António Martinó de Azevedo Coutinho
UM PONTO DA SITUAÇÃO
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Nesta altura do ano, quando o país abranda a sua vida e “hiberna”, apesar da crise, será curioso tentar o estabelecimento de um certo ponto da situação quanto ao Accordo Ortographico.
Entre os finais do passado mês de Junho e os inícios deste mês de Julho surgiram na imprensa alguns sinais, contraditórios, sobre esse fenómeno.
Soube-se que um grupo qualificado de opositores enviou uma carta aberta ao Primeiro-Ministro, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros e ao Ministro da Educação. Em 10 firmes e inequívocos pontos, os subscritores alinham argumentos de peso que provam a falta de rigor e a inconveniência das novas “regras”. Afirmando que “o domínio da ortografia faz parte intrínseca da competência linguística dos falantes e que não é simples roupagem gráfica da língua”, os atentos e corajosos cidadãos pedem a suspensão imediata do Acordo.
João Roque Dias (tradutor certificado pela Associação Americana de Tradutores), António Emiliano (professor de Linguística da Universidade Nova de Lisboa e autor), Francisco Miguel Valada (intérprete de conferência junto das instituições da União Europeia) e Maria do Carmo Vieira (professora de Português e Francês e autora) - eis as personalidades que tomaram a iniciativa de dirigir a responsáveis governamentais este dramático apelo.
José Queirós, provedor do leitor no jornal Público, inseriu neste jornal (26 de Junho de 2010) um interessante texto intitulado Os leitores, o Público e o acordo ortográfico – Esta ainda não é a aldeia de Astérix. Sumariando, ele afirma claramente: “Não vejo motivo para discordar da resistência da direcção do Público à mudança ortográfica.”
Reino da insensatez é o título de um artigo subscrito pelo escritor Vasco Graça Moura na edição de 29 de Junho do Diário de Notícias. “Nesse quadro de catástrofe anunciada, é preciso afirmar mais uma vez, alto e bom som, que esta não é a altura de aplicar em Portugal uma coisa obscena chamada Acordo Ortográfico!” - se precisássemos de mais alguma prova do teor do duro e oportuno depoimento, este breve excerto seria suficiente.
Outro significativo título, antecedido de não menos esclarecedor sub-título, corresponde ao artigo assinado por António Emiliano nas páginas do Público, em 1 de Julho passado: Terá a língua menos valor, peso ou importância para Portugal e para as gerações vindouras do que um aeroporto? – O desgoverno da língua portuguesa. Meditemos no seu parágrafo final: “Registe-se que programa do Governo foi escrito em ortografia e não em ‘acordografia’, apesar de todos os correctores, vocabulários, dicionários e prontuários ‘atualizados’ disponíveis (todos ligeiramente diferentes uns dos outros, é certo). O facto é que ninguém sabe neste momento – nem pode saber, na ausência de um instrumento regulador oficial que inclua TODOS os vocábulos considerados portugueses em uso nos oito países signatários do AO – como se aplica a nova... ortografia.”
Vasco Graça Moura voltou, oportuno e acutilante como sempre, com uma espécie de “recado”: Caros Senhores da ‘troika’ Foi no Diário de Notícias do dia 6 de Julho e pode ler-se ali: “Voto no PSD e apoio o Governo. Mas leio no seu programa esta coisa de estarrecer: ‘o Governo acompanhará a adopção do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa garantindo que a sua crescente universalização constitua uma oportunidade para colocar a Língua no centro da agenda política, tanto interna como externamente.’ No centro da agenda política, eu prefiro ver o combate ao desemprego à institucionalização do desperdício... Não se podem despender exorbitâncias com o AO, enquanto o 14.º mês é onerado com mais um imposto brutal! A troika impôs a drástica redução do défice e uma racionalização de despesas que também abrange a educação. Espera-se portanto que intervenha!” Firme e lógico argumento...
Augusto M. Seabra, sociólogo, é um dos mais conhecidos e apreciados colunistas nacionais. No Expresso e no Público tem deixado algumas páginas de crítica, oportunas e certeiras. Foi precisamente num suplemento cultural deste último, o Ípsilon do dia 8 de Julho de 2011, que assinou o texto Um governante e o seu programa, dedicado à personalidade de Francisco José Viegas e às expectativas geradas quanto à pasta que este gere.
Daí foi retirado o excerto seguinte: “... mas acho sumamente lamentável a insistência no Acordo Ortográfico, que não só é uma barbaridade em termos de língua e linguística, o que tantos devidamente assinalaram, como vai ser mais um instrumento para a expansão das indústrias culturais brasileiras – e mesmo sendo conhecida a ‘brasileirofilia’ de Viegas, espanta-me que ele, sendo também editor, não saiba que já há congéneres brasileiras a adquirir os direitos universais de obras em língua portuguesa.”
Este é o ponto possível da situação, parcial, ameaçador, de baixa expectativa...
Terra de milagres, talvez seja possível admitir que uma Nossa Senhora do Bom Senso intervenha, já que Fátima, ao que julgo saber, nunca revelou grandes preocupações ortográficas, até porque os pastorinhos eram analfabetos. Quanto à Raínha Santa Isabel, também não consta que tivesse transformado pão em letras, deixando essas coisas da cultura ao cuidado do seu real esposo.
Continuarei (menos) esperançado e (mais) vigilante...
António Martinó de Azevedo Coutinho
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