António Martinó de Azevedo Coutinho
“O Acordo Ortográfico foi apresentado como ‘um instrumento essencial para a unidade da língua portuguesa e para o seu reconhecimento internacional’ (CPLP dixit). No entanto, para além das manifestações de analfabetismo que encoraja a seu pretexto (há quem tire consoantes de palavras que não as dispensam), é curioso ver como nem o Estado lhe dá muito valor. As traduções dos memorandos da troika disponibilizadas pelo Ministério das Finanças não seguiram as imposições do Acordo Ortográfico e, na campanha, nenhum partido fez dele uso nos programas eleitorais. Ou seja, escreveram ‘vectores’ e não ‘vetores’, ‘actividades’ e não ‘atividades’, ‘actual’ e não ‘atual’, ‘objectivo’ e não ‘objetivo’, ‘sectores’ e não ‘setores’, ‘directo’ e não ‘direto’, ‘trajectória’ e não ‘trajetória’, ‘optimista’ e não ‘otimista’, ‘tecto’ e não ‘teto’, ‘directiva’ e não ‘diretiva’, ‘selecção’ e não ‘seleção’, ‘acção’ e não ‘ação’. O PÚBLICO, que desde o início se opõe ao Acordo, espera que tal ‘desistência’ signifique o seu corajoso abandono, a bem da língua portuguesa e da sua saudável diversidade internacional.”
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Foi assim, sob o título Um Acordo Inútil (também transcrito, com a devida vénia) que o jornal Público preenchia parte do Editorial, na sua edição de Sábado, 4 de Junho de 2011, quando todo o País guardava um prudente silêncio apto à reflexão eleitoral.
Foi assim, sob o título Um Acordo Inútil (também transcrito, com a devida vénia) que o jornal Público preenchia parte do Editorial, na sua edição de Sábado, 4 de Junho de 2011, quando todo o País guardava um prudente silêncio apto à reflexão eleitoral.
Agora, passado tão cívico acto, parece uma boa altura para sugerir aos novos detentores do Poder que assumam, de facto, uma posição inequívoca.
Bem sei, sabemos todos, que os acordos são para cumprir. Mas, como até em relação ao que nos liga, pela troika, aos nossos financiadores, se admite já uma renegociação, por que não fazer o mesmo com aquele que nos obrigaria a uma vergonhosa e imbecil abdicação de um dos nossos mais valiosos patrimónios: a Língua?
O exemplo que o Público denuncia com coragem e rara oportunidade é bem revelador do desprezo, oficial, em que são tidas as imposições, absurdas, do acordo ortográfico. Se as decisivas traduções do memorando ou os recentes programas eleitorais dos partidos políticos ignoraram (e bem!) as “novas” palavras, amputadas e defeituosas, não pode ter sido uma mera distracção a causa fundamental destas coincidentes demonstrações verbais, por escrito. Passamos perfeitamente sem essas pedantes exibições de novo-riquismo literário, apenas aptas a criar mais confusões entre alguns dos cidadãos que não dominam minimamente os mecanismos da leitura e da escrita.
Se li bem, creio ter sido o PS -aliás principal responsável pelo acordo ortográfico- o único partido que declarou ser necessário promover a nossa identidade cultural, consolidando a sua aplicação no mundo de expressão portuguesa. Porém utilizou, sistematicamente, a escrita antiga!!!
O PSD explicitou a promoção de novas formas de apoiar o ensino do Português como língua materna, mas escreveu sempre à antiga moda!!!
Quanto ao CDS, que citou por diversas vezes a nossa língua no seu programa, até lembrando que ela é um factor de afirmação de Portugal, usou inequivocamente o idioma antigo!!!
Tanto o BE, que nada de específico disse sobre o tema em apreço, como a CDU (PCP), que apontou a necessidade de promover a expansão e qualificação do ensino das Língua e Cultura nacionais, tanto um como outra escreveram em português “fora-da-lei”, isto é, à “antiga portuguesa”...
Não ficaremos certamente por aqui. Vai-se aliás notando uma crescente frequência nas notas, deliberadas, que acompanham textos publicados em jornais, em blogs, em revistas e, até, em livros, alertando para o facto, assumido, de ser ali usada a ortografia antiga... Este desafio -enquanto clara e explícita rejeição das novas regras- significa uma tomada de posição consciente e combativa contra a violência cultural representada pelo acordo ortográfico.
Confesso que disponho de certa curiosidade em relação ao próximo ano lectivo, sobretudo em certos níveis da escolaridade, onde acontecerá a particularidade de coexistirem manuais impressos nas duas variantes: em língua antiga e em língua moderna, ou em Português e em Novilíngua...
António Martinó de Azevedo Coutinho
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