\ A VOZ PORTALEGRENSE: Mário Silva Freire

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Mário Silva Freire

CRÓNICAS DE EDUCAÇÃO - XXXI

O ensino é uma profissão de care?

Em Abril passado, Martine Aubry, líder do Partido Socialista Francês, numa entrevista, lançou um apelo “a uma sociedade do bem-estar e do respeito e que prepare o futuro”, atacando “o materialismo e o tudo-ter”. No mês seguinte, no Le Monde, retomou o tema com um artigo intitulado “A sociedade do care”, inspirando-se na obra de Joan Tronto (1993), Um mundo vulnerável, para uma política do care. Com aquele artigo, desencadeia-se na sociedade francesa um intenso debate, em várias frentes. Ora o vocábulo inglês care, por alguns considerado intraduzível, assume várias significações.
Assim, de acordo com Tronto, haveria quatro fases no desenvolvimento do care. A primeira teria a ver com o reconhecimento da necessidade, a da preocupação por alguém que tem carências (caring of). A segunda fase seria a da responsabilidade (taking care of), pela qual se assume que se pode dar uma resposta específica a uma necessidade. A terceira fase seria a da competência (care giving). Esta fase seria de primordial importância visto que as melhores intenções e a dedicação mais sincera podem não ser suficientes para garantir a resposta à necessidade, de maneira adequada. A última fase (care receiving), a da recepção, consistiria em saber se houve uma resposta apropriada às necessidades identificadas, tendo em consideração as etapas anteriores.
Mostrou-se, nos diferentes debates havidos, que deveria existir um care no ensino. Tentando uma transposição, de carácter pessoal, destas fases para o ensino, diria que:
A primeira fase teria a ver com a identificação das necessidades que os alunos evidenciariam, muito especialmente as de natureza cognitiva e afectiva. Como identificar essas necessidades? Bem, através da observação, de testes diagnósticos, da análise do percurso escolar, de informações a partir da família…
Na segunda fase teriam que ser inventariados todos os instrumentos, métodos e processos capazes de darem resposta às necessidades identificadas na primeira fase e a responsabilização por parte do professor, assumindo que vai dar (ou, pelo menos, empenhadamente, tentar) uma resposta específica a essas necessidades.
Na terceira fase seria feita a aplicação dos diferentes instrumentos, métodos e processos inventariados. Por exemplo, o trabalho individual, alternando com o trabalho em pequeno grupo ou com o trabalho em classe; a utilização de métodos experimentais, participativos, activos, visitas de estudo, relatórios, trabalho de projecto mas, também, de explanação teórica por parte do professor...
Finalmente, a quarta fase corresponderia à avaliação dos alunos, isto é, saber até que ponto as fases anteriores contribuíram para que os alunos tivessem podido dar as respostas adequadas às necessidades previamente identificadas.
Será que a aplicação da concepção do care ao ensino traz algo de novo? Julgo que a ênfase nas necessidades dos alunos, na sua identificação precisa, na responsabilização do professor nas respostas que pretende dar, a par da aplicação das diferentes técnicas e meios utilizados para saber dos resultados obtidos, podem contribuir significativamente para a mudança que se deseja no ensino. Para isso, há que alterar radicalmente o modo de trabalhar do professor, essencialmente individualista, passando a ser um elemento de um grupo que, com os colegas de turma, por exemplo, e outros técnicos de educação, procure encontrar as melhores soluções para as necessidades identificadas. E, talvez, não seja necessário gastar mais dinheiro para assim se trabalhar!
Mário Freire