António Martinó de Azevedo Coutinho
MAIS PAPISTAS QUE O PAPA
Afinal, talvez a pacífica aceitação do accordo ortographico nos colocasse na crista da onda, num destacado lugar cultural que desencadeasse mal contidas invejas por todo o mundo civilizado.
É que seríamos originais, a diversos níveis, como, por exemplo, o da ortografia oficial com mais excepções, directamente apta a ingressar nos louváveis recordes do Guiness, sem qualquer competidor à vista.
Outro aspecto, também notável e meritório, seria o de atingirmos a posição dos melhores do mundo a atropelar o passado histórico, a mandar as raízes culturais às urtigas ou a desprezar as seculares bases linguísticas. Portanto, segundo um prisma revolucionário, a nossa nova ortografia mereceria todos os cravos vermelhos do universo. Por outras palavras, ficaríamos completamente encravados.
Há uns tempos, encontrei algures uma pequena tabela, onde se compara a raíz latina de algumas palavras com os respectivos vocábulos hoje em dia usados em diversas línguas actuais, todas da zona Euro: Francês, Espanhol (Castelhano), Inglês e (até!) Alemão; depois, Português e português estropiado, vulgo “acordado”. Eis um pequeno exemplo daí devidamente adaptado:
Creio que a amostragem patente neste pequeno quadro fala como gente. Com uma insignificante excepção (bautismo, em Espanhol), em todas as línguas os grupos originais ct e pt foram rigorosamente respeitados quanto à sua origem latina. Por incrível que pareça, até em Alemão se confirmou, nalguns casos, esta regra. Nos outros, o vocábulo é totalmente distinto, devido ao respeito por outras raízes germânicas, bem diversas das latinas ou gregas.
Os especialistas que montaram a grande mistificação a que chamaram acordo ortográfico resolveram “facilmente” todas estas incongruências e as restantes contradições do sistema, através das incontáveis excepções e por meio da co-existência “pacífica” de duas normas: a lusoafricana e a brasileira. Isto é uma mentira, um embuste organizado a coberto de pseudo-razões científicas e depois sancionado por parlamentares, automaticamente dispensados de pensar pelas próprias e respectivas cabeças mas colectivamente bem adestrados no obrigatório manejo dos botões. Políticas!?
Por tudo isto, negar o burlescamente denominado acordo ortográfico não é apenas uma mera discussão linguística; é acima de tudo uma questão de honra.
Portanto, que me desculpem os bem intencionados promotores de abaixo-assinados ou subscritores de petições cívicas. Aquilo que se impõe, aquilo que se exige, com crescente convicção, é a assumida e personalizada vivência de todas as resistências possíveis, como esta, simples mas eficaz, de escrevermos em Português.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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