António Martinó de Azevedo Coutinho
4 – MAIS UMA ABSURDA PEIXEIRADA
Foi terrível o dia 7 de Maio, data de mais uma fase desta peixeirada gastronómica.
Então, 21 convidados especiais constituíram uma espécie de supremo tribunal sem recurso, cortando drasticamente cada uma das sete listas pré-seleccionadas, e resumindo a vinte e um (três vezes sete!) o universo dos pratos finalistas.
Preciso de respirar fundo, recuperar o ânimo quase perdido e deixar as emoções do lado para conseguir relatar o então sucedido.
Nem sei bem por onde começar...
Por exemplo, este nosso desgraçado Alentejo ficou reduzido à sua expressão mais ínfima. Isto parece-se singularmente com as eleições legislativas indígenas, onde nos impingem estrangeiros para nos representarem, como se não tivéssemos por cá produto capaz. Dos tais 12 pratos pré-seleccionados só um resistiu ao “vendaval”: a açorda.
Explicou o responsável máximo pela organização que o júri não está relacionado com regiões, o que me deixou na convicção de que devem ter sido contratados alguns apátridas para a função. Isto, só por si, dá a nota da qualidade do evento...
O cozido à portuguesa e o arroz de lampreia também foram à vida. Dos portuguesíssimos bacalhaus sobreviveram dois: em pastel e à Gomes de Sá.
O Algarve ficou limitado ao xarém com conquilhas, que todos reconhecem como um prato de há muito praticamente em vias de extinção. Em Portugal, este sistema é normal, sobretudo no futebol, quando são escolhidos para a Selecção Nacional jogadores que nem suplentes costumam ser nos seus clubes.
Um dos pratos que os especialistas mantiveram, com distinção e louvor, foi a sardinha assada. Sentindo-se na necessidade de explicar esta opção por um petisco de confecção tão simples, eles balizaram-se no forte peso da sua tradição popular. Com mil diabos, então como é que os caracóis, os tremoços, os tortulhos, os couratos, os torresmos e as pipocas ficaram de fora? – pergunto eu...
Mas o pendor pessoal mais dramático da implacável decisão datada de 7 de Maio residiu na exclusão, pura e simples, da encharcada de Santa Clara. Como poderá sobreviver-lhe a Feira local da Doçaria? Como poderá resistir a este injusto desprezo oficial a esforçada produção portalegrense de doçaria conventual, a melhor entre as melhores?
Nem sequer falo doutra injustiça similar que atingiu a sericaia de Elvas, igualmente da família próxima. A entrega integral da representação doceira conventual à concorrência -pastel de Belém (aqui haverá “cunha” presidencial!), pastel de Tentúgal e pudim do Abade de Priscos- é demasiado grave para que deixemos passar em claro esta ofensa gastronómica, mais uma, cometida contra o nosso espezinhado Norte Alentejano.
Aliás, as clássicas desigualdades entre o Norte e o Sul, ou entre o litoral e o interior, estão aqui bem patentes:
• 17 finalistas pertencem ao território acima do Tejo; 2 são ilhéus e, dos restantes, 1 é do Alentejo e 1 do Algarve;
• 15 finalistas tem sede no litoral; 2 ficam nas Ilhas e apenas os restantes 4 se situam no interior.
Não poderia esperar-se, portanto, uma mais perfeita reprodução do retrato sócio-económico-cultural do País real. Conclusão: nem à mesa nos safamos!
A última fase do concurso culminará em Santarém, a 7 de Setembro de 2010. Até lá, o povo é convidado a votar para eleição das 7 maravilhas da gastronomia portuguesa. Entretanto, já circula nos jornais e revistas vistosa publicidade promocional.
Mas tais alusões ficarão para o texto final desta gostosa série.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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