\ A VOZ PORTALEGRENSE: Frederico García Lorca - II

sexta-feira, março 05, 2010

Frederico García Lorca - II

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Robert Brasillach e Garcia Lorca por Saint-Paulien
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A obra de Frederico Garcia Lorca é bem conhecida: a televisão, a rádio, as revistas, os jornais têm-na vulgarizado. Pode dizer-se que nenhum poeta contemporâneo beneficiou duma publicidade tão magistralmente orquestrada, pois é notório que Lorca é uma vítima do fascismo.
Mesmo antes de ser possível fazer-se um juízo sobre os poemas de Lorca, ou as suas peças de teatro, Yerma, As Bodas de Sangue, A Casa de Bernarda Alva, é-se prevenido de que não se trata dum escritor como os outros, mas dum mártir da resistência espanhola a Franco; é exigido que aceitemos esse postulado: Vítima do seu ideal socialista - outros dizem comunista - Frederico Garcia Lorca, foi assassinado pelos falangistas, em Granada, a 19 de Agosto de 1936. É, acima de tudo um herói político.
Estes pseudofactos são hoje universalmente admitidos, mas constituem uma mistificação tão prodigiosa como a da Zapatera. Lorca, que não era um militante comunista, não foi de forma alguma vítima das suas ideias políticas. Em Granada, os falangistas não o fuzilaram: esconderam-no, protegeram-no e fizeram todo o possível para o salvar.
Falei com homens de diversas opiniões políticas que conheceram Lorca em Madrid, em Barcelona ou em Granada. Todos são concordes num ponto: Lorca era um indivíduo absolutamente anormal. Filho dum lavrador e duma professora primária, teve de partir para a América na primavera de 1929, «a fim de sair das trevas sentimentais em que se achava». Tinha então trinta e um anos. Cartas de Lorca foram publicadas na Revista de las Indias de Bogotá, e, por Gonzalez Caballero, na Vida, Obra y Muerte de F. Garcia Lorca, publicada em Santiago do Chile em 1938, J. L. Schenberg, que cita algumas passagens destas missivas no seu livro Frederico Garcia Lorca (Paris, 1956), conclui:
«Lendo objectivamente tais cartas, como não descobrir aí a confissão do amor secreto com a vergonha e a resolução de o combater; mas também o testemunho de repulsa que na sociedade cria o vácuo em torno do homossexual... Como não ver finalmente, nestes sofrimentos, conflitos e terrores a razão evidente da fuga para a América?».
O exílio durou pouco. Nos finais de 1931, Lorca dirige La Barraca, espécie de teatro ambulante cuja tradição foi retomada pelo S. E. U. (Sindicato Espanhol Universitário) dos bárbaros falangistas. Lorca é realizador, compositor - como excelente músico -, encenador, actor. O que apresenta? Clássicos espanhóis: Tirso, Lopo, Cervantes. Participa de qualquer forma nas lutas políticas, ou chega a tomar partido, assina alguns manifestos a favor do governo da Frente Popular que subsidia La Barraca? Não. Recusa enfileirar à esquerda. E se tem amigos e parentes desse lado, não lhe faltam do outro, entre os falangistas, cujo chefe, José António, considera o poeta como um dos mestres da juventude espanhola.
Existe uma correspondência entre Lorca e José António e uma carta do pretenso Aragon espanhol ao chefe da Falange começa por «Meu grande amigo». No princípio de 1936 a direcção da Falange oferece a Lorca um posto importante. Ele reserva a sua resposta.
Todos estes pormenores são quase desconhecidos, pelo que não se pode compreender as razões da viagem do poeta a Granada a 16 de Julho de 1936. Partiu de Madrid na companhia do seu amigo Luís Rosales, um dos chefes da Falange de Granada, dirigindo-se primeiro à residência da família, na Huerta San Vicente, depois a Granada, à rua d`Angulo, casa dos Rosales.Se abandonou Madrid, nessa altura em pleno delírio revolucionário, foi porque pensava estar em perfeita segurança na Andaluzia. Com efeito, desde 10 de Junho que o alcaide de Granada era seu cunhado, o Dr. Manuel Fernandez Montesinos, socialista. Do outro lado, José e António Rosales, irmão de Luís, eram, com Muñoz e Iturriaga, os chefes do movimento falangista, sofrivelmente revolucionário em Granada. Portanto sucedesse o que sucedesse, Lorca julgava-se protegido dos dois lados.
Um dos chefes do movimento nacional de Granada, P. C..., contou-me uma noite, como, a 20 de Julho, Muñoz, Miguel, António e José Rosales, Henrique de Iturriaga, Cecílio Cirre à frente duma centena de homens decididos, se apoderaram da cidade. Os seus adversários dos sindicatos vermelhos tinham tudo para vencer: dinheiro, poder, número. Faltaram-lhe armas, isto é audácia. Os Falangistas - uns quarenta - apoderaram-se das espingardas, metralhadoras e munições com um quarto de hora de avanço. A 10 de Julho, à noite, tinham armado quinhentos homens; a 23 eram cerca de cinco mil, enquadrados, organizados, senhores da cidade. Foi Miguel Rosales que tomou de assalto a colina de Albaícin, onde viviam milhares de ciganos. Os que conhecem Granada, podem imaginar o significado deste feito.
A partir de 28 de Julho, a cidade, nas mãos dos nacionalistas, é cercada pelas forças inimigas. Jaen ao norte, Baeza a oeste, Montril e Málaga ao sul, Leja a leste permanecem em poder dos vermelhos. Queipo Llano, que dispõe em Sevilha de forças ridículas, tem de se contentar com o envio de algumas belas mensagens aos aventureiros granadinos. Três velhos aviões que andam dum lado para o outro, e estafetas trepando a mais de três mil metros para atravessar a Serra Nevada, asseguram uma precária ligação. A 24 de Julho, Rádio-Madrid anuncia que os «fascistas de Granada pediram a rendição». Notícia falsa. Mas a situação dos revoltosos nem por isso deixa de ser crítica. Proclama-se a Lei Marcial. Começa a repressão. É impiedosa. É a guerra civil. Conhecemos o significado desta expressão sinistra. Recordemos André Chenier que, nas Reflexions sur l`Esprit escreveu em Abril de 1791: «Todos os dias algum novo crime, algum novo perigo é pateticamente revelado aos mais crédulos para os ensinar a inquietar, a atormentar à sorte os que lhe são designados como inimigos...».
Contudo Lorca não vai ser escolhido à sorte. Encontrou refúgio em casa dos Rosales, na rua d`Angulo. Esta solução foi preferida a uma evasão que comportava muitos riscos. De resto como teria sido, Lorca acolhido no outro lado?
Na rua d`Angulo, o poeta vive sossegadamente. Trabalha. Compõe a música dum Hino da Falange cuja letra foi escrita por Luís Rosales. É preciso ver aqui nenhuma ideia de salvaguarda pessoal da parte de Lorca, mas sobretudo a vontade de dar a José António, então frente à morte, a resposta que ele pedira.
Julgando encontrar na Andaluzia a paz, eis o autor do Romancero no centro da batalha. Aceitando a hospitalidade dos Rosales, tomou partido.
Que teria acontecido se, nessa noite, os Vermelhos tivessem dominado a cidade? Poder-se-ia pensar que a família Rosales teria sido poupada? Que Lorca, descoberto em casa dos chefes falangistas, não sofreria nada? Tudo o leva a crer que o renegado fosse também considerado fascista e tratado como 110.000 civis espanhóis executados pelos tchekistas e similares.
A Tcheka da direita em Granada chama-se Escuadra Negra. Trata-se, precisa o Boletim de Informações da Direcção-Geral da Imprensa de Madrid (15 de Setembro de 1954) dum bando actuando sob a capa do Movimento - como outros actuaram, por exemplo, sob a capa da Resistência que não só não obedecia a ninguém mas desobedecia às ordens de todos. O chefe desta Esquadra, tão parecida como a famosa Esquadra de Amanhecer dos vermelhos madrilenos, não era outra senão um conselheiro municipal de Granada, deputado democrata-cristão às Cortes, Ramon Ruiz Alonso. Ainda hoje tal personagem permanece envolta em trevas. O que dele se sabe parece provar que se trata dum sinistro indivíduo gozando em Granada da reputação de uranista de segunda ordem.
Eis o retrato que faz de Alonso - «sobre quem dois depoimentos deixam pesar a suspeita de invasão sexual» - Jean Louis Schenberg no seu Lorca.
«O homem, um indivíduo sem escrúpulos, bem constituído, falador, estúpido e ambicioso, tinha-se em tempos vendido a Gil Robles. Era um antigo tipógrafo do jornal granadino El Ideal e, através dele, imbuído de literatura. O partido católico utilizava-o como propaganda para mostrar o seu democratismo. Pelo contrário, José António Primo de Rivera considerava-o pouco. Tinham-lhe posto a alcunha de obrero amestrado, isto é, de operário domesticado».Assim é o homem que comanda a Escuadra. É um adversário político. É principalmente o instrumento de vingança da ciganada invertida, da liga dos maricas. Verlaine, depois de dois tiros de revólver, corrige o presidente do tribunal que fala de «sodomistas». «Diz-se sodomita, senhor presidente».
Ao fim da tarde de 19 de Agosto, a Escuadra bloqueia a rua d`Angulo. Lorca, no pátio, em pijama, lê o jornal. Nem Luís, nem António, tesoureiro da Falange, nem José Rosales, amigo pessoal e adjunto do governador, o general Valdez estão lá. Onde estão? A cidade, repito-o, encontra-se em estado de sítio. Os Rosales mais velhos acham-se nos locais de combate que nessa tarde lhes foram indicados. Os homens de Ruiz Alonso não têm dificuldade nenhuma em prender Lorca para simples interrogatório. Na verdade prender um homem em pijama que num pátio, lê o jornal fumando um cigarro!
Lorca veste-se, é conduzido perto, à rua de Duqueza, ao Governo Civil, Miguel Rosales, prevenido, discute, protesta, fala ao governador, que lhe promete que Lorca não sofrerá nenhuma violência: trata-se só de o interrogar sobre a situação madrilena. Miguel não é ingénuo, mas que fazer? Está para todos os efeitos sozinho. Como se pôde criticar este rapaz. Ele compreende que não é capaz de tirar Lorca de sarilhos: precisa de encontrar os irmãos, principalmente José, trazê-los em força com outros falangistas ao palácio do governador. Parte.
Disseram-me que nessa noite José Rosales teve de vigiar um local difícil. Miguel só pôde juntar-se ao irmão depois da meia-noite. Quando voltaram do carro à rua de Duqueza, era muito tarde: A Esquadra tinha conduzido Lorca à ravina de Viznar, para lá do caminho da Fonte. Como foi assassinado? Nada se sabe.
Que Lorca persistisse, aos trinta e oito anos, no abominável pecado, não era motivo para o matarem. Bem longe de fuzilarem André Gide, homossexual oportunista e triunfante, atribuíram-lhe o Prémio Nobel.
Sem dúvida, o pretexto da execução de Lorca foi político. Meio cento de rapazes tinham arrancado a cidade aos vermelhos; era preciso que o seu partido não se tornasse muito poderoso. A Falange era e continua a ser considerada por certos políticos do centro e da direita muito suspeita, revolucionária, susceptível de acolher homens vindos de todos os horizontes políticos. Isto é de tal forma verdadeiro que ela foi prontamente adormecida. O programa nacional-sindicalista da Falange é muito mais arrojado do que o dos radicais da Frente Popular. Repetimos também que hoje mal se pode imaginar o eco que teria tido, em 1936, e não apenas em Granada um hino da juventude espanhola composto pelo autor das Bodas de Sangue. A execução de Lorca foi portanto uma parada aceite (e encorajada talvez) pela direita e pela democracia-cristã, sempre caritativas. Para empregar a gíria política, a vasta operação à esquerda preparada pelos falangistas, que, um pouquinho mais inteligentes do que os bispos e certos generais, tinham sido mais rápidos, tornava-se daqui em diante muito mais difícil.
Mas o fulcro do assunto foi um ajuste de contas em nível muito abaixo de sórdido.
É portanto ridículo que se possa dizer que Lorca foi assassinado porque era comunista ou socialista. Que se compare a sua morte à de Robert Brasillach constitui uma blasfémia. «No hay derecho». Não há direito.
É possível comparar a morte de Brasillach e as de José António, de Ramiro de Maetzu, José Maria Albiñana, Muñoz Seca, Victor Pradera, Manuel Bueno, Mateo Milla, Jaime de Aledo, do Padre Ferreres e de uns 40 espanhóis assassinados por causa das suas ideias. Tenho a lista completa. É longa! A maior parte destes homens, antes de morrer, teve tempo de gritar: «Viva a Espanha! Viva Cristo Rei!». São mártires duma ideia. Qualquer que seja o seu talento - e é grande - Lorca não é um deles.
Em qualquer lado, em condições idênticas, excepto em Granada, teria talvez podido escapar. Em Granada, cidadezinha provinciana, austera, que Lorca tinha, não só escandalizado, mas abalado, era impossível. Granada, «cidade pudica e prudente», como ele dizia, tinha-o repelido com desagrado.
Há entre o poeta do Romancero e o poeta do Jugement des Juges um abismo que nada poderá jamais preencher. É preciso dizê-lo neste aniversário do assassinato de Robert Brasillach. Porque se tratou, tanto no Vaznir como em Montrouge, de assassinatos da pior espécie.
Tive o cuidado na narrativa que fiz, de apresentar os factos verificáveis, historicamente provados, que podiam ser decentemente publicados. Julgo preferível esquecer os outros.
Não conheci Lorca mas conheci Robert Brasillach. Tinhamos a mesma idade. Escrevemos nos mesmos jornais, com Thierry Maulnier e J. P. Maxence, por exemplo: falámos mais tarde nas tribunas dos círculos populares franceses, na companhia de Abel Bonnard, Jacques Boulanger, Ramon Fernandez e de alguns outros. Partilhámos o pão e o vinho, a amizade sincera - embora não estivéssemos sempre de acordo - e alguns riscos; porque nos tempos a que me refiro, dizer a verdade custou a vida a mais do que um dos nossos. Brasillach foi meu camarada. Nesta ocasião, tenho o direito e o dever de falar dele.
A sua morte tão clara como a vida. Combateu. A ideologia que defendia foi momentaneamente vencida por conjura fantástica. Foi julgado por esta razão. Perante adversários políticos arvorados em juízes pronunciou estas memoráveis palavras:
«Se vos dissesse que me arrependia do que escrevi, pensaríeis todos que era para salvar a pele, e desprezar-me-íeis com todo o direito, posso ter-me enganado quanto aos factos e às pessoas, mas não tenho nada a lamentar quanto à intenção que me fez agir».
Nesta época - Janeiro de 1945 - quando não se julgava o passado, mas o futuro dum combatente de ideias, estas palavras, na boca do acusado, equivaliam para ele a uma sentença de morte. Brasillach não o ignorava.
A grande diferença entre Lorca e Robert Brasillach é que o segundo não é apenas um magnífico poeta, um notável ensaísta, um dos romancistas mais comovedores da nossa época. Este grande escritor ocidental é acima de tudo um homem."
Saint-Paulien
in, Diário da Manhã, 11/18.02.1965