\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

terça-feira, janeiro 18, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

Esta tragédia prometida em que se transformou a iminente morte anunciada do Ramal de Cáceres merece uma saída com maior dignidade. E esta passa, necessariamente, pela nossa vontade.
Retomando o artigo alusivo de Marisa Soares, divulgado na tal edição do domingo, 2 de Janeiro de 2011, no jornal Público, dele se transcreve outra curta passagem: “A CP divorciou-se das pessoas do interior, critica Victor Frutuoso. O autarca de Marvão não foi contactado pela CP para falar sobre o encerramento da linha, uma decisão que considera inadmissível. Ao fim de 30 anos de má gestão, a empresa apresenta uma não saída, que é fechar, critica, recordando algumas promessas não cumpridas: Disseram que iam promover o comboio turístico Marvão Aventura, criaram expectativas e até hoje não vi nada.”
Uma rápida pesquisa na NET dá-nos conta de algumas datas marcantes relacionadas com o Ramal, mostrando, de forma quase surpreendente, como eram bastante mais céleres e eficazes as diligências de então quando confrontadas com as pesadas burocracias de agora. Entre Abril e Agosto de 1877, foi publicado o decreto que autorizou a construção e exploração da linha, autorizada a emissão de obrigações destinadas ao seu financiamento e assinado o acordo internacional que permitiria o seu prolongamento até Valência de Alcântara/Cáceres.
O início da construção terá acontecido a 15 de Julho de 1878 e, menos de dois anos depois (D. João da Câmara devia ser, de facto, um engenheiro competente!), a 7 de Fevereiro de 1880, seria inaugurado o Ramal (entre Torre das Vargens e Beirã/Marvão), o qual abriria à exploração pública no dia 6 de Junho desse ano.
Os espanhóis demorariam mais algum tempo a concluir a ligação entre Valência de Alcântara e Madrid, que apenas seria explorada a partir de Outubro de 1881.
Esta ligação directa entre as duas capitais peninsulares constituiu um melhoramento de grande significado para as relações entre Portugal e Espanha, justificativo da presença conjunta dos reis D. Luís I e D. Afonso XII em Valência de Alcântara, no dia 8 de Outubro de 1881.
Dos nossos tempos, até mesmo como utentes, muitos de nós nos lembraremos do Lusitânia Expresso ou do Thalgo. Em meados de 1995, surgiria o Lusitânia Comboio Hotel que desapareceu pelos princípios de 2008...
O putativo TGV, quando e se algum dia se fizer, não fará esquecer a ligação, talvez um pouco incómoda mas inegavelmente romântica, associada ao saudoso Lusitânia Expresso, o original, rasgando a noite a caminho de Atocha.
Porém, não poderemos viver agora da saudade e, muito menos, de romantismos...
Em 2008, no dia 14 de Junho, aconteceu em Santo António das Areias um sinal colectivo de saudável inconformismo perante as preocupantes ameaças à desactivação do Ramal de Cáceres. O pretexto próximo foi uma homenagem a D. João da Câmara, ferroviário e dramaturgo, responsável pela construção do Ramal e pela peça Os Velhos. A organização pertenceu à Casa do Povo local e ao Clube dos Entusiastas do Caminho de Ferro, com o apoio da Câmara Municipal de Marvão, das Juntas de Freguesia da Beirã e de Santo António das Areias e do GAFNA, Grupo de Amigos da Ferrovia Norte Alentejana. Uma exposição pública e uma palestra preencheram um programa digno, cujo ponto de honra foi protagonizado pelo fadista D. Vicente da Câmara, bisneto do homenageado.
Uma parceria lógica e uma motivação oportuna - parece ser este o mais óbvio comentário a tal realização.
O turismo ferroviário inserido num “pacote” de excepção (Marvão Aventura!?) que junte um percurso dotado de paisagens com invulgar beleza, estações de inegável valor estético e histórico (como Castelo de Vide e Beirã/Marvão), produtos culturais complementares, das panorâmicas à arqueologia megalítica, romana e até industrial, da presença judaica à mourisca, da gastronomia à museologia, da monumentalidade civil e religiosa à activa prática desportiva, com escaladas, pescarias, cinegética, caminhadas, BTT, orientação, vela, natação, etc., tudo servido por um parque hoteleiro de razoável dimensão e qualidade, enfim, este conjunto integrado constitui um sólido trunfo que valerá a pena jogar com inteligência e realismo. D. João da Câmara, sendo ele próprio uma digna atracção a explorar, parece constituir uma espécie de imagem global de marca com inegável força aglutinadora.
A partir da parceria atrás enunciada, é preciso encontrar agora os aliados certos e seguros. Existe já um projecto similar que não funciona. Urge por isso dar-lhe a volta, operacionalizá-lo e torná-lo rentável.
Sonho? Talvez. Mas não é assim que o Mundo pula e avança, como um dia nos garantiu um Poeta, nunca desmentido?
Por mim, uma só costela minhota não me proporciona força genética suficiente para encarnar o indomável espírito de uma qualquer Maria da Fonte. Aliás, se aqui estivesse a proclamar publicamente um protesto assente em carris arrancados, pedradas avulsas ou pneus incendiados, poderia ser acusado de incitamento à violência. Pelo contrário, disponibilizo-me para integrar uma manifestação colectiva, espécie de peregrinação a Bem da Nação, folclórica e pacífica qb, com cartazes pintados e estribilhos cantados a plenos pulmões, junto a São Bento e a Belém, onde iríamos agradecer aos senhores presidente do Conselho e venerando chefe do Estado todas as benesses que nós, os do Norte Alentejano, deles temos recebido e/ou receberemos.
Abundantes e certeiras, como no exemplo anexo.
(... e pouca-terra, pouca-terra, até ao próximo apeadeiro)
António Martinó de Azevedo Coutinho


O vídeo de hoje é o penúltimo da série disponível no YouTube. Desta vez, compõe-se sobretudo do testemunho de um dos últimos chefes da estação ferroviária da Beirã, que ali prestou serviço entre 1975 e 1988. Ele recorda a intensa vida desses tempos, tanto no que respeita aos passageiros como ao movimento de mercadorias. Alguns pormenores interessantes ressaltam das evocações do antigo chefe da estação, que vale a pena escutar com a devida atenção, pois nos ajudam a perceber o passado recente daquela via ferroviária.