António Martinó de Azevedo Coutinho
Num aviso prévio, quero desde já declarar que este texto não contém nenhuma opinião pessoal, nem se dirige a nenhum político em especial. Apenas aqui pretendo fazer uma breve alusão a alguns escritos avulsos sobre o título acima composto, entre uma conhecida personagem de Walt Disney que a tradição consagrou e a capa de um pequeno opúsculo atribuído ao imortal autor de Gulliver, Jonathan Swift.
Na linha atrás enunciada, poderia transcrever um célebre dito atribuído a Eça de Queirós, que terá um dia escrito que “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”. Mas quero honestamente confessar, a este propósito, que não sou conhecedor bastante da vasta obra do autor para ter conseguido aí situar, com inequívoca paternidade, esta curiosa frase. Prefiro-lhe uma outra, anónima e complementar, que diz: “Em tempos de crise, não se mudam fraldas; tapa-se o nariz.”
Poderia também aqui trazer Maquiavel e O Príncipe, mas a verdade é que, nisto da mentira, Swift (ou alguém por ele) parece-me um mais directo e competente especialista.
Vamos ao que interessa, precisamente ao pequeno opúsculo Arte da Mentira Política que terá sido publicado na cidade de Amsterdão, em 1733, por um ilustre desconhecido, chamado John Arbuthnot, médico da raínha Ana da Inglaterra, em nome do seu amigo Jonathan. Portanto, em termos de autenticidade, encontramos logo aqui a primeira contradição. A seguinte consiste no facto de o opúsculo se limitar a um mero panfleto publicitário, onde se anuncia o lançamento da obra em epígrafe, em sucessivos tomos entregues, por assinatura, aos prévios subscritores. E não consta, que tenha ficado registada, qualquer edição posterior...
Portanto, antes de relatar a arte da mentira política, o texto assume-se desde logo como aquilo a que hoje, quase três séculos depois, chamaríamos publicidade enganosa.
Mesmo assim, naquilo que sumariamente descreve, revela-se prometedor.
Tanto Swift como Arbuthnot, em parceria de amigos e estudiosos, terão encontrado, logo nos inícios do século XVIII, alguns sintomas de embuste público na linguagem política dos Estados e dos Partidos, apta ao consumo das massas eleitoras. É claro que, hoje, os progressos desta linguagem ganharam uma enorme amplificação potenciada pelos meios tecnológicos e pelo marketing nela aplicado.
Mas na terceira década do século XVIII, vinte e poucos anos antes do grande terramoto que arrasaria Lisboa, a análise filosófica do discurso político da época detectou-lhe alguns curiosos princípios.
Transcrevo: “A mentira política é a Arte de convencer o povo, a arte de lhe fazer crer em falsidades salutares, e isso com determinado bom fim. Chama-lhe Arte por mor de distingui-la da acção de dizer a verdade, para a qual, segundo parece, não é necessária arte nenhuma.” (...) “A palavra bom para ele (o Autor) não significa aquilo que for absoluta e essencialmente bom, mas sim o que como tal pareça ao Artista, ou seja, àquele que faça profissão da arte da mentira política; sendo isso, para o dito Artista, fundamento bastante para agir com nexo.” (...) “Tenha-se pois em conta o povo dever esperar dos vizinhos que lhe digam a verdade em seus assuntos particulares; que cada qual também tem direito à verdade económica, podendo pois exigir que os parentes lhe contem a verdade para não ser enganado pela mulher, pelos filhos ou pelos criados; mas que à verdade política não tem ele direito algum, não tendo o povo direito a que lhe digam a verdade em matéria de governo, tal como não tem o direito a possuir grandes fortunas, terras ou casas senhoriais.” (...) “Adverte o Autor todos os Práticos para que tenham cautela com os preceitos por ele fornecidos e à risca os sigam, pois, segundo afirma, foi por desconhecerem ou não praticarem tais regras que desde há alguns anos vários dos embustes destes Práticos fracassaram, não podendo subsistir por muito tempo.” (...) “Os bons Artistas, ou seja, os Grandes Figurões da Sociedade, os mais hábeis na arte da mentira, nisso semelhantes aos que constroem casa com base em contrato de curta duração, sabem calcular com tanta segurança o tempo de vigência de uma dada mentira que esta responde na perfeição aos seus desígnios, só a mantendo quanto for preciso para surtir efeito.” (...) “As mentiras de promessas que fazem os grão-senhores, os ricos e poderosos, os que estão no poder, conhecem-se do seguinte jeito; põem-vos a mão no ombro, dão-vos grandes abraços, sorriem, curvam-se até ao saudar-vos; tudo isto são outros tantos sinais que deverão indicar-vos estarem eles a iludir-vos. Do mesmo modo podereis reconhecer as suas mentiras factuais, graças às desmedidas juras que vos hão-de fazer em várias ocasiões.”
Estas breves e parcelares transcrições serão bastantes para que se possa fazer deste opúsculo uma também breve e parcelar opinião. Espero, pois, que daqui possa resultar a apetência da sua leitura integral.
E repito as advertências iniciais, acrescentando-lhe um aviso complementar, o de que qualquer semelhança entre o conteúdo do texto, velho de séculos, e a recente realidade envolvente, quer no país quer na cidade, será uma mera coincidência.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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