\ A VOZ PORTALEGRENSE: Luís Filipe Meira

quarta-feira, março 10, 2010

Luís Filipe Meira

O Festival da Canção
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Acredito que uma boa parte dos meus leitores não saiba que se realizou no passado sábado no Campo Pequeno, numa organização da RTP, a final do Festival da Canção.
Longe vão os tempos em que o país parava para assistir a um programa que era, com alguma razão, um verdadeiro acontecimento nacional. Afinal, já passaram 46 anos desde que a RTP organizou o 1º Festival cuja inspiração vem não só do Festival de S. Remo – 1ª edição em 1950 - mas também de certa maneira do Festival da Canção Portuguesa que a Emissora Nacional promovia desde o final dos anos 50.
Foi em 2 de Fevereiro de 1964 que Oração – diz-se que a canção não era inédita, pois já tinha sido cantada no Teatro - na voz de António Calvário venceria este 1º Festival RTP da Canção, vitória que a levaria a Copenhaga ao IX Festival da Eurovisão. Desde logo e apesar dos maus resultados conseguidos na Eurovisão – o isolamento político que o país vivia à época, era uma das razões apontadas – o festival tornou-se um acontecimento de grande importância artística e convenhamos que havia razões para isso, pois uma boa parte dos grandes compositores portugueses acharam que ali estava uma aposta de futuro. É verdade que de fora, por opção ou por censura, ficou uma importante franja constituída pelos músicos e compositores mais ou menos politicamente comprometidos com a oposição ao regime. Ainda assim muitos foram os que, apesar das divergências, utilizaram este campo de batalha. Ainda bem, porque assim, houve grandes canções que não caíram no esquecimento porque tiveram a possibilidade de se apresentarem num palco de grandes dimensões e logo tornarem-se inesquecíveis.
Seria fastidioso enumerá-las, mas também não seria correcto que eu aqui não recordasse algumas canções, alguns intérpretes e alguns compositores que marcaram indelevelmente a história da música e no fundo da televisão em Portugal.
Quem não se recorda de Sol de Inverno, Verão, Ele e Ela, O Vento Mudou ou Tourada entre tantas outras, umas melhores outras piores. Intérpretes como Tordo, Carlos Mendes, Carlos do Carmo, Cid, Tonicha, Paião, As Doce, Dina ou os Da Vinci. Compositores/ Poetas como Ary dos Santos, Rosa Lobato Faria, José Nisa, José Calvário, Nóbrega e Sousa, Jerónimo Bragança ou Carlos Canelhas.
Foram 46 anos que correram entre o muito bom e o muito mau, o que é absolutamente natural. Até a loucura do PREC marcou o Festival. Inesquecível em 1975, a postura revolucionária de Zé Mário Branco que, de camisa aos quadrados - imagem de marca dos militantes da UDP (eu também tive uma) - clamava que a Cantiga é uma Arma (contra a burguesia) ou o apresentador Zé Nuno Martins a desvalorizar a importância do Festival comentando a sorrir que em Itália até tinha havido um jovem que se suicidou por não ganhar o Festival de S. Remo. Foram 46 anos intensos e ricos, poderei mesmo atrever-me a dizer que Portugal seria um país diferente se o Festival da Canção não tivesse existido.
Este ano fiz parte do Júri de Portalegre – facto que intuiu este texto - com o Vítor Miranda e com o João Gargaté. Ano em que foram introduzidas algumas inovações. Além da transmissão e realização em alta definição, a RTP apurou 24 canções que dividiu em duas semi-finais realizadas durante a semana, das quais por televoto saíram 12 que se apresentaram a concurso no último sábado. Como habitualmente a RTP formou um júri nacional constituído por 3 pessoas por distrito, cuja actividade profissional está ligada à música ou que, pelo menos, tenham intervenção nesse campo. O resultado da votação deste júri contribuiu com 50% para o resultado final, sendo os outros 50% apurados por televoto. E é aqui que está o busílis, pois a votação do júri nacional tendo sido mais ou menos idêntica deu, por larga margem, a vitória a Filipa Azevedo com Há Dias Assim, que ganhou depois de convertidos os votos do público, mas... por uma unha negra. E esta é outra perversidade do sistema, sendo compreensível o facto de o público ter direito à opinião, há que levar em conta as possibilidades de manipulação que podem acontecer apesar de todas as blindagens.
Mas como tudo está bem, quando acaba bem e apesar de o brilho já não ser o mesmo… Estamos conversados.
A vitória de Filipa Azevedo é inquestionável e, não por acaso, também foi a mais votada pelo Júri de Portalegre.
Luís Filipe Meira