\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sábado, maio 14, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

2 – O TURISMO, A HISTÓRIA OU A CULTURA TÊM AS
COSTAS LARGAS...

Posso perceber alguma lógica num ou noutro dos concursos anteriores. Uma clara vertente turística, portanto económica, justifica a evidência -ainda que artificial ou forçada- concedida a um lugar, a um monumento ou a uma região, e tal objectivo poderá assim entender-se sem grande dificuldade.
No entanto, seria então desejável que os critérios fossem rigorosos, que as regras fossem límpidas e previamente aceites pelos “concorrentes”, que as fases de selecção fossem lógicas e racionais, que a escolha final fosse pautada por normas isentas e justas, que os resultados fossem depois explorados com persistência e com seriedade. Assim, tal como as coisas transparecem para a opinião pública, quase tudo se resume a mero marketing promocional, mais sujeito a certos interesses materiais particulares que aos legítimos direitos colectivos postos em causa.
Um exemplo solto poderá ajudar a perceber este imbróglio. No primeiro dos concursos indígenas, uma primeira selecção partiu dos 793 monumentos nacionais classificados pelo IPPAR, de onde peritos (!?) extraíram 77. Depois, um Conselho de Notáveis (!?) resumiu a lista anterior a 21. De notar, cabalisticamente, que 77 e 21 são múltiplos de sete...
Durante sete meses, foi realizada a votação “popular”, pela internet, pelo telefone, por sms -confesso que nem sequer sei se seriam sete os distintos meios usados- com vistas à democrática eleição dos sete monumentos preferidos pelos portugueses.
Entre os “vencedores” conta-se o Castelo de Óbidos e, dos finalistas “derrotados”, destaco o Castelo de Marvão. Com todo o respeito e admiração para com as muralhas de Óbidos, que bem conheço, creio que muito mais acertada, e prudente, teria sido a escolha da fortaleza marvanense. Por óbvios motivos, dos quais arredo a simpatia derivada da cúmplice vizinhança, facilmente se poderia antecipar que o tipo de votação processada iria necessariamente beneficiar Óbidos em desfavor de Marvão. E isto não é justo nem leal, com os dados do jogo -aparentemente imparcial- inclinados à partida num único sentido. E este é apenas um exemplo...
A posterior escolha das sete maravilhas naturais sofreu igualmente umas deslocações habilmente favorecidas pelo forte investimento insular nela aplicado. Em “natural” conclusão, o resultado de três das sete votações beneficiou a Madeira e os Açores, tendo o Continente que se sujeitar ao que restou...
Esta linha lógica justifica como legítima a exploração posterior da imagem conquistada, quer durante o processo quer, sobretudo, no retumbante espectáculo final, projectando depois nos complexos universos turísticos os resultados práticos da oportuna e custosa campanha desenvolvida. O turismo emerge, portanto, como alibi prioritário neste tipo de eventos.
Não incluo a escolha das maravilhas portuguesas no Mundo neste mesmo rol, pois a associação (ou exploração?) turística não lhes é directamente associável, na perspectiva comercial atrás encarada. Lembro-me de que uma curta mas interessante série televisiva então amplamente divulgada a tal propósito foi capaz de nos trazer uma evocação inteligente da gesta dos portugueses, de quinhentos a oitocentos, nas suas vastas deambulações pelos mundos da época. E um certo orgulho pátrio foi mesmo despertado...
Os critérios usados, embora alguns fossem discutíveis, assentaram sobretudo no valor histórico e patrimonial desses vestígios espalhados pelos cinco continentes, acontecendo até que parte dos 27 monumentos da lista inicial -sitos em 16 distintos países!- já dispunha da prévia chancela da própria UNESCO. A Índia, Marrocos, Cabo Verde, o Brasil e a República Popular da China (Macau) incluem hoje no seu território sinais da presença histórico-cultural portuguesa, datados de séculos mas doravante dotados de um autêntico certificado de (re)descoberta, subscrito por muitos de nós próprios.
Portanto, onde a “ganância” comercial não foi imediamente associável às regras do jogo, foi possível perceber um significativo interesse geral neste tipo de eventos.
António Martinó de Azevedo Coutinho