\ A VOZ PORTALEGRENSE: Luís Pargana

sexta-feira, março 12, 2010

Luís Pargana

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DESABAFOS - VII
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Coisas Públicas
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Recentemente recebi no meu e-mail pessoal duas notícias enviadas por amigos e que abordam dois exemplos de atentados à memória do património da nossa Cidade.
O primeiro refere a destruição do “Banco José Duro”, como era conhecido o memorial ao Poeta, mandado erigir no Jardim da Corredoura, pela Academia Portalegerense, corria o ano de 1944. Como se sabe, durante a intervenção feita pelo Programa Polis, este memorial foi, pura e simplesmente, terraplanado para viabilizar a intervenção modernista de que foi alvo este jardim.
No e-mail que recebi anexam-se fotos tiradas no dia 26 de Março de 2006, que atestam a operação de terraplanagem que ditou a demolição do monumento, podendo ver-se, pedaços dos seus azulejos por entre as terras remexidas. Confesso que as imagens não podem deixar de causar tristeza e mágoa a quem as vê.
Surgiu agora a versão, nalguma comunicação social local, de que a culpa pelo acontecido foi do Polis, como se algo de abstracto se tratasse.
É verdade que o Polis foi um programa nacional que teve a virtude de mobilizar recursos financeiros significativos para a reabilitação urbana das cidades. Teve muitas vezes o inconveniente de normalizar os espaços públicos urbanos, tornando iguais praças e jardins de Norte a Sul de Portugal, mas isso deveu-se a opções das câmaras municipais, que eram as entidades responsáveis pelos projectos e que, não poucas vezes, caíram na tentação de dar sempre aos mesmos arquitectos a responsabilidade pela elaboração dos projectos. Isto decorria da isenção de realização de concursos e a normalização do gosto era, assim, inevitável.
Em Portalegre, o Polis teve o mérito de impulsionar uma intervenção de profunda mudança numa Cidade há muitos anos parada no tempo. Teve opções estéticas questionáveis, é certo, mas permitiu uma operação global de requalificação que gerou, então, consensos generalizados.
Teve, no entanto, uma grande lacuna: Os projectos nunca foram devidamente apresentados e debatidos com os portalegrenses. Nunca foi estabelecido um qualquer mecanismo de auscultação que permitisse, por um lado, a apropriação pelas pessoas da “nova cidade” que se lhes pretendia entregar e, por outro, o amadurecimento das decisões devidamente enriquecida pela diversidade de opiniões que viessem a ser recolhidas em processos de participação que a Câmara Municipal nunca promoveu.
Passado o factor novidade, quando o resultado das obras entrou já no nosso quotidiano, tornando-se banal, e depois de se perceber que, afinal, o investimento realizado está longe de ter o desejável retorno de usufruto, como são os casos dos jardins da cidade que empurraram para fora as pessoas, ou o Castelo que, em vez de se tornar no espaço de vivências públicas que se pretendia, nem um restaurante consegue manter aberto.
É neste contexto e a esta distância que o atentado ao memorial a José Duro ganha novo significado e que se percebe que, afinal, a culpa morre mesmo solteira, já que a sua destruição é, agora, atribuída a um anónimo programa Polis, como se não tivesse sido a Câmara a entidade gestora e decisora desse mesmo programa.
Tenho para mim que um dos piores defeitos do ser humano é o de se pôr em “bicos dos pés” reivindicando a autoria das boas ideias e o de “assobiar para o lado” e atirar as culpas para outros, pelos insucessos dessas mesmas ideias. E essa tem sido, também, a prática vigente na Câmara de Portalegre.
Mas a decisão unilateral sobre as “coisas” do nosso património colectivo, sem qualquer explicação que não seja a do facto consumado, continua a ser a prática vigente no nosso Município.
Exemplo disto é o assunto que me foi comunicado no segundo e-mail e que dá conta do corte, na manhã da passada 6ª feira, de uma glicínia centenária que preenchia com cores azuis a quinta formosa da Fábrica Robinson. Diz-me o meu interlocutor que esta árvore teria sido classificada na década de 90, pela Direcção Geral de Ordenamento do Território tendo sido sinalizada e caracterizada no plano de estrutura verde da cidade de Portalegre.
Em menos de meia hora foi derrubada e queimada no local, sem apelo nem agravo. Alguma razão terá havido, mas se assim foi, ela ficou no segredo dos deuses e, agora não há mais nada a fazer. Plantar outra, e esperar que resista outros cem anos como a sua antecessora, da mesma forma como se reconstruiu uma réplica do “Banco José Duro”?
Enfim, quando se toma uma decisão não há nada como torná-la transparente, dá-la a conhecer e fazê-la entender. Se for boa vingará e recolherá apoios.
Não sendo assim, então só resta a quem manda deitar as culpas para os outros, assobiar para o lado e fazer o melhor para que o menor número possível de pessoas se aperceba da má gestão da “coisa pública” que se vem praticando.
9 de Março de 2010
Luís Pargana