\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

segunda-feira, junho 06, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

Todos os que gostamos de cinema ainda nos lembraremos, provavelmente, dum daqueles filmes cujo título prometeu muito mais do que depois revelaria. Falo de Sexo, Mentiras e Vídeo, obra de 1989, escrita e realizada pelo norte-americano Steven Soderbergh, com Andie MacDowell, James Spader e Peter Gallagher, entre outros protagonistas. Mas o título deste texto nada tem a ver com o do filme.
O que tomei como referência foi o vídeo, muito mais recente, menos erótico e bem mais violento, que tem provocado tanta e tanta polémica e também inflamadas opiniões a favor e contra as decisões judiciais tomadas em relação aos jovens agressores envolvidos, assim como ao “neutral” realizador...
E o que agora me motivou foi um outro caso, entre nós infelizmente não tão mediático como aquele. No entanto, certamente, mereceria um idêntico ou superior destaque. Trata-se, por igual, duma situação de extrema violência, de uma realidade captada sem montagens nem retoques e dum registo que correu e corre o Mundo.
Aconteceu apenas há dias, na cidade mexicana de Monterrey. A quotidiana normalidade dum jardim de infância foi subitamente perturbada por um intenso tiroteio travado entre dois bandos de narcotraficantes rivais, tendo como cenário a rua ali ao lado e o próprio jardim da escolinha. A jovem educadora, Martha Rivera Alanis, ordenou de imediato aos seus pequenos pupilos, de 4 anos de idade, que se deitassem no solo da sua sala de aulas. E manteve como eles um tranquilo e seguro diálogo.
Quando uma das crianças perguntou a Martha o que era aquele barulho -o tiroteio intensificava-se!- esta respondeu que nada estava a acontecer. E logo propôs à turma que cantassem, todos juntos, uma canção popular, enquanto registava toda a cena e o diálogo, através do seu telemóvel.
As crianças continuaram tranquilas, contagiadas pela sua professora, que permanentemente lhes recomendava que se mantivessem bem coladas ao chão. E a canção sugeria -tal como Martha logo recomendou- que todos ficassem de bocas bem abertas e viradas para cima, para aparar as gotinhas de chocolate que caíam do tecto...
Entretanto, logo ali ao lado, o tiroteio findaria com cinco mortos e uns quantos feridos...
O resto da história é simples. Um amigo da educadora, ao ver o registo, logo desenvolveu diligências para que ele fosse divulgado no YouTube, apesar da resistência da autora. O amigo obteve uma autorização assinada pelos pais das crianças e logo Martha foi conhecida, e reconhecida, como uma autêntica heroína local. As autoridades decidiram homenageá-la e o próprio governador do Estado de Nuevo León, Rodrigo Medina, convocou-a e entregou-lhe uma distinção pública, em reconhecimento pela sua lúcida coragem cívica e pelo seu competente profissionalismo.
Mantendo a sua coerência e simplicidade, a educadora explicou que sentira imenso medo e apenas tinha encontrado na presença das crianças a motivação para a sua força e segurança. E justificou, de forma transparente e lógica, a razão pela qual tinha filmado a cena. Martha Alanis lembrou um programa gerido pelo seu jardim de infância, denominado dos 3 ESSES: Escola Saudável, Escola Sustentável e Escola Segura. Ora ela era precisamente a docente responsável pela Escola Segura e, como os seus superiores estavam sempre a pedir provas do que a propósito acontecia e do que nesse sector se passava, entendeu que aquela era uma excelente oportunidade para responder com rigor a tais exigências...
Confrontem-se estes argumentos com os patentes no também recente e lamentável “exemplo” nacional e, sobretudo, comparem-se as suas tonalidades globais, entre a mais detestável e a mais louvável.
E, no entanto, ambos os casos cabem, por inteiro, no mesmo capítulo comunicacional: violência, verdades e vídeo.
Não seria bom, útil, pedagógico e até reconfortante conceder ao caso mexicano uma parcela da ostensiva divulgação mais os exagerados rios de tinta que o caso português tem feito derramar?
  Pelo menos aqui, nest’A Voz Portalegrense, que não pequemos por omissão, que não nos envergonhemos de louvar os valores ainda sobreviventes...
António Martinó de Azevedo Coutinho
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