\ A VOZ PORTALEGRENSE: Luís Pargana

quarta-feira, março 03, 2010

Luís Pargana

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DESABAFOS - VI
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Epicentro "Robinson"
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A cidade de Portalegre foi, desde sempre, a cidade industrial do Alentejo. Ao contrário de outras cidades alentejanas de carácter marcadamente rural e agrícola, Portalegre teve na indústria o motor principal do seu desenvolvimento.
Desde o século XVIII, quando Marquês de Pombal instala em Portalegre a Real Fábrica de Lanifícios, nos edifícios do colégio de S. Sebastião antes ocupados pela Companhia de Jesus, e consolidada nos anos da revolução industrial, no final do século XIX, com a instalação em Portalegre da Fábrica Robinson, para a preparação e transformação da cortiça.
É difícil não encontrar um portalegrense que não tenha tido um familiar empregado na Fábrica de Lanifícios, ou na Fábrica Robinson, que, carinhosamente, nos habituámos a tratar como “Fábrica de Rolha”. Sobretudo, estas duas indústrias, e mais tarde a Manufactura da Tapeçaria de Portalegre, pelas suas características ímpares de tapeçaria de arte, marcaram a identidade da cidade de Portalegre, vincando-lhe a tradição industrial que a distingue das suas congéneres alentejanas.
Foi preciso chegar o século XXI, que é o século não só do nosso presente, como também do futuro, para assistirmos ao encerramento destas duas empresas após dolorosos processos de falência, com o despedimento dos seus trabalhadores, a alienação do seu património e a cessação da sua actividade. Muitas foram as famílias afectadas e a economia local ficou seriamente abalada com o encerramento destas fábricas.
A Fábrica Robinson foi a última a fechar, depois de um mal sucedido e nunca explicado processo de negociação entre a Câmara de Portalegre, a Administração da fábrica e a Segurança Social, principal credora das dívidas acumuladas pela empresa, e que se pretendiam saldar a partir da aquisição pelo Município do valioso espólio de arqueologia industrial de que a empresa era detentora, bem como dos terrenos e edifícios onde se encontrava instalada e que a Câmara agora necessita para implantação do Projecto Robinson, que pretende preservar a nossa memória cultural enquanto cidade industrial.
Por entre atrasos na infraestruturação do terreno na zona industrial, para onde se pretendia transferir a Fábrica Robinson, onde apareceu uma pedra que teimou em não desaparecer a tempo de impedir a falência da empresa, a Robinson cessou actividade, despediu os trabalhadores e viu serem adquiridos pela Câmara os seus edifícios e terrenos a preços de insolvência.
Constituiu-se, depois, a Robinson II. Reuniram-se garantias de investimento, apresentaram-se projectos industriais mas, o processo negocial com a Câmara que pressupunha a sua transferência para as instalações da Johnson’s Control, que entretanto também encerrara, não chegou a bom termo e foi declarada a sua insolvência, não tendo sequer iniciado a sua actividade.
Os seus bens foram agora vendidos, em hasta pública, perante a passividade da Câmara Municipal e da Administração da Fundação Robinson, apesar de alguns equipamentos serem considerados de interesse estratégico para o desenvolvimento do Projecto Robinson. Foram adquiridos pela Rob Cork, terceira empresa que agora é anunciada como aquela que vai, finalmente garantir a continuação da actividade industrial corticeira na cidade de Portalegre.
Chegados aqui importa fazer um ponto de ordem sobre esta sucessão de factos:
Em primeiro lugar devemos sublinhar que Portalegre precisa de empresas que criem emprego e riqueza no nosso concelho.
É, portanto, bem-vinda esta indústria que, após o encerramento da nossa saudosa “Fábrica da Rolha”, pode garantir a continuação da actividade corticeira na nossa cidade. E o Município deve proporcionar a esta empresa todas as condições de atractividade que permitam a sua instalação, evitando repetir os erros que levaram à não viabilização da Robinson e da Robinson II.
No entanto, é absolutamente fundamental que este processo de negociação seja conduzido com absoluta transparência e com o fornecimento de todos os dados a todos os envolvidos, nomeadamente às instituições que devem zelar pela garantia da salvaguarda do interesse público. Sem qualquer reserva!
Porque a instalação desta empresa, em Portalegre, com a consequente criação de emprego e impacto na vida económica e social da cidade, do concelho e da região é a primeira premissa deste mesmo interesse público.
Portanto, o processo não pode ser conduzido pelo Presidente da Câmara Municipal de Portalegre como se de uma negociata se tratasse, ainda mais porque dessa forma de negociar resultaram já as duas insolvências anteriores.
Não se compreende, portanto, que tendo reunido a Assembleia Municipal de Portalegre na semana passada, para decidir sobre um assunto com esta importância, essa reunião se tenha prolongado até às duas e meia da manhã, sem qualquer decisão, pela única razão de não ter sido fornecida à Assembleia a informação mínima imprescindível à tomada de decisão. Ainda mais incompreensível se torna quando se veio a saber que essa informação – o projecto industrial da empresa – estava na posse do Presidente da Câmara desde 26 de Setembro do ano passado.
Entregue finalmente o referido projecto, directamente pela própria empresa, o impasse foi rapidamente ultrapassado em novas reuniões da Câmara e da Assembleia Municipal, realizadas ontem, com o consenso de todas as bancadas, não sem que tivessem sido, mais uma vez, desenvolvidas teorias de conspiração em torno da pretensa ingovernabilidade da Câmara, vá-se lá saber com que objectivos.
Ora, a haver ingovernabilidade só se for por imperícia de quem tem a maioria e por falta de respeito pelas competências dos diferentes órgãos autárquicos e pelas mais elementares regras do seu funcionamento democrático – desde logo a obrigação de informação.
Parece que, depois de 4 anos de maioria absolutíssima na governação camarária, reaprender a viver em democracia leva o seu tempo. Esperemos que esse tempo não seja longo demais que leve a comprometer o futuro do concelho.
2 de Março de 2010
Luís Pargana