que possam tornar-se seres humanos críticos.”
Atenção, o
entrevistado falava da Europa, mas a verdade é que, neste particular, os nossos
dirigentes, embora indígenas, são retintamente europeus! A salvação da banca, à
nossa exclusiva custa tal como eles entendem, implica a asfixia, ainda que
lenta, da educação e da cultura...
“Mas qual é a grande mentira? É que criámos
um sistema de educação que não está interessado em dar a toda a gente a
oportunidade de desenvolver os seus talentos. Porque deixámos de nos interessar
pelas humanidades, pela filosofia. Só nos interessa um sistema de ensino que
seja bom para a economia e para o Estado. Ou seja, que seja útil para uma
classe de privilegiados. E a grande mentira é que dizemos que isto é a
democracia porque temos direito ao ensino.”
Aqui, prefiro
dar voz aos professores e aos seus sindicatos, para que avaliem e critiquem,
como aliás têm feito e com rigor, o estado e os caminhos da nossa Educação...
E também convém lembrar
a palavrosa argumentação de alguns políticos caseiros (Isaltinos, Felgueiras,
Valentins e outros) sobre a sua legitimidade democrática...
“Em Novembro de 1848, Victor Hugo, que era
membro do Parlamento francês, protestou veementemente contra os cortes
orçamentais que o Governo queria fazer na cultura. Argumentou que era a coisa
mais estúpida que se poderia fazer. Porque não resolveria os problemas
financeiros da França e, além disso, destruiria as instituições que eram mais
necessárias, como bibliotecas, museus, teatros, universidades. Porquê? Porque
há um perigo maior que a pobreza, que é a estupidez e a ignorância. E é isso
que estamos a fazer...”
Chegou a vez de
lamentarmos a despromoção oficial sofrida pela nossa Cultura, incluindo a
decepcionante prestação do respectivo secretário de Estado...
E,
desgraçadamente, todos estamos cientes do progressivo abandono dos bens
culturais públicos assim como da falta de apoio às instituições privadas que
vivem da e para a Cultura.
“(a alternativa)
É uma forma diferente de pensar. E isso
significa que as pessoas que votam têm de ter uma oportunidade para compreender
se devem ou não acreditar nas pessoas que lhes pedem a sua confiança. E não
estou a falar apenas no mundo da política, estou a falar no mundo dos media, da cultura, da educação. Temos de voltar à
raiz dos problemas, o que quer dizer que as pessoas têm de voltar a compreender
aquilo que faz as suas vidas terem sentido e de que instituições precisamos
para garantir que toda a gente pode viver em dignidade. E isso quer dizer mais
do que ter um emprego.”
Pois, todos nós
temos sido forçados a comparar as promessas e garantias (o antes) de quem nos
governa com as efectivas medidas tomadas (o depois), constatando as mais abjectas
mentiras ou a mais indesculpável ignorância. Até quando?
“A nossa verdadeira crise não é financeira, é
uma crise de civilização. E, mais uma vez, fomos avisados para isso. Albert
Camus e outros grandes pensadores disseram-nos que não cometêssemos o erro de
pensar que, só porque a economia ia bem, tudo corria bem. Por baixo dessa
aparência, estava a acontecer qualquer coisa que tem a ver com os valores
morais. (...) Toda a gente começou a
acreditar na ideia de que se é alguém pelo que se usa e pelo que se tem e já
não sobre aquilo que realmente se é. O nosso sistema político passou a
basear-se nesta ideia falsa. O que é que andámos a dizer às pessoas nos anos 80
e 90? Quem são os nossos heróis? Não são os poetas, os artistas ou os
pensadores. São as pessoas que são ricas.”
Creio que, aqui,
o pensador cometeu uma ligeira falha: na lista destes “heróis” nacionais, neste
momento encabeçada por Américo Amorim, Alexandre Soares dos
Santos e Belmiro de Azevedo, ele esqueceu-se, pelo menos, de Cristiano Ronaldo
e de José Mourinho...
Mas Rob Riemen
tem ainda algumas reflexões para partilhar connosco.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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