Salazar e o gulag
Salazar e o gulag.
NAS PÁGINAS finais de Arquipélago de Gulag, um marco da literatura do século XX, o Nobel da Literatura A. Soljenitsine descreveu os tempos que passou na cela «mais brilhante de toda a minha vida prisional». Nessa cela, ocupada por cerca de 100 prisioneiros apesar de ter capacidade para menos de 20, o escritor conviveu com professores, engenheiros e cientistas, os mais ilustres que havia. Todos os dias organizavam uma pequena palestra para partilharem conhecimentos, usando como ardósia uma caixa de fósforos e, como giz, uma ponta de lapiseira.
ESSE DRAMA era, paradoxalmente, uma das raras vantagens que um regime ditatorial como o comunista podia oferecer: em vez dos tradicionais criminosos, as prisões estavam a abarrotar de pessoas cultas e nobres de espírito, o que fazia daqueles estabelecimentos importantes centros de vida intelectual em vez de escolas de vícios.
DURANTE o regime de Salazar passou-se, em menor escala, algo de idêntico. E, ciente disso, a ‘advogada’ de Álvaro Cunhal em Grandes Portugueses, Odete Santos, indignou-se com a vitória de Salazar no concurso. Mas a deputada esqueceu que essa eleição só foi possível porque há liberdade de expressão. E pior, esqueceu-se de que ela própria fez a apologia de alguém que tentou substituir uma ditadura por outra ditadura. Se Cunhal tem chegado ao poder, talvez Portugal tivesse hoje um problema a menos: prisões não mais seguras nem mais civilizadas, mas sem dúvida com um nível intelectual capaz de rivalizar com o das prisões da antiga URSS.
JOSÉ CABRITA SARAIVA josé.c.saraiva@sol.pt
in, SOL – 31 MARÇO 2007 – p.49
in, SOL – 31 MARÇO 2007 – p.49
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