António Martinó de Azevedo Coutinho
PATRIMÓNIO, CULTURA E CIDADANIA
I - AS PEDRAS
O último desabafo de Luís Pargana, há dias aqui divulgado, trouxe à evidência uma mão cheia de casos citadinos, selectos exemplares do vasto bando dos “elefantes brancos” indígenas. Aprofundemos um pouco, apenas um pouco, dois desses pedagógicos exemplos: o Castelo e o edifício dos antigos Paços do Concelho.
Por via do POLIS, o primeiro foi directamente intervencionado e o segundo indirectamente esvaziado da sua clássica função.
Com todo o respeito para com as razões arquitectónicas e/ou estético-artísticas que presidiram à implantação de uma artificial volumetria a ligar as torres do castelo, criando espaços destinados a concretizar renovadas funcionalidades, daquelas discordo em absoluto. Na prática, introduziu-se no equilíbrio original -ainda que este se apresentasse já bastante desgastado- um corpo de todo estranho, tanto na forma e na dimensão como no estilo, tanto nos materiais como na implantação.
O castelo, sempre muito visitado pelos turistas, perdeu alguns dos atractivos que anteriormente ostentava. Deixou de constituir um privilegiado miradouro urbano e já não proporciona a exposição permanente sobre a História Militar da cidade (da responsabilidade de Domingos Bucho) que, durante alguns anos, foi possível admirar no piso térreo da torre de menagem. Por outro lado, perdeu-se talvez para sempre a possibilidade de utilização do pátio interior, hoje praticamente desaparecido, onde se realizaram no passado algumas representações cénicas e outros eventos.
Em contrapartida, tentou-se atribuir ao renovado espaço uma vocação gastronómica até ao momento falhada e insiste-se em ali realizar, com deploráveis condições de conforto e de funcionalidade, algumas meritórias iniciativas (como as dedicadas a José Régio) bem merecedoras de um mais adequado contexto.
Uma recente intervenção permitiu a manutenção das madeiras exteriores da “prótese” instalada que revelavam já, em curtíssimo tempo de vida, uma visível degradação...
Sobre o edifício que sucessivas gerações de portalegrenses sempre conheceram como o dos seus Paços do Concelho, carregado de História que ultrapassa a da própria comunidade, o esvaziamento dessa importante função social e administrativa nunca foi compensado, até ao momento, como mereceria. Prometeu-se, tal como a memória local então fixou, que ali seria instalado o Arquivo (ou Museu!?) Municipal. Os anos entretanto passados, e já vão decorridos mais do que os suficientes para se ter avançado segundo tais desígnios, apenas revelaram alguns improvisados usos, provisórios ou menores.
Com este adiamento (ou abandono?) do prometido projecto cultural, o nobre solar filipino permanece vazio e impotente, perdido entre a dignidade do seu passado, as presentes vulgaridades e as penosas angústias de um incerto futuro.
Portanto, nenhum optimismo permitirá supor que algum dia, em tempos próximos, se verá das belas sacadas do andar nobre ser proclamada uma nova restauração: a dos seus legítimos destinos ao serviço da comunidade portalegrense.
Será inevitável que, entre nós, os próprios sinais de progresso se transformem em sintomas de uma clássica desgraça?
Por aqui, ao nível da condução da nossa coisa pública, desde há muito que parece navegar-se à vista, sem objectivos prévios traçados com firmeza e bom senso, antes ao sabor do improviso, do acaso, da sorte que afinal sempre nos abandona, porque naturalmente nem sequer a merecemos.
Os palpites ocasionais não podem compensar a falta de planos derivados duma reflexão séria, colectivamente partilhada e assumida.
Portalegre merecia melhor, muito melhor...
António Martinó de Azevedo Coutinho
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