António Martinó de Azevedo Coutinho
PATRIMÓNIO, CULTURA E CIDADANIA
III - ... E O RESTO
Aproxima-se o 25 de Abril. Que se saiba, e faltam escassos dias para a data, a autarquia portalegrense dedicar-lhe-á apenas uma mera cerimónia protocolar de circunstância. No próximo mês chegará mais um Dia do Concelho e talvez só um improvável milagre possa “ressuscitar” uma comemoração festiva popular e autêntica, assente nas nossas tradições, na nossa cultura, nos nossos usos e costumes lagóias... E, quanto ao Centenário da República, além da meritória iniciativa do Instituto Politécnico, a autarquia prevê algo? Talvez o hastear da bandeira, a 5 de Outubro...
Naturalmente, não cedo à tentação fácil de assentar sobre os ombros dos actuais autarcas toda a responsabilidade daquilo que perdemos ao longo das últimas décadas. Mas tenho o direito de perguntar o que fazem, ou pensam fazer, tendo em vista a sua recuperação. Posso alinhar algumas perguntas incómodas sobre a dinamização dos jardins -recreativa, cultural, desportiva, musical, lúdica-, sobre a reactivação de recentes (e saudosas) iniciativas do tipo “Quintas nos Claustros”, sobre a “ressurreição” de antigas práticas locais, como a da segunda-feira após a Páscoa, ou de inesquecíveis romarias populares como a Festa dos Aventais.
Posso perguntar, em suma, se os responsáveis pelos nossos destinos como comunidade estão disponíveis para travarem a queda vertiginosa da nossa terra para a mais absoluta desertificação cultural, fase que inevitavelmente se seguirá ao actual estado de obsessiva depressão onde já mergulhámos...
Não exagero. E não me venham falar na crise, como se tudo devêssemos entregar, sem luta, aos cómodos estribilhos em voga. Naturalmente, ninguém ignora que os sucessivos erros e exageros locais de gestão esgotaram os recursos disponíveis. Restam, no entanto, a inteligência, a vontade criativa e o bom senso, certamente ainda não de todo esquecidos.
Com mil diabos, somos (ainda!?) uma cidade capital de distrito. Podemos consentir que muitas outras cidades, de menor destaque, nos dêem lições, magistrais lições, neste campo, sem nos envergonharmos?
Porque os exemplos falam como gente, tornando-se modernas parábolas para imitar (por que não?), meditemos num. Colhi-o ao acaso, na última paragem em trânsito por ali habitual, na quase vizinha cidade de Torres Novas. De realçar, a propósito, que esta foi “promovida” há 25 incompletos anos e que nós somos cidade há quase meio milénio...
O folheto desdobrável que se reproduz a seguir merece ser lido. Revela o programa cultural dos meses de Março e Abril, assente -apenas- em estruturas municipais torrejanas: duas Bibliotecas, um Arquivo e um Museu.
Tudo, ou quase tudo, por ali passa: as escolas e outras instituições locais, a leitura, o teatro, as imagens, o cinema, as lendas, a história, a culinária, a pintura, o património, a arqueologia, a música, o folclore, a biodiversidade (Ano Internacional), as efemérides locais (500 Anos do Foral Manuelino), as nacionais (o Dia da Liberdade, os 200 Anos de Alexandre Herculano) e as internacionais (Dia Mundial do Livro, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, Dia Mundial da Poesia, Ano Europeu contra a Pobreza, os Direitos Humanos), a evocação de torrejanos ilustres (a actriz Virgínia, Gustavo Pinto Lopes), a edição e/ou lançamento de obras de autores locais (Hugo Santos, João Carlos Lopes), a visita de convidados de destaque (Joana Amaral Dias, Né Ladeiras), exposições/homenagem (Vasco Granja, Ana Correia), a Páscoa, visitas guiadas, conversas “de café”, oficinas de escrita criativa, etc.
E passam por ali as pedras, as pessoas, as memórias e todo o resto, em louvor e orgunho de se ser torrejano.
Enfim, leia-se e medite-se no exemplo anexo e comparem-se os seus concretos conteúdos com a desoladora mediocridade local.
Portalegre, definitivamente, merecia melhor, muito melhor...
António Martinó de Azevedo Coutinho
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