António Martinó de Azevedo Coutinho
OH MINHA PÁTRIA TÃO BELA E PERDIDA
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Riccardo Muti é um dos mais prestigiados maestros de todos os tempos. Italiano, natural de Nápoles onde nasceu em 1941, dirige actualmente a Orquestra Sinfónica de Chicago, depois de ter sido titular de alguns dos melhores conjuntos similares em todo o mundo, de Milão a Berlim, de Viena a Munique, de Filadélfia a Londres, Nova Iorque ou Salzburgo. Sob a sua direcção, cantaram Montserrat Caballé, Plácido Domingo e muitos outros “monstros” da ópera contemporânea.
Distinguido e até doutorado honoris causa um pouco por todo o mundo culto, laureado com os prémios mais relevantes -o último dos quais foi o Príncipe das Astúrias 2011-, o maestro Riccardo Muti é conhecido pela coragem, lucidez e desassombro de algumas das suas tomadas públicas de posição cívica e política, ainda que por vezes polémicas.
Entre as suas reconhecidas excelências, uma destas considera-o um dos mais eficazes intérpretes da música de Giuseppe Verdi, de quem, aliás, Muti se declara grande admirador. Um dos episódios mais interessantes da vida social do maestro diz precisamente respeito a uma ária da ópera Nabucco, de Verdi: Va Pensiero (Vai pensamento), mais conhecida pelo Coro dos Escravos.
Aconteceu em meados de 2001, quando na Itália se discutia a possível mudança do hino nacional do país. Riccardo Muti, que ao tempo era o director musical do Teatro Scala de Milão, atacou violentamente a ária Va Pensiero, uma das mais inspiradas criações de Verdi, defendendo a manutenção da marcha Fratelli d’Italia, composta em 1847 pelo quase ignorado poeta Goffredo Mameli.
E Riccardo Muti disse expressamente: “Não compreendo por que um país como a Itália, que não se preocupa em resolver os mais sérios problemas da música, perde tempo a discutir se o seu hino nacional é bonito ou feio, se deve ou não ser mudado. Nesta altura, a substituição de Fratelli d’Italia representaria uma afronta a todas as pessoas que durante dezenas de anos acreditaram nesse hino. Seria um desrespeito àqueles que até mesmo morreram pelo país.” E acrescentou que, embora o hino de Mameli tivesse versos quase incompreensíveis e quilométricos que poucos compatriotas conseguiam cantar, ele faz parte do DNA de todos os italianos.
E concluiu a sua intervenção: “Va Pensiero é uma página maravilhosa do Nabucco, cantada gravemente e em voz baixa por um povo no exílio, choroso e sem esperança. Os hinos, em geral, são geradores de esperança e de confiança, devem ser exaltantes. (...) E como os jogadores de futebol devem conhecer e saber cantar as letras dos hinos, o presidente da República tem razão quando diz que é muito bonito ver e ouvir os nossos atletas cantarem o nosso hino. Mas já imaginaram o que aconteceria aos nossos jogadores, alinhados, cantando em voz baixa o Va Pensiero? Já imaginaram o que poderia acontecer depois de o árbitro apitar para o início da partida e ninguém se mexer? Já imaginaram a tragédia que seria perder uma partida antes mesmo de ela começar, por causa do hino de um povo que canta, quase sussurrando, a sua tristeza e falta de esperança por viver exilado?”
A genial ária Va Pensiero tem, no entanto, uma história que justificava a recente discussão. Composta por em 1842 por Giuseppe Verdi, a ópera Nabucco, que narra a saga dos judeus no seu cativeiro em Babilónia, é hoje entendida como um poderoso instrumento que então despertou a consciência nacional dos italianos, dominados pelo poder dos Bourbons, dos austríacos e dos próprios Estados Papais, onde Roma se incluía. Tornado numa espécie de hino patriótico do movimento libertador Rissorgimento e numa expressão simbólica do nacionalismo, Va Pensiero foi como tal cantado durante esse período histórico da unificação da Itália, culminado em 1861.
Houve um pequeno incidente, embora de sinal positivo, durante uma sessão da ópera Nabucco, quando Muti a dirigia no Scala, em 1986. O público, entusiasmado, aplaudiu em delírio a interpretação de Va Pensiero, exigindo um “encore”... O maestro, relutante, repetiu a ária mas fez sentir a sua clara oposição a tal cedência, ao afirmar que a ópera deve ir do começo ao fim, apenas se admitindo uma interrupção quando motivada por um muito especial significado...
António Martinó de Azevedo Coutinho
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