António Martinó de Azevedo Coutinho
(sem data, apenas na memória)
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De Manuel Martelo já falei em passada crónica. Filho de uma antiga “glória” do Estrela de Portalegre (também aí guarda-redes e companheiro de Carlos Canário pelos finais dos anos 30) ele tinha ido para Évora, a fim de valorizar a equipa do Lusitano durante a época (1951-52) em que este clube rijamente disputou com o Juventude a promoção ao máximo escalão do futebol nacional.

A anterior equipa de Martelo, o Grupo Desportivo Portalegrense, foi um competidor aguerrido neste mesmo campeonato da II Divisão. No seu reduto, derrotara o Juventude e empatara (2-2) com o Lusitano. E este ponto de diferença (nessa altura a vitória era premiada com 2 pontos e o empate com 1), marcava ainda o campeonato quando se ia disputar, no Campo Estrela, um encontro decisivo da segunda volta: Lusitano de Évora - Desportivo Portalegrense.
É este episódio dramático e eticamente reprovável que hoje aqui evoco, até para que não se pense que todo o futebol dos anos 40, 50 ou 60 era aureolado por manifestações de ingénuo romantismo, como aquelas a que aludi na anterior crónica.
No dia 9 de Março de 1952 uma vibrante multidão enchia o estádio. Pelo Lusitano, para além de Martelo na baliza, batiam-se já alguns dos jogadores que também brilhariam na época seguinte, então já na Divisão maior, como Soeiro, Madeira, Valle, Paulo e Pepe. O nosso Desportivo, liderado pelo veterano e correcto Roqui, contava, entre outros, com Moreno, Robalo, Parra, Santos e Jacinto.
O árbitro, com trabalho bastante desigual de uma para outra das partes, chamava-se Libertino (sic) Domingues e, para supresa geral, o intervalo assinalava a justa vantagem do Portalegrense por 2-1, num desafio que o seu adversário tinha que vencer a todo o custo.
Eu tinha acompanhado a comitiva oficial do Desportivo, pelo que assistia, ao vivo e na bancada central, ao desespero que grassava entre os adeptos eborenses. Uma das maiores “vítimas” do seu descontrolado nervosismo colectivo era precisamente Martelo, na circunstância quase tido como um infiltrado traidor, a soldo do inimigo...

Aí ficaram relatadas algumas das violências então acontecidas num vulgar campo da bola deste país de brandos costumes, como as sucessivas provocações de Valle a Roqui que levariam à expulsão de ambos, a selvática agressão de Teixeira da Silva a Robalo, que conduziria este directamente ao hospital local e, sobretudo, a autoritária e patética intervenção final do governador civil de Évora, ao mandar prender os jogadores Roqui e Jacinto, talvez porque estes tivessem oferecido demasiada resistência desportiva ao seu clube!
Ainda a este propósito, lembrarei para sempre as públicas e firmes expressões da justa indignação por parte de alguns qualificados cidadãos portalegrenses presentes no estádio, entre os quais destaco o meu saudoso primo João José Albuquerque, que prontamente recuperariam as “vítimas” de tão lamentáveis incidentes: Roqui e Jacinto, do Governo Civil, e Robalo, do Hospital...
O resultado final - já quase me esquecia de tal pormenor! - foi de 6-2, a favor do Lusitano. Obviamente.
Martelo recompor-se-ia do sofrimento moral que lhe foi infligido nessa tarde pelos seus próprios adeptos e admiradores e contaria muitas jornadas de glória até ao tal dia aziago, em Coimbra, na época seguinte...


Nasceu pobre, jogou descalço com bolas trapeiras contra outros gaiatos pelas ruas de Elvas e aí foi perseguido por zelosos polícias quando isso era “crime” público... Como aconteceu com quase todos nós. A invulgar habilidade que o distinguia levou-o, sucessivamente, ao ingresso em diversos clubes da sua terra e - imagine-se - em 1943-44 chegou até a envergar a camisola do Lanifícios de Portalegre, ao que parece apenas em dois ou três encontros. Depois de algumas vicissitudes, ingressou no Lusitano de Évora, onde se manteve entre 1952 e 1956. Chegou mesmo a internacional, embora o final da sua carreira futebolista o conduzisse a alguns clubes pouco sonantes.

Aliás, já desde 1948 que estava publicada uma biografia ilustrada de Domigos Demétrio, da autoria de Azinhal Abelho, intitulada Patalino: o astro de “O Elvas”.
Canário, Bentes, Martelo e Patalino - quatro figuras ilustres, distintas no seu perfil ou no seu currículo, idênticas no destaque que merecem entre os maiores desportistas que pisaram o pó ou a relva dos estádios do Norte Alentejano, de Portugal e até do Mundo. Também iguais no lugar que ocupam na memória de muitos de nós...


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