António Martinó de Azevedo Coutinho
REALidades Dois
Miguel Real, na
entrevista dirigida pela jornalista Catarina Pires (em Notícias Magazine n.º 1039, 22 de Abril de 2012), revela uma
duríssima análise à presente situação sócio-política nacional. E continua:
“A seguir ao 25 de Abril houve democracia a
mais, hoje há democracia a menos e entre estes dois momentos tem havido muita
conspiração de grupos de interesses. Em Lisboa, a democracia é formal, todos
sabemos, mas também tivemos um pouco de azar. Quando apanhámos o comboio da
Europa, nos anos 1980, esta estava a iniciar um período de decadência no que
respeita à ética política, que deu origem a um conjunto de políticos, sobretudo
no século XXI, sem consciência ética e cívica, que defendem o que lhes
interessa e dizem o que o eleitorado quer ouvir. Apanhámos a Europa quando a
política se tornou espectáculo.” (...) “Perdeu-se
o sentido daquela democracia que estava na Constituição e era um grande valor
para todos os que tinham vivido em ditadura e para as novas gerações: uma
democracia cívica, ética e política, que conta com a participação ética do
cidadão e defende não os interesses particulares, mas o bem comum. Hoje, estes
novos políticos europeus que têm expressão nos Sócrates, nos Passos Coelhos,
nos Seguros, pertencem a uma geração que cortou com isso. O professor Cavaco
Silva está há 25 anos no poder. Quando entrou, havia dois milhões de pobres,
hoje há dois milhões de pobres. Quer maior atestado de incompetência? E onde
está o bem comum?”
Como pode ter
acontecido isto, que parece óbvio e indesmentível, em tão pouco tempo? A
política como carreira e não como vocação tornou-se regra, onde as excepções
têm de ser procuradas à lupa, e convém usar uma de grande ampliação...
Gente com tanto
jeito para a política quanto a que eu tenho para empreiteiro de obras públicas
está hoje no poder. Nada sabe daquilo nem sequer procura saber, pois o que lhe
interessa é aproveitar, em benefício próprio e o mais depressa possível, as
suas benesses. A preocupação do bem comum não pertence às cartilhas da moderna
geração dos nossos políticos. O pior é que nenhum de nós -povo- sabe quem lhes
pode (e deve!) passar os adequados atestados de incompetência. Serão as Juntas
de Freguesia agora em acelerada extinção?
Voltemos da dar
a palavra a Miguel Real:
“Aumenta-se tudo e depois os políticos e os
economistas vêm com aquele ar cândido dizer que os portugueses viveram acima
das suas possibilidades e que se estamos a viver mal a culpa é nossa. Mas quem
é que viveu acima das suas possibilidades? As elites e a sua incompetência é
que criaram este grande desequilíbrio e projectam no povo a responsabilidade e
o medo. Se há alguma coisa que quis denunciar neste livro foi justamente este
embuste da actual classe política. Eles sim, demagogicamente fizeram do Estado
o seu grande quintal, onde fizeram o que queriam, desprovidos de ética cívica,
porque essa obrigava a ter contenção nas despesas e a não fazer promessas vãs...”
Esta é uma
realidade que os políticos gostam de ignorar e que detestam ver exposta. É a
eles, por demissão dos seus mais elementares deveres, que se deve o estado
calamitoso a que chegámos, a eles e também à banca que eles próprios tinham
obrigação de controlar e não controlaram. Esta aliança produziu a falência do
Estado e dos cidadãos, devendo acrescentar-se uma terceira componente desta
tríade malfeitora, algumas autarquias e os governos regionais. Portalegre é um
exemplo acabado dos efeitos deletérios da má administração, desde o alheamento
do poder central até à incompetência local do poder...
Instala-se deliberadamente
um clima de desalento que pretende diluir a nossa capacidade de resistência. A
pobreza e a miséria, crescentes, não podem ser a arma política que consiga
calar a revolta, expressa pelo legítimo e constitucional direito à indignação.
Convém, nesta
linha, manter o diálogo com Miguel Real.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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