\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

quarta-feira, maio 02, 2012

António Martinó de Azevedo Coutinho

REALidades Dois
Miguel Real, na entrevista dirigida pela jornalista Catarina Pires (em Notícias Magazine n.º 1039, 22 de Abril de 2012), revela uma duríssima análise à presente situação sócio-política nacional. E continua:
A seguir ao 25 de Abril houve democracia a mais, hoje há democracia a menos e entre estes dois momentos tem havido muita conspiração de grupos de interesses. Em Lisboa, a democracia é formal, todos sabemos, mas também tivemos um pouco de azar. Quando apanhámos o comboio da Europa, nos anos 1980, esta estava a iniciar um período de decadência no que respeita à ética política, que deu origem a um conjunto de políticos, sobretudo no século XXI, sem consciência ética e cívica, que defendem o que lhes interessa e dizem o que o eleitorado quer ouvir. Apanhámos a Europa quando a política se tornou espectáculo.” (...) “Perdeu-se o sentido daquela democracia que estava na Constituição e era um grande valor para todos os que tinham vivido em ditadura e para as novas gerações: uma democracia cívica, ética e política, que conta com a participação ética do cidadão e defende não os interesses particulares, mas o bem comum. Hoje, estes novos políticos europeus que têm expressão nos Sócrates, nos Passos Coelhos, nos Seguros, pertencem a uma geração que cortou com isso. O professor Cavaco Silva está há 25 anos no poder. Quando entrou, havia dois milhões de pobres, hoje há dois milhões de pobres. Quer maior atestado de incompetência? E onde está o bem comum?
Como pode ter acontecido isto, que parece óbvio e indesmentível, em tão pouco tempo? A política como carreira e não como vocação tornou-se regra, onde as excepções têm de ser procuradas à lupa, e convém usar uma de grande ampliação...
Gente com tanto jeito para a política quanto a que eu tenho para empreiteiro de obras públicas está hoje no poder. Nada sabe daquilo nem sequer procura saber, pois o que lhe interessa é aproveitar, em benefício próprio e o mais depressa possível, as suas benesses. A preocupação do bem comum não pertence às cartilhas da moderna geração dos nossos políticos. O pior é que nenhum de nós -povo- sabe quem lhes pode (e deve!) passar os adequados atestados de incompetência. Serão as Juntas de Freguesia agora em acelerada extinção?
Voltemos da dar a palavra a Miguel Real:
Aumenta-se tudo e depois os políticos e os economistas vêm com aquele ar cândido dizer que os portugueses viveram acima das suas possibilidades e que se estamos a viver mal a culpa é nossa. Mas quem é que viveu acima das suas possibilidades? As elites e a sua incompetência é que criaram este grande desequilíbrio e projectam no povo a responsabilidade e o medo. Se há alguma coisa que quis denunciar neste livro foi justamente este embuste da actual classe política. Eles sim, demagogicamente fizeram do Estado o seu grande quintal, onde fizeram o que queriam, desprovidos de ética cívica, porque essa obrigava a ter contenção nas despesas e a não fazer promessas vãs...”
Esta é uma realidade que os políticos gostam de ignorar e que detestam ver exposta. É a eles, por demissão dos seus mais elementares deveres, que se deve o estado calamitoso a que chegámos, a eles e também à banca que eles próprios tinham obrigação de controlar e não controlaram. Esta aliança produziu a falência do Estado e dos cidadãos, devendo acrescentar-se uma terceira componente desta tríade malfeitora, algumas autarquias e os governos regionais. Portalegre é um exemplo acabado dos efeitos deletérios da má administração, desde o alheamento do poder central até à incompetência local do poder...
Instala-se deliberadamente um clima de desalento que pretende diluir a nossa capacidade de resistência. A pobreza e a miséria, crescentes, não podem ser a arma política que consiga calar a revolta, expressa pelo legítimo e constitucional direito à indignação.
Convém, nesta linha, manter o diálogo com Miguel Real.
António Martinó de Azevedo Coutinho