\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

segunda-feira, março 08, 2010

António Martinó de Azevedo Coutinho

POLIS PORTALEGRE – O seu a seu dono
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(ainda, e uma vez mais, o Memorial José Duro)
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Uma notícia e uma opinião são duas realidades distintas, que não devem nem podem confundir-se. Mas tem feito escola entre nós, ultimamente, uma perniciosa contaminação entre ambas as categorias de textos públicos. Veja-se o caso do defunto Jornal de 6.ª da TVI, por exemplo...
Aqui e agora, sobre o Banco ou Memorial José Duro, tem sido praticado um exercício semelhante. Calando a minha indignação quanto à primeira tentativa (in Fonte Nova, de 5 de Fevereiro de 2010), não consigo silenciar-me a propósito de uma nova insistência (idem, de 2 de Março de 2010). E, só porque tenho usado esta tribuna quanto ao tema em causa, aqui continuo a exprimir a posição pessoal de sempre, mantendo embora o jornal num lugar significativo entre os meus mais íntimos apreços.
Com origem e objectivos obviamente descortináveis, procura-se passar a teoria de que uma associação de malfeitores, dando pelo nome de POLIS, destruiu o banco dedicado a José Duro, monumento solenemente inaugurado pela Academia portalegrense no Jardim da Corredoura, em 23 de Julho de 1944. Depois, em sua substituição e devido a vários protestos, um indeterminado sujeito terá colocado uma placa de mau gosto em local escondido e distante do autêntico. Finalmente, surge um novo e virginal vingador justiceiro, a Câmara Municipal de Portalegre, que repõe a verdade através da implantação de uma réplica do banco original, no sítio certo.
Nada me move contra o intermediário destas crónicas jornalísticas. Bem pelo contrário, tenho pelo Senhor João Trindade a simpatia que me merece o seu quotidiano esforço de, como se diz correntemente, “estar em todas”... Mas, em tal afã, nem sempre o rigor se impõe ao voluntarismo. Como neste caso.
Vou servir-me de textos oficiais, divulgados a partir das próprias fontes autárquicas, sobre o estatuto do POLIS. Aqui ficam dois simples excertos, suficientemente esclarecedores:

“Para além da natureza integrada e inovadora das intervenções Polis, o Programa pretende, ainda, promover novas formas de articulação entre o Estado e as Autarquias Locais, tendo em vista criar mecanismos mais eficazes para a intervenção no espaço urbano e estabelecer parcerias entre o Ministério que tutela o Ordenamento do Território e as respectivas Câmaras Municipais envolvidas.
Este modelo institucional baseia-se na constituição de Sociedades (Polis) anónimas de capital exclusivamente público, onde o Estado e a Autarquia são os únicos accionistas, detendo respectivamente 60% e 40% do capital social das sociedades.
A G.I. (Gestão de Intervenção) compreende uma acção integradora das intervenções de um conjunto de Entidades que directamente interferem na condução do Processo, entre as quais podemos referir as seguintes:
C.M.P. - Câmara Municipal de Portalegre
G.C.P.P. - Gabinete Coordenador do Programa Polis
C.C.D.R.-A. - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo
I.P.A. - Instituto Português de Arqueologia
I.P.P.A.R. - Instituto Português do Património Arquitectónico
C.T.A. - Comissão Técnica de Acompanhamento
C.L.A. - Comissão Local de Acompanhamento”

“O principal objectivo do Programa Polis consistiu em melhorar a qualidade de vida nas cidades, através de intervenções de carácter urbanístico e ambiental, aumentando a sua atractividade e compatibilidade no Sistema Urbano Nacional.
O Programa Polis em Portalegre configurou pois um tipo de intervenção externa que se adequou aos objectivos estratégicos que se pretendiam para Portalegre, desde que tal intervenção:
- encarasse o património cultural, histórico e urbano/arquitectónico e os recursos naturais e paisagísticos enquanto valores em si e por si mesmos preserváveis e dinamizáveis (...)”

Na verdade, pragmaticamente aqui demonstrada, nunca existiram duas entidades autónomas e/ou independentes nos trabalhos do Polis em Portalegre. A Autarquia local e o Estado central fundiram-se numa pontual (e desejável) aliança que planeou, produziu (bem ou mal) e avaliou as intervenções concretas. Mais, entre os seus declarados objectivos, consta expressamente o de preservar e dinamizar o património cultural, histórico e urbano da cidade.
Teria sido este desígnio atingido, segundo o superior critério dos responsáveis?
Como a memória futura é construída pelos registos permanentes, façamos outra breve retrospectiva, agora a partir da crónica oficiosa da Agência Lusa alusiva ao evento:


“Governo inaugura obras do Polis em Portalegre,
com nove meses de atraso, em 28 de Julho de 2006
As obras do programa Polis em Portalegre foram hoje inauguradas, nove meses após a data prevista. Os trabalhos implicaram o investimento de 17,5 milhões de euros e resultaram de uma parceria entre o Governo e a Autarquia.
Durante a inauguração, o primeiro-ministro José Sócrates garantiu que o investimento em políticas de requalificação urbana nas cidades vai continuar após a conclusão do programa Polis, em 2008, mas admitiu alterações ao seu financiamento. Em declarações à Agência Lusa, José Sócrates referiu que “no futuro poderá ser necessário reequacionar o que foram as prestações financeiras do Governo e das autarquias”.
O primeiro-ministro referiu ainda que o Polis de Portalegre “melhorou muito a qualidade de vida e tornou mais bonita a cidade que, assim, preserva melhor a sua história e a sua arquitectura”. José Sócrates sublinhou que a nível nacional as cidades devem melhorar as questões do ambiente, reduzir a poluição, cuidar do espaço público e da sua memória e identidade. (...)”


Como conclusão, através da autorizada voz do nosso primeiro-ministro, ficámos a saber que sim, que a nossa qualidade de vida melhorou imenso, que a cidade ficou mais bonita e que, a partir destes pressupostos, preservámos melhor a nossa história e a nossa arquitectura. De facto -e continuo a citar o nosso primeiro- as cidades como Portalegre devem cuidar do seu espaço público assim como da sua memória e identidade...
Como está à vista de todos -urbe et orbe- o caso do Memorial José Duro constitui uma oportuna e sugestiva confirmação de tudo isto! Ou não será assim?
Se esquecermos, a este propósito, o banal pormenor de que a associação de malfeitores, o indeterminado sujeito e o vingador justiceiro são uma única e mesmíssima entidade -a Câmara Municipal de Portalegre-; se pusermos de parte, como insignificante, o facto de uma cópia apressada made in china nunca poder substituir o original autêntico, neste caso um monumento portalegrense brutalmente destruído; enfim, se colocarmos sobre tudo isso uma simples pedra, mais uma, então estará tudo bem!!!
De resto, e voltando aos textos que provocaram esta reacção pessoal, considero legítimo, salutar e oportuno o acto de firme denúncia dos ignóbeis e anónimos vandalismos que repetidamente têm vindo a ser perpetrados contra a actual réplica.
Mas que nunca se esqueça o maior de todos os vandalismos, o oficial, pois este privou-nos para sempre de uma significativa parcela da respeitável e digna memória colectiva da comunidade portalegrense.
Março de 2010
António Martinó de Azevedo Coutinho