\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, março 16, 2012

António Martinó de Azevedo Coutinho

Ultimamente, tenho presenciado ao vivo alguns desafios de futebol, bastantes mais do que em média costumava frequentar. Aconteceu assim com o recente Sporting-Manchester City.
Sportinguista assumido que sou, desde sempre, cumpro afinal uma espécie de grata sina familiar que começou com o meu pai, passou por mim e pelo meu filho e já vai nos netos, todos sem excepção. Naturalmente, fiquei contente com o resultado do aludido encontro, quase uma raridade em época de tantos desconsolos acumulados. Se me atrevo agora em falar no tema, não é como provocação ao meu amigo Mário, administrador deste blog e benfiquista de gema, mas porque tal me apeteceu em função de uma Crónica de TV sobre o assunto em epígrafe.
Veio no Diário de Notícias, no passado dia 10, e foi assinada pelo jornalista Joel Neto. O seu título era desde logo apelativo: Puxando para baixo.
Vou transcrevê-la, em duas partes intercaladas pelas minhas próprias reflexões.
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Faltavam uns dez minutos para acabar o Sporting-Manchester City, transmitido pela SIC. O Sporting estava ao ataque e a bola acabara de bater pela quarta vez na mão de um jogador adversário. E, no entanto, aí continuava Paulo Garcia, o narrador: “É importante o Sporting conseguir segurar este 1-0!”, “É fundamental o Sporting conseguir preservar este resultado!”. Sim, é verdade: o City esmagara o Porto poucas semanas antes. Sim, é verdade: o Sporting podia ter sofrido golos do City, inclusive perdendo o jogo. Sim, é verdade: o orçamento do City é dez vezes ao do Sporting, as probabilidades das casas de apostas favoreciam os ingleses e até havia nas bancadas adeptos leoninos que tinham ido a Alvalade para ver sobretudo o adversário. Mas o Sporting não só estava no ataque, como ainda nem começara a retenção de bola. Ou eu nunca vi futebol na vida ou estava à procura do 2-0.
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Sim, é verdade que metade duma só perna goleadora do Wolfswinkel do princípio da época tinha resolvido a eliminatória já em Alvalade. Sim, é verdade que as vedetas do City acertaram duas vezes nos paus da baliza de Rui Patrício, mas também é verdade que as melhores e mais frequentes oportunidades de golo pertenceram aos modestos mas esforçados leões. Sim, é verdade que o mais lógico será o triunfo final do City, mas justificado por uma eventual vantagem ganha na Inglaterra, porque no seu próprio estádio o Sporting foi, objectivamente, superior.
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Pelo contrário, Paulo Garcia preferia dramatizar, avançando com a possibilidade de uma tragédia. E Nuno Luz, o repórter de pista, idem (“Se a bola fosse à baliza, Rui Patrício nem a via”, chegou a dizer). Talvez se pudesse acusá-los de recuperarem os velhos chavões do relato desportivo. Mas é mais simples do que isso. A SIC levou um guião e, apesar de os acontecimentos o terem contrariado, não conseguiram sair dele. De resto, já se sabe: o miserabilismo patriótico está em voga. Em Carnaxide e nos media em geral. Preparemo-nos: daqui até Junho, não haverá dia em que não sejamos recordados das dificuldades superlativas, mesmo insuperáveis, que Portugal terá de enfrentar no Campeonato da Europa, em que ainda por cima caiu no dito “Grupo da Morte”. Haja coração.
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Sim, é verdade, há muita gente que hoje só sabe ler pela cartilha do chefe, tipo His Master’s Voice (A Voz do seu Dono), como nos discos de vinil do antigamente...
Infelizmente, disso tivemos e continuamos a ter exemplos políticos, em todos os tempos e de todas as cores e paladares. Por que devemos surpreender-nos com estes “trocos” desportivos?
A SIC decidiu antecipadamente que o insignificante Sporting, mesmo perante adversário que displicentemente iniciou o encontro num descontraído estilo de treino ligeiro, deveria abrir respeitosas e submissas alas ao todo-poderoso City. As coisas não se passaram exactamente assim e os “sicários” não foram capazes de dar a volta ao texto prévio... Preferiram a mentira subjectiva à objectiva verdade.
Em Belém e em São Bento as coisas não são muito diversas, se atentarmos com alguma atenção nos pormenores dos respectivos relatos. Isso não é bola!? Não, que não é! Então não estamos na Liga Europa, com uma data de grupos estrangeiros a jurar-nos pela pele, com empresários “fífia” exploradores, arbitragens escandalosas, chicotadas psicológicas, clubes falidos mas a lutar bravamente para evitar a despromoção, apesar dos presidentes cometerem deslizes cada vez que abrem a boca, com corrupção a rodos, decisões judiciais atrasadas e discutíveis, mais as transferências milionárias, as promessas mirabolantes, uma imprensa sensacionalista, etc.???
E aqui não há apenas Paulos Garcias e Nunos Luzes. Há, por exemplo, Miguéis Relvas, sagassíssimos, que nos querem convencer de que excepções são adaptações... Outra vez a mentira, grosseira e descarada, lançada em público como se todos fôssemos imbecis e não entendêssemos a realidade.
Com mil diabos, não basta exigirmos que os relatadores desportivos sejam decentes e honestos. Também temos direito, constitucional, à verdade política.
É por tudo isto que só me apetece gritar como o outro: Instruam-me, porra!
António Martinó de Azevedo Coutinho