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quarta-feira, abril 04, 2007

Revista

O DIREITO DOS HOMENS
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Guillaume Faye
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A consideração dos Direitos do Homem como igualdade e indiferenciação abstracta acaba por conduzir a modelos concentracionarias onde desaparece qualquer espécie de liberdade e autonomia individual.
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Uma crítica à ideologia dos direitos do homem não deve naturalmente fazer acreditar a ideia extravagante segundo a qual os homens não teriam direitos. Os direitos individuais existem. Toda a questão está em saber se são melhor defendidos por uma teoria Jurídica mundialista de essência igualitária todos os homens têm os mesmos direitos) ou por uma pluralidade de tipologias jurídicas.
Não pretendemos que certos homens tenham mais direitos que outros, mas simplesmente que se deve reconhecer a cada comunidade política, histórica e cultural, o direito de especificar a natureza das protecções individuais que entende atribuir aos seus membros.
Uma nação, com efeito, só respeita os direitos individuais na medida em que provenham de origens conformes à sua história. Por outras palavras, a soberania política e jurídica total é a condição sine qua non do respeito concreto dos direitos individuais reais. Fora da soberania, não há garantia do direito possível; não há liberdade.
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À ideologia dos direitos do homem, que se pôde observar conduzir muito frequentemente à destruição das liberdades reais, podem contrapor-se concepções muito diferentes, permitindo a defesa mais concreta e mais eficaz destas liberdades. Entre todas as formuladas na Europa, três merecem ser estudadas mais particularmente: a concepção dos direitos e das liberdades, sustentada por Jean Bodin no séc. XVI, a de Thomas Hobbes, o fundador da ciência política moderna, no séc. XVII, e finalmente a de Carl Schmitt, sem dúvida o maior jurista político do nosso tempo. Estas concepções têm em comum o fundar os direitos e as liberdades dos homens sobre a soberania política.
O jurista angevino Jean Bodin tenta formular um direito simultaneamente comunitário e soberano, que não faz concessão alguma ao mundialismo do «direito natural», sem para tanto cair no excesso do positivismo, do particularismo e do cinismo jurídicos. Opera assim uma síntese magistral do espírito germânico e do espírito latino, (o qual toca sem dúvida muito profundamente o francês). «É a História - escreveu em 1566 - que nos permite reunir as leis dos Antigos por aqui e por ali, para operar a síntese».
O direito, segundo Bodin, deve respeitar os «costumes dos povos» e rejeitar o absolutismo tirânico, garantindo totalmente o estatuto de soberania. A República, no sentido romano do termo, constitui o princípio superior da legitimidade. É ela que faz reinar um «direito do povo», que nada tem de abstracto nem de universal, mas que respeita «as tradições e os valores morais de justiça e de equidade». «A República sem poder soberano que una todos os membros e partes de icelle e todos mésnages e colégios num Corpo - escreveu Bodin - não é a República».
Na concepção de Bodin, o direito protege antes de mais «le mesnage et la famille», elementos primeiros do organismo comunitário, assim como garante a soberania que, como em Maquiavel, está colocada, com realismo, «acima das leis». Afastando toda a tirania («o tirano abusa das pessoas livres como dos escravos e dos bens dos súbditos como dos seus»), Bodin também se precavê contra a atitude demagógica que consiste em confiar à lei o sonho de realizar a «felicidade» dos humanos: «Ponhamos a mira mais alta que a felicidade». Ao mesmo tempo instrumento do poder soberano e protector das liberdades conquistadas, o direito pode então dispensar uma justiça «que se vê e faz crescer tão clara e luzenta como o esplendor do sol».
A filosofia do direito de Jean Bodin ensina-nos que é possível fugir ao falso dilema posto pela ideologia dos direitos do homem: ou se protege o indivíduo e se arruína o Estado, ou se garante a soberania do Estado, e se arruínam as liberdades individuais.
Seguindo Jean Bodin, o Inglês Thomas Hobbes, nos seus Elemento philosophica de cive (1650) e no Léviathan (1651), admitiu como não contraditórias as noções de libertas (que se poderia traduzir por «personalidade individual") e de imperium («autoridade soberana»), e demonstrou que uma se apoia na outra e reciprocamente. Como o verá Augusto Comte, Hobbes emitiu a ideia, que formará mais tarde o fundamento do pensamento de Carl Schmitt, que o Direito carece totalmente de sentido, se não for fundado, segundo a expressão de Halbwachs, sobre o «relevo brutal da realidade política».
Hobbes admite que o direito individual possa precisar uma «liberdade de fazer ou de se abster» (liberty to do or to forbear), mas concebe esta «liberdade virtual» como uma ressonância entre o sujeito e o poder atribuidor. O Direito, para ele, é simultaneamente um atributo do indivíduo e uma manifestação do seu poder. O direito à segurança, garantido pela segurança jurídica resulta então de um elo entre o cidadão e os poderes. É uma consequência política da existência de uma soberania. O termo inglês ought («o que funda um direito e uma obrigação») traduz bem esta ideia: o indivíduo obtém direitos, não em virtude duma necessidade metafísica qualquer, mas do facto de uma adesão a uma instância soberana que lhos garante em troca. O direito individual não é então autónomo, e apenas logra depender de formas de soberania eminentemente variáveis. Esta filosofia é conforme à tradição romana: o jus apenas toma em conta uma regra moral, na medida em que corresponde a costumes e a tradições particulares. O direito individual não procede dum devido universal mas de uma ética comunitária. Até se encontra o oposto da concepção moderna do «direito natural», do moral right segundo a terminologia anglo-saxónica, que define a liberdade, segundo Hohfeld, como «libertação de todo o dever» (freedom from duty).
Na época em que os povos se desfazem e em que os indivíduos perdem toda a personalidade sob o efeito de sistemas económicos e ideologias internacionais que, homogeneizando os comportamentos, danificam o único direito «natural» que existe sem dúvida, o de se realizar a si mesmo segundo as capacidades e as potencialidades próprias, é talvez na renascença das soberanias políticas que se encontrará o melhor meio de proteger as liberdades.
No séc. XX, Carl Schmitt, e posteriormente Julien Freund, verão precisamente no poder protector da soberania política (o «bloco de mármore» de que falava Bodin) a melhor garantia possível para os direitos individuais e colectivos. Enquanto a ideologia dos direitos do homem visa distinguir soberania política e soberania jurídica (cf. Montesquieu), Carl Schmitt, no seu tratado sobre o direito constitucional (Verfassung und Verfassungsrecht), pronuncia-se para uma fusão destas duas formas de soberania. Ele demonstra como o universalismo jurídico liberal visa abandonar a noção de acaso e, por conseguinte, a percepção dos «riscos históricos» a que toda a comunidade humana pode expor-se: o Direito, assim falseado, ilude os homens sobre as realidades sócio-históricas, gera uma tranquilidade ilusória, fundada abstractamente sobre uma normalidade social e politica imutável, e conduz os Estados a tornarem-se os despojos de uma História realizada por outros.

in, ALTERNATIVA, Nº1, ABRIL 1985, p.11-12