António Martinó de Azevedo Coutinho
Três anos depois, eu já não tinha idade para coleccionar, publicamente, os cromos dos caramelos. Porém, em privado, mantinha com persistência a minha “paixão” de sempre pelos quadradinhos.
Frequentava então em Évora a Escola do Magistério Primário e o contexto social e humano em que aí me integrara não aceitaria de bom grado que um jovem, quase quase professor, se dedicasse ainda a tão pueris passatempos.
Aqui, considero conveniente invocar a História dos Cromos em Portugal na defesa da minha própria honra. É que os retratos de futebolistas usados para embrulhar lambuzados rebuçados iam já caindo em desuso e este tipo de coleccionismo apenas duraria até meados da década de 50. O ano de 1952 é precisamente aquele em que, entre nós, os cromos passam a ser higienicamente apresentados no interior de “envelopes surpresa”, numa iniciativa da editora Agência Portuguesa de Revistas. O lançamento da novidade seria feito através da colecção Os Três Mosqueteiros, com reproduções de fotogramas de uma adaptação cinematográfica da obra de Alexandre Dumas. Aliás, possuo esta pioneira caderneta.
No entanto, devo aqui confessar que, clandestinamente, também coleccionei uma (e só uma!) das equipas que integraram o conjunto intitulado Caramelos Jogadores da Primeira Divisão Nacional 1952/53, editado pela infatigável Fábrica Universal.
Passo a explicar o insólito caso.
Vivi em Évora, durante os anos lectivos 1951/52 e 1952/53, a feliz coincidência de duas épocas fascinantes do futebol local, que corresponderam à luta ombro-a-ombro entre o Lusitano e o Juventude pela subida à 1.ª Divisão e, depois de ter vencido tal confronto, à estreia do Lusitano entre os “grandes” do nosso pontapé-na-bola. O onze do Juventude, campeão nacional da 3.ª Divisão na época anterior e dotado de uma equipa fantástica, onde actuava o antigo guarda-redes do Benfica, Rogério Contreiras, mais Casimiro, Lampreia, Buccheli, Pinto de Almeida, Passos ou os fabulosos irmãos Mendonça, dera uma séria e digna réplica ao seu rival da cidade... e, em boa verdade, mereceria mais a promoção!
Tornei-me então sócio do Lusitano pois, como estudante, beneficiava de vantajosas condições para frequentar dominicalmente o velho Campo Estrela, assim se denominava o airoso estádio do clube. Havia, porém, uma outra e mais poderosa razão justificativa desta minha pontual “inclinação” pelo Lusitano, chamada Manuel Martelo, o talentoso guarda-redes portalegrense que os eborenses tinham em tempos “roubado” ao Desportivo, o clube local das minhas simpatias. Baixo, quase atarracado, ele dispunha no entanto de uma surpreendente agilidade que os “sábios” destas coisas da bola costumam designar por “felina” e era seguro e valente como poucos...
Aliás, eu passava então uma boa parte das minhas tardes livres nos altos do desaparecido Café Camões, onde me deliciava com fascinantes jogos de snooker entre alguns jogadores do Lusitano, sobretudo os protagonizados pelos argentinos Valle e Di Paola. E aí convivia também com o patrício e amigo Martelo, que já conhecia desde Portalegre. Durante alguns meses, até fomos em comum comensais numa “clássica” tasca eborense, cujo nome já perdi, sita em ruela ali para os lados do velho Jardim das Canas.
Por isso, lembro-me bem do dia aziago em que, na prática, terminou a brilhante carreira futebolística do Manuel Martelo. Encontrei-o pelo fim da tarde, no sítio do costume – os altos do Café Camões, no seu regresso de um fatídico encontro em Coimbra, contra a Académica. Destemido como sempre numa corajosa saída da baliza, chocara com um adversário e partira uma perna, agora já engessada e apoiada, na horizontal, numa cadeira em frente...
Largas horas com ele convivi depois, nas visitas frequentes que lhe fazia, no quarto onde então habitava, quase paredes meias com o Teatro Garcia de Resende. Mas o possante suplente Dinis Vital tinha entretanto tomado conta, em definitivo, das redes do Lusitano.
Depois, regressei a Portalegre e o Martelo continuou em Évora, trabalhando nos Serviços Municipalizados da respectiva autarquia. Ao tempo, excepto os estrangeiros e meia dúzia de privilegiados jogadores indígenas, ninguém vivia só do futebol...
Creio que estará plenamente justificado o facto de ter coleccionado, quase em segredo, esses cromos do Lusitano de Évora. Obviamente, nem sequer adquiri a caderneta. Agora juntei-os, limpei-lhes o pó, alinhei-os na sua posição em campo e meti-os no computador. O enquadramento, o emblema e os dizeres são da minha inteira responsabilidade, para que os cromos não se sentissem tão “órfãos” do seu natural meio ambiente: a caderneta!
Olho-os e sinto através deles a nostalgia dos tempos, incontornáveis, em que aquela equipa se batia de igual para igual com as maiores, no velho Campo Estrela, onde até o Sporting (este sim, o meu mais autêntico clube do coração!) foi vencido. O portalegrense Martelo e o elvense Patalino, ambos já desaparecidos, brilharam a grande altura nesse Lusitano com direito a memória.
Nunca os esquecerei.
Frequentava então em Évora a Escola do Magistério Primário e o contexto social e humano em que aí me integrara não aceitaria de bom grado que um jovem, quase quase professor, se dedicasse ainda a tão pueris passatempos.
Aqui, considero conveniente invocar a História dos Cromos em Portugal na defesa da minha própria honra. É que os retratos de futebolistas usados para embrulhar lambuzados rebuçados iam já caindo em desuso e este tipo de coleccionismo apenas duraria até meados da década de 50. O ano de 1952 é precisamente aquele em que, entre nós, os cromos passam a ser higienicamente apresentados no interior de “envelopes surpresa”, numa iniciativa da editora Agência Portuguesa de Revistas. O lançamento da novidade seria feito através da colecção Os Três Mosqueteiros, com reproduções de fotogramas de uma adaptação cinematográfica da obra de Alexandre Dumas. Aliás, possuo esta pioneira caderneta.
No entanto, devo aqui confessar que, clandestinamente, também coleccionei uma (e só uma!) das equipas que integraram o conjunto intitulado Caramelos Jogadores da Primeira Divisão Nacional 1952/53, editado pela infatigável Fábrica Universal.
Passo a explicar o insólito caso.
Vivi em Évora, durante os anos lectivos 1951/52 e 1952/53, a feliz coincidência de duas épocas fascinantes do futebol local, que corresponderam à luta ombro-a-ombro entre o Lusitano e o Juventude pela subida à 1.ª Divisão e, depois de ter vencido tal confronto, à estreia do Lusitano entre os “grandes” do nosso pontapé-na-bola. O onze do Juventude, campeão nacional da 3.ª Divisão na época anterior e dotado de uma equipa fantástica, onde actuava o antigo guarda-redes do Benfica, Rogério Contreiras, mais Casimiro, Lampreia, Buccheli, Pinto de Almeida, Passos ou os fabulosos irmãos Mendonça, dera uma séria e digna réplica ao seu rival da cidade... e, em boa verdade, mereceria mais a promoção!
Tornei-me então sócio do Lusitano pois, como estudante, beneficiava de vantajosas condições para frequentar dominicalmente o velho Campo Estrela, assim se denominava o airoso estádio do clube. Havia, porém, uma outra e mais poderosa razão justificativa desta minha pontual “inclinação” pelo Lusitano, chamada Manuel Martelo, o talentoso guarda-redes portalegrense que os eborenses tinham em tempos “roubado” ao Desportivo, o clube local das minhas simpatias. Baixo, quase atarracado, ele dispunha no entanto de uma surpreendente agilidade que os “sábios” destas coisas da bola costumam designar por “felina” e era seguro e valente como poucos...
Aliás, eu passava então uma boa parte das minhas tardes livres nos altos do desaparecido Café Camões, onde me deliciava com fascinantes jogos de snooker entre alguns jogadores do Lusitano, sobretudo os protagonizados pelos argentinos Valle e Di Paola. E aí convivia também com o patrício e amigo Martelo, que já conhecia desde Portalegre. Durante alguns meses, até fomos em comum comensais numa “clássica” tasca eborense, cujo nome já perdi, sita em ruela ali para os lados do velho Jardim das Canas.
Por isso, lembro-me bem do dia aziago em que, na prática, terminou a brilhante carreira futebolística do Manuel Martelo. Encontrei-o pelo fim da tarde, no sítio do costume – os altos do Café Camões, no seu regresso de um fatídico encontro em Coimbra, contra a Académica. Destemido como sempre numa corajosa saída da baliza, chocara com um adversário e partira uma perna, agora já engessada e apoiada, na horizontal, numa cadeira em frente...
Largas horas com ele convivi depois, nas visitas frequentes que lhe fazia, no quarto onde então habitava, quase paredes meias com o Teatro Garcia de Resende. Mas o possante suplente Dinis Vital tinha entretanto tomado conta, em definitivo, das redes do Lusitano.
Depois, regressei a Portalegre e o Martelo continuou em Évora, trabalhando nos Serviços Municipalizados da respectiva autarquia. Ao tempo, excepto os estrangeiros e meia dúzia de privilegiados jogadores indígenas, ninguém vivia só do futebol...
Creio que estará plenamente justificado o facto de ter coleccionado, quase em segredo, esses cromos do Lusitano de Évora. Obviamente, nem sequer adquiri a caderneta. Agora juntei-os, limpei-lhes o pó, alinhei-os na sua posição em campo e meti-os no computador. O enquadramento, o emblema e os dizeres são da minha inteira responsabilidade, para que os cromos não se sentissem tão “órfãos” do seu natural meio ambiente: a caderneta!
Olho-os e sinto através deles a nostalgia dos tempos, incontornáveis, em que aquela equipa se batia de igual para igual com as maiores, no velho Campo Estrela, onde até o Sporting (este sim, o meu mais autêntico clube do coração!) foi vencido. O portalegrense Martelo e o elvense Patalino, ambos já desaparecidos, brilharam a grande altura nesse Lusitano com direito a memória.
Nunca os esquecerei.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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Martelo – Guarda-redes do Lusitano*
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