\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, julho 01, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

QUESTÕES  DE  IDENTIDADE
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O caso passou-se há uns tempos, mas a sua actualidade mantem-se. Talvez seja mais correcto falar em casos, ainda que no fundo estejam intimamente ligados. Foram seus protagonistas o Super-Homem e o presidente Barack Obama, o primeiro a negar a sua nacionalidade e o segundo a confirmá-la.
Vamos por partes.
O Super-Homem, extra-terrestre natural do planeta Krypton, “aterrou” no nosso globo no já distante ano de 1938. Dispenso-me de aqui relatar exaustivamente os pormenores da infância do super-herói, resumindo-os à sua adopção por um casal de fazendeiros do Kansas, os Kent. Assim, o pequeno Ka-El, kryptoniano de nascimento, tornou-se Clark Kent, cidadão norte-americano de pleno direito. Depois, também todos sabemos (através da banda desenhada ou do cinema) que os poderes sobrenaturais derivados da sua alienígena origem o transformaram numa espécie de “bombeiro de turno”, sempre pronto a intervir em todas as transgressões da lei e da ordem, resolvendo-as sempre em favor dessa lei e dessa ordem... desde que norte-americanas. O facto de se “enconder” sob a personalidade timorata dum vulgar jornalista não ilude os seus fãs, que tudo conhecem sobre as suas verdadeiras origem e crónica. Portanto, sobre o Super-Homem, não existem quaisquer confusões de identidade.
Quanto a Barack Obama, as coisas parece não terem sido tão límpidas nem tão inequívocas. Pelo menos, foram recentemente postas em causa as suas autênticas origens, sobretudo quanto ao exacto local de nascimento. Também são conhecidas as razões, sobretudo conspirativas, dessas recentes acusações, insinuando-se que ele nascera no Kénia, provavelmente local bem mais distante do americano Kansas que o próprio planeta Krypton...
Posta em causa, desta forma quase “kafkiana”, a legitimidade constitucional da sua presidência, Obama viu-se forçado a exibir publicamente em finais de Abril de 2011 a própria certidão de nascimento, autenticada, por onde oficialmente ficou provado que nascera em Honolulu, no Hawai (portanto território norte-americano), no dia 4 de Agosto de 1961, pelas 19h24, hora local...
Intérpretes privilegiados e fiéis da american way of life, tanto Obama como o Super-Homem tornaram-se símbolos e imagens dos USA.
Quase coincidente com o episódio (real) da recente campanha anti-presidencial, o outro herói viveu um turbulento e grave capítulo (virtual) da sua vida pública. Foi este relato divulgado na revista Action Comics n.º 900, também em finais deste Abril. Aí, na aventura The Incident, o Super-Homem voou até Teerão onde participou, pacífica e solidariamente, numa manifestação pública de iranianos, na Praça de Azadi, contra o presidente Mahmoud Ahmadinejad. O pior aconteceu no regresso à “pátria”, durante um forçado encontro com Gabriel Wright, conselheiro da segurança nacional, onde foi confrontado com a acusação de ter causado, com a sua atitude, um grave incidente diplomático: o governo iraniano entendera que o Super-Homem tinha agido em nome do próprio presidente dos USA, considerando tal intervenção como um acto bélico.
Resumindo o crispado diálogo a seguir travado, aconteceu uma dura e firme reacção do herói, ao declarar que iria no dia seguinte à ONU, para informar esta organização da sua renúncia à cidadania norte-americana. É que -e continuo a citar o Super-Homem- ele estava farto de que todas as suas acções fossem interpretadas como instrumentos da política dos Estados Unidos. E, perante o espanto do agente governamental, continuou, dizendo que a verdade, a justiça e o modo de vida americano já não bastavam, porque o mundo era hoje mais pequeno, com a globalização... Terminou o seu duro testemunho, curiosamente lembrando que, como natural de outros mundos, era um extra-terrestre, estando no planeta Terra para defender e proteger toda a Humanidade...
Foi imediata e quase instintiva a reacção da opinião pública norte-americana, entre a profunda tristeza e a mais furiosa revolta. Um influente editorialista, Jonathan Last (The Weekly Standard), declarou: “Se o Super-Homem já não acredita na América, então ele não acredita em nada!
Em inúmeros blogs, foi defendida a deportação do herói para o seu planeta de origem e começou mesmo a circular um abaixo-assinado destinado a forçar os editores e autores da revista a retratar-se. Alguns comentadores viram neste episódio a prova definitiva da decadência do país mais poderoso da Terra...
Estivemos no mundo fascinante da ficção, o do Super-Homem. Coincidente com este há o mundo real, o de Barack Obama. E o Prémio Nobel da Paz, um reconhecido admirador do Homem-Aranha, resolveu rapidamente a nascente crise cultural e ideológica, restabelecendo nos concidadãos o seu violentado amor-próprio: quase de imediato, no início de Maio de 2011, liquidou o sinistro arqui-inimigo número um dos Estados Unidos e de todo o Mundo, o super-terrorista Bin Laden.
E, para realizar tal proeza, não precisou da intervenção de qualquer super-herói alienígena, dotado de mágicos poderes.
Barack Obama confirmou assim a sua indiscutível cidadania norte-americana; até ao momento, ainda não constou que o Super-Homem se tivesse apresentado na ONU para ratificar a prometida renúncia. Questões, afinal, de identidade.
António Martinó de Azevedo Coutinho